Memórias de infância de um finadista

Sugerido por implacavel
Feliz Dia dos mortos
 
do Facebook de Luiz Antonio Simas
 
Sou um finadista. Explico. Nasci em um dia dois de novembro, consagrado aos fiéis defuntos da cristandade – o popularíssimo dia de finados. Os senhores, que não nasceram em data tão significativa, não imaginam o impacto que é uma criança dizer aos amiguinhos que faz aniversário no dia dos mortos.
 
Ano passado mesmo, logo cedo, recebi uma ligação da minha mãe para os parabéns. Entre desejos de felicidades e que tais, a velha me disse o seguinte:
– Parabéns, tudo de bom. Já acendi as velas pelos defuntos de sua avó, seu avô e sua Tia Lita. 
Cresci ouvindo a história de que minha mãe repetia, perto do meu nascimento, sempre a mesma ladainha : Só não pode nascer dia dos mortos. Vai ser menina e não vai nascer em finados; não pode nascer. 
O resultado é que nasci balançando o pinto e no dia dos mortos, às onze e meia da manhã – horário indisfarçável, pra marcar posição. Minha avó ficou tão abalada que deu a notícia à minha tia Lita da seguinte maneira : Lita, que horror. Acabou de nascer no dia de finados e é menino. E agora ?

[A tia querida adorava repetir essa sentença e a vó, rindo matreira, apenas silenciava. Eu, de forma obsessiva, pedia o tempo todo : Como é a frase do meu nascimento, tia Lita? A frase do horror… ]
Lembro-me bem de um aniversário – eu devia ter uns seis anos – em que fomos almoçar em família. Vesti minha melhor roupinha para a ocasião. Ao nos ver saindo, o jornaleiro vizinho ao prédio onde morávamos foi direto : Estão indo a que cemitério? 
Eis aí, amigos , uma verdade definitiva – meu caráter foi moldado por essa frase. Acho mesmo que minha personalidade pode ser definida com essa única sentença; nunca deixei de ser a criança que, ao querer comemorar o aniversário, descobriu que o procedimento normal era ir ao cemitério.
Em outra ocasião o negócio foi mais sério. Estava já na faculdade quando minha namorada à época resolveu me mandar flores no dia do aniversário. O entregador disse ao porteiro que ia levar as flores ao apartamento 307, endereçadas a Luiz Antonio Simas.
Tudo muito bonito, romântico, nos conformes. Acontece que o porteiro, ao ouvir falar em flores para Luiz Antonio Simas no dia de finados, concluiu que eu tinha morrido. Atentem para o troço. Minha namorada me manda flores no aniversário e o camarada acha que morri. 
Mas vamos voltar à infância. O fato é que, aos poucos, passei a achar ótimo esse negócio de ser finadista. Comecei a divulgar isso com uma empáfia quase aterrorizante. Alguém me perguntava qual era o dia do meu aniversário e eu não tinha dúvidas em responder feliz, quase excitado. Chegava mesmo, admito, a falar do nada para as pessoas : Você sabe em que dia eu nasci? Quer que eu diga mesmo?
Fazia então uma expressão de homicida alucinado, ensaiava um tom de voz diferente, esbugalhava os olhos e mandava na lata : Dia dois de novembro; o dia dos mortos, dos vampiros e dos lobisomens [ sim, resolvi acrescentar, lá pelos oito anos, esse negócio de vampiros e lobisomens porque dava um tom mais firme e assustador à coisa ].
Ah, me permitam uma última confissão, daquelas que o sujeito só costuma fazer ao médium de mesa branca depois de fixar residência no Nosso Lar. É o seguinte: ainda hoje, homem barbado e pouca telha, volto a ter subitamente oito anos quando uma criança me pergunta sobre o dia do meu aniversário. Me vejo como um pirralho de cabelos encaracolados, calço meu kichute imaginário e respondo com sinistra entonação:
– Nasci no dia dois de novembro. É o dia dos mortos, dos vampiros e dos lobisomens. Você sabia ? 
Se o fedelho faz cara de choro, fico sinceramente feliz.

 
 
 
Redação

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    A morte definitiva de “jason” um politiqueiro brasileiro que insistia em viver 

     

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  2. Para mim, o finados não

    Para mim, o finados não significa absolutamente nada. Aliás, é uma grande incoerência. Não consigo compreender o tal “aniversário da morte”. Nada mais antagônico do que nascimento e morte. 

  3. Belo e divertido texto para

    Belo e divertido texto para um dia marcado pela tristeza falsa porque ninguém está dando muita importância aos seus defuntos e sim apenas cumprindo uma jornada social para dizer depois a amigos e parentes: “ontem fui ao cemitério tal” como quem diz “ontem fui ao shopping tal”. Ai de quem não cumpre o dever social. É achincalhado. Pois é. Eu que desde criança sempre achei tal dia inútil fui muitas e muitas vezes criticadíssima, seja por familiares ou amigos, por não me dar ao trabalho de ir a cemitérios. Agora posso acrescentar a quem me criticar: “pior seria se tivesse como um conhecido meu nascido em dia onde os cemitérios são tão disputados”. Obrigada ao autor por me conceder tamanho favor. Abraço.

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