Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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“Medo e Delírio em Las Vegas” faz acerto de contas com a utopia psicodélica, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

“Medo e Delírio em Las Vegas” (Fear and Loathing in Las Vegas, 1998) foi o início do acerto de contas do diretor Terry Gilliam com a sua geração (a utopia psicodélica de que as drogas abririam as portas da percepção nos libertando de realidades opressivas), encerrado com o filme “Contraponto” (Tinderland) em 2006. O filme baseou-se no livro homônimo  de Hunter Thompson, o marco do chamado “Jornalismo Gonzo” no qual a ficção seria mais poderosa do qualquer tipo de reportagem objetiva. Mas parece que toda uma geração esqueceu do alerta do escritor maldito Charles Bukowski: atualmente a realidade supera qualquer imaginação literária. Como centro espiritual de uma cultura planetária, Las Vegas incorporou (através da tecnologia) todos os delírios lisérgicos, não mais para libertar, mas agora para fazer as pessoas consumirem e perder dinheiro em mesas de jogos. Mais tarde, toda a indústria do entretenimento colocaria em prática a distopia de Las Vegas. Os heróis lisérgicos dos anos 1960-70 acabaram se transformando em nostálgicos freaks, impotentes diante dos delírios de LSD emulados pelas casas noturnas e raves.

Para o Cinegnose o Deserto de Nevada, nos EUA, é o centro espiritual da cultura pop irradiada para todo o planeta. Lá estão os três eventos seminais para a cultura do século XX-XXI: a construção de Las Vegas, os primeiros testes com a bomba atômica e a Área 51. E mais a oeste Hollywood e o Vale do Silício como polo irradiador dessa nova espiritualidade pós-moderna.

Las Vegas como o símbolo do hedonismo, superficialidade e fugacidade; a bomba atômica e o medo da irradiação e do apocalipse num mundo que parece não nos pertencer; e Área 51 como o ponto de partida da paranoia e visão conspiratória do mundo.

Em postagem anterior discutíamos sobre esse “centro espiritual” cujos eventos seminais criaram as três formas de constituição da subjetividade na cultura atual a partir de uma mitologia de personagens que descrevem a condição humana nesse mundo: o Viajante, o Detetive e o Estrangeiro. O Viajante, conectado a Las Vegas; o Detetive à Área 51; o Estrangeiro à bomba atômica – clique aqui.

Medo e Delírio em Las Vegas (Fear and Loathing in Las Vegas, 1998), de Terry Gilliam vai explorar a rica mitologia dessa região do Oeste dos EUA, sob a visão distorcida e alucinatória das drogas dos seus protagonistas em 1972, já no fim da utopia psicodélica dos anos 1960.

O filme baseou-se no livro homônimo de Hunter Thompson, o idealizador do chamado “Jornalismo Gonzo” – um jornalismo experimental no qual o repórter deveria ter em mente que a melhor ficção está muito além de qualquer tipo de jornalismo. Por isso, o jornalista deve cair de cabeça na história e ser o personagem principal dos acontecimentos em uma narrativa em hipérbole. 

O livro e o filme de Gilliam é um relato em estado alterado de consciência de Raoul Duke (Johnny Depp) e seu advogado samoano Dr. Gonzo (Benício Del Toro) em suas incursões por Las Vegas deixando um rastro de desordem e quartos de hotéis destruídos. 

Paranoia e conspirações

Ao longo do filme assistimos ao desfile de toda a mitologia fundadora da cultura pop planetária: personagens paranoicos às voltas com suspeitas de algum tipo de conspiração (de morcegos que voam no deserto a espionagens de agências governamentais), viajantes que vão de parte alguma para lugar nenhum e estranhos em uma terra que parece ser de ninguém.

O curioso no filme é o seguinte: em si a cidade de Las Vegas, com luzes feéricas e cassinos claustrofóbicos, propositalmente busca alterar o estado de consciência de seus visitantes para que consumam, joguem e se esqueçam do mundo real – afinal, “o que se faz em Vegas, fica em Vegas”, diz o famoso lema. Imagine então perambular por uma cidade lisérgica em estados lisérgicos de consciência induzidos por dezenas de papelotes de mescalina, cocaína em saleiros e frascos de éter puro.

Isso é o que Terry Gilliam pretende explorar com o filme: o sonho americano, cuja síntese é Las Vegas com seus medos de delírios (Área 51 e bomba atômica), visto pelo olhar distorcido por drogas capazes de produzir estranhamento com aquele mundo que nos convida e quer nos envolver – como o sonho americano pode se tornar aterrorizante, estranho e alienante.

Hunter Thompson ao lado de Johnny Depp

O Filme

Duke, acompanhado do seu advogado Dr. Gonzo, dirigem um carro conversível alugado pelo deserto, na direção de Las Vegas. Duke (o alterego do Jornalismo Gonzo de Thompson) vai cobrir a célebre corrida de motocicletas no deserto chamada Mint 400 para a revista Sports Illustrated. Mas vai acabar ficando por lá para também cobrir uma convenção de agentes policiais que lidam com crimes de narcóticos. 

Ironicamente, no porta malas do carro um arsenal de drogas que faria corar qualquer traficante: cocaína, haxixe, LSD, éter, mescalina, speed em trouxinhas, pílulas, papelotes, seringas, acompanhados de garrafas de rum e tequila.

Naquele porta-malas está o substrato químico que fez o sonho psicodélico dos anos 1960, em um carro como fosse uma espécie de bomba transportada para o centro espiritual do sonho americano. Duke e Dr. Gonzo são verdadeiros homens-bomba, 24 horas em estado alterado de consciência. Como fala o título do livro/filme, prontos para desmascarar o sonho americano, revelando o que há de medo e delírio por trás dele.

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

1 Comentário

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  1. Dinheiro do trafico

    Do artigo original (link no texto):

    “De como o sonho americano acabou subliminarmente absorvendo todos os super estímulos produzidos pelas drogas que supostamente liberariam consciências, absorvendo-as por meio da tecnologia e sociedade de consumo – por exemplo, no final da vida o papa do LSD, o Dr. Timothy Leary falava que os computadores substituiriam o barato das drogas lisérgicas.”

    Muito mais que as “drogas lisérgicas”, o mundo virtual nos computadores tem o potencial de substituir todas as drogas.

    O dinheiro do tráfico vai ser direcionado para os donos dessa tecnologia.

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