Meu caminhar pela cidade de São Paulo, por Vera Lucia Dias

Nasci no bairro da Mooca. Isto foi no ano de 1951 quando a cidade de São Paulo tinha linhas de bonde que percorriam bairros e mais bairros com mais de 400 km de trilhos. Ainda nem se sonhava com um Parque como o Ibirapuera. Um dia chegou notícia! Vamos andar de papa-fila. Que sucesso!

No Parque Dom Pedro II um lugar para as diversões, estava instalado o Parque Xangai com a roda gigante a girar. Tivemos uma infância nos quintais com terra, sem nada de centros de compra ou lanchonetes rápidas. Ouvíamos canções de muitos países no rádio, do Japão, do Paraguai, da Alemanha, da Itália e também de Pernambuco, Ceará ou Rio Grande do Sul. A pastelaria era uma grande novidade assim como novos objetos incríveis. Lembro daquele copinho de beber água feito de plástico com várias camadas que abriam e fechavam. E ainda se apresentava em várias cores!

Tomei banho entre as pedras naquela água geladinha que foi toda canalizada e hoje se conhece por um lugar chamado Vila Nova Cachoeirinha. Aguardei tantas vezes o trânsito feroz da Avenida Celso Garcia para visitar parentes que moravam na zona leste. Lembro do famoso ônibus Penha-Lapa. O ônibus para o Jardim Pedreira onde morava minha mãe, saia do Vale do Anhangabaú. Lá já estava ficando difícil de atravessar, com trânsito intenso. Na Rua Augusta fui estudar, usava o ônibus elétrico com seu andar silencioso. Era o Ginásio de Aplicação da PUC que foi demolido no atual terreno do pretendente “Parque Augusta”.

Consegui dois empregos e morando na zona sul, mais tarde veio matrícula no curso de magistério na Lapa e a lentidão do trânsito nos anos 1970 porque uma obra viária crescia em nossas cabeças escurecendo a alegre Avenida São João, nosso Champs Elysee. Era em formato de minhoca.

Para as férias uma gostosa viagem com malas se arrastando pela Rodoviária colorida em frente à Estação de trens Sorocabana.

Assim muito jovem descobri que a melhor fórmula de ganhar tempo seria trabalhar, estudar e morar no Centro, tudo perto. Ir caminhando com pequenos atrasos apenas se o elevador demorava.

Para a boemia de violões nas madrugadas tínhamos transportes pela noite toda! Em 1979 vem o bebê e morando na Alameda Barão de Limeira quantas vezes o carrinho aguardava manobras para tirar os carros da calçada. Esperava até o proprietário do veículo aparecer e muitas pessoas comentando “tira o carro, a mulher quer passar com o carrinho de bebê!”. Isto acontecia sempre e nas décadas seguintes pouco mudou, ou melhor, acentuou.

O menino cresceu e disse “mãe porque você não volta a estudar”. E voltei, fui para a faculdade e nossos colegas se misturavam nos trabalhos, os dele quando entrou no cursinho e os meus. Era o final dos anos 90 e o turismo me impregnou com suas vertentes. Estudei mais e me tornei guia da cidade. E o caminhar se fez freqüente. Agora com análises e embasamentos históricos. A geografia permeando o olhar para conduzir outros sonhos e descobrir mais e mais. Pesquisei sempre e tentei desvendar as palavras que dizem muito sobre o lugar, são as origens indígenas do chão paulistano “terra dura” Butantã, “caminho de tatus” Tatuapé, riacho vermelho” Ipiranga, “gafanhoto verde” Tucuruvi, “fazer casas” Mooca, “esconderijo de fujões” Jabaquara , “madeira em extinção” Ibirapuera.

Recordo então as origens, e as mudanças com inúmeros carros por todos os lados, a construção do Metrô, trens e ônibus mais confortáveis e quase sempre lotados.

Os quintais foram sendo cimentados, os copos de papelão viraram de plástico. Quanto plástico! O bonde se foi e nenhum ficou para lembrança como tem Lisboa ou em Santos. Quem sabe salvamos o ônibus elétrico e todos me perguntam “onde está aquele lindo veículo que circula somente no aniversário da cidade?” Não sei responder.

O Anhangabaú virou jardim. O ônibus elétrico da Rua Augusta acabou. A cidade pulou em meio século de 2 para 11 milhões de habitantes. E carros, quantos desde que em 1902 foi chegando o primeiro.

A Rodoviária mudou de lugar e ficou bem grande. E ficou difícil atravessar as ruas e avenidas repletas de veículos. “Teu olhar mata mais que atropelamento de automóvel”…” Iracema cuidado ao atravessar essa rua, eu falava mas você não escutava não, Iracema você atravessou contramão” .”Olá como vai, eu vou indo e você tudo bem, o sinal vai abrir, vai abrir”, são versos que cantaram Adoniram e Paulinho da Viola. Cada vez mais fica complexo andar pelo nosso lugar que é a calçada. Quando chegamos à maturidade ficamos com receio de atravessar ruas, com medo de motociclistas, andamos mais lentos e com cuidado. Será que vamos ter que ocupar as ruas e deixar que o automóvel durma nas calçadas em berço esplêndido? Temos ainda muito que fazer.

Vera Lucia Dias é turismóloga e guia da cidade   

Redação

5 Comentários

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  1. Os bondes da Maria Antonia

    Há 2 ou 3 semanas a Comgás reformou as tubulações de gás da rua Maria Antonia, e quebrou o asfalto em vários lugares, revelando, a uma profundidade de 40 centímetros, os trilhos dos bondes intactos sobre os dormentes de madeira. Nada foi retirado, simplesmente pavimentaram por cima direto.

    1. Tão forte que não consigo me referir àquele local, sem ser como

      “lá na Paineira”. Convivi muitos e muitos anos com ela, referindo-me a ela, durante a semana indo pra USP; nos finais de semana quando ia ao Rei e ao Café Paris.

      Hoje ela é apenas um retrato na minha memória. Mas dói.

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