Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Mister Maker: O Sabor Gnóstico para Crianças

Hit do canal infantil Discovery Kids, Mister Maker apresenta por trás das inovações narrativas um supreendente sabor gnóstico: simbolismos que remetem a uma nova sensibilidade infantil metalinguística. Na atualidade, as narrativas infantis adquirem cada vez mais conteúdos irônicos, conscientemente paródicos e reflexivos. As mitologias gnósticas parecem cair muito bem nesse universo.

Do nada surge Mister Maker em um fundo infinito branco. Ele se detém, pensa encolhendo os ombros e … eureka!!! Uma idéia! Começa, então, a produzir diversos objetos em miniatura: sofás, prateleiras, mesas, janela, cortina, até construir uma pequena cenografia. Do alto observa, orgulhoso, a sua própria criação, com seus braços abertos envolvendo-a. De repente surge um efeito especial como uma poeira de estrelas e brilhos que envolve Mister Maker, trazendo-o para dentro da sua própria obra. A pequena cenografia transforma-se no cenário dentro do qual Mister Maker apresentará para a criançada suas invenções e trabalhos manuais.


Essa abertura do programa Mister Maker, do canal infantil Discovery Kids, tem uma simbologia sugestiva, no mínimo uma abertura inédita para um programa infantil desse gênero. Uma espécie de narrativa do gênesis é contada para sabermos de onde veio o universo comandado por Mister Maker.

Há um sabor gnóstico nessa simbologia. Ele é o Demiurgo (para os gnósticos forma híbrida de consciência emanada dos planos superiores, criadora do cosmos material como uma cópia imperfeita da plenitude do Pleroma), o artífice da cenografia e objetos e personagens do programa. Ele repentinamente surge em um fundo infinito (ele não foi criado mas “emanado”, segundo a mitologia gnóstica).


Assim como o universo físico criado pelo demiurgo é imperfeito (caótico, finito e fragmentado) por ser fruto de um acidente cósmico, o universo de Mister Maker é acidentado, desorganizado e sujeito a rebeliões (como a das “gavetas malucas”, protestanto por estarem cheias). Claro, tudo isso para o divertimento das crianças.


Também é simbolicamente sugestivo o quadro “minuto da arte” onde Mister Maker corre contra o relógio para construir uma das suas invenções. Depois de um minuto, Mister Maker volta o tempo (ou a “fita”) para explicar os passos, agora de forma lenta e compreensível. O tempo e o devir são a falha principal do cosmo criado pelo Demiurgo:

“As escrituras gnósticas dizem que o Demiurgo projetou ciclos de tempo como uma imitação pobre da eternidade atemporal. A ordem, a grandeza e a legitimidade do cosmos são adulteradas; e mais do que provável, sob a aparência de ordem imutável e da progressão casual o cosmos é caótico e casual” (HOELLER, Stephen. Gnosticismo: a tradição oculta, RJ: Nova Era, 2005, p. 201)

Embora tenha criado o universo, ele é escravo do tempo e do devir. Situação irônica para as crianças: o criador de tudo correndo contra o tempo, sempre ironizado por um cuco maluco que sai do relógio. No final de cada programa, Mister maker fala: “minha hora de fazer arte acabou, mas a sua está apenas começando”. Correr contra o tempo e o tempo como devir, finitude, limite. Mister Maker quer ensinar mais do que como fazer arte e brinquedos: quer demonstrar para as crianças a fatalidade do tempo e a finitude da sua criação. 


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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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