Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Misteriosas conexões da mitologia da estrela Sirius no cinema e na música

De “Show de Truman” ao filme “Número 23”, do álbum “Diamond Dogs” de David Bowie a série “Harry Potter”, podemos encontrar uma recorrência sincromística: a misteriosa conexão desses produtos de entretenimento com a mitologia que envolve a estrela Sirius da constelação do Cão Maior, presente nas mais variadas culturas e civilizações desde a antiguidade. Passando pela escola dos mistérios do antigo Egito, a mitologias da tribo dos Dogons de Mali, na Teosofia de Madame Blavatsky, sociedades secretas como a Maçonaria ou na antiguidade grega, percebe-se ela é dotada de um simbolismo ambíguo, seja como a estrela que ilumina o mundo espiritual ou que aponta para maus presságios, e tempos de calor e loucura – “dias de cão”. Na bandeira nacional, Sirius representa o estado do Mato Grosso – pauta sugerida pelo nosso leitor Ricardo no seu comentário sobre nossa postagem sobre o filme “Show de Truman”.

No mundo estranhamente previsível e conformista do filme Show de Truman (The Truman Show, 1998), Truman sai de casa para mais um dia de trabalho, com um sorriso publicitário estampado em seu rosto. De repente um evento inesperado: algo cai do céu totalmente azul e se espatifa no chão, quase o atingindo. Ele pega o objeto e repara que é um spot de luz. Sobre ele, uma etiqueta onde se lê: “Sirius (9 canis major)”. O acontecimento é importante na narrativa do filme porque, a partir da inexplicável queda do spot com o nome de uma estrela do firmamento, Truman começará a questionar sua própria realidade.

Mas há algo mais: o fato de o roteirista ter atribuído a esse importante objeto da trama do filme o nome da estrela Sirius – localizada na constelação de Cão Maior, também conhecida como “big dog” e, por isso, chamada também como “estrela do cão”. Sirius é a estrela mais brilhante do céu e desde tempos imemoriais tem sido reverenciada por diferentes culturas e civilizações.

Essa estrela se reveste de grande importância na mitologia, astrologia e ocultismo. Passando pelas Escolas de Mistérios, o sistema mitológico da antiga tribo dos Dogons em Mali, no glossário teosófico de Madame Blavastky no século XIX até o simbolismo oculto no tarô, e de sociedades secretas como a maçonaria, Sirius incorpora um significado generalizado de “um sol atrás do Sol”, a luz espiritual que como o Sol ilumina o mundo físico, considerado uma grande ilusão.

O exemplo da sequência da queda do spot que simulava o brilho da estrela Sirius no céu cenográfico de Show de Truman é mais um exemplo que demonstra que, cada vez mais, as produções cinematográficas apresentam uma espécie de subtexto sincromístico por trás da narrativa manifesta do roteiro. Arquétipos e mitologias, que no passado se restringiam a sistemas filosóficos e religiosos de iniciados, hoje são repercutidos tecnologicamente, porém de forma irrefletida como entretenimento e não mais como iluminação espiritual.   

Mas o “momento de verdade” (o conteúdo sincromístico que fascina o público) continua presente como no profundo significado daquele spot do gigantesco estúdio na trajetória de Truman no filme: o gatilho que acionou todo o processo de descoberta espiritual na vida do protagonista.

Espetacularização do arcaico

Autores como o italiano Massimo Canevacci ou o francês Edgard Morin já estudavam esse modelo de projeção-identificação do público com o filme onde a indústria do entretenimento converte elementos do imaginário em modelos estéticos de cultura. Canevacci, por exemplo, considerava o cinema uma “máscara tecnológica” que espetaculariza uma “hipo-estrutura arcaica” e, como as máscaras ritualísticas antigas, ao mesmo tempo escondem e mostram conteúdos arquetípicos do inconsciente. Este seria o “espírito do cinema” (veja CANEVACCI, Massimo. Antropologia do Cinema, São Paulo: Brasiliense, 1984).

O espírito do cinema: o cinema esconde
conteúdos arquetípicos do inconsciente

Por sua vez, Morin via na sua obra Cultura de Massas no Século XX que por trás da “cultura dos olimpianos” (artistas, campeões, celebridades, reis e príncipes) estaria o imaginário composto por modelos mitológicos e mágicos. Eles se tornam “modelos de cultura” e encarnam “mitos de auto-realização privada”.

Mas Canevacci e Morin ainda são pesquisadores de uma época clássica do cinema onde o imaginário era ainda encaixado unicamente dentro da chamada “Jornada do Herói”. Hoje, as conexões do cinema com o imaginário, arquétipos e mitologias são mais complexas por meio de sincretismos com “egrégoras” e “formas pensamento” de um inconsciente coletivo atual da humanidade.

Um dos exemplos mais conhecidos são as coincidências sincromísticas que envolvem o personagem do Coringa na série Batman, principalmente após a morte do ator Heath Ledger (sobre isso, clique aqui): a sombra do poderoso arquétipo teria feito mais uma vítima, suspeita que ficou ainda mais forte após a declaração do ator Jack Nicholson: “Eu o avisei!”. Nicholson já havia interpretado o sinistro personagem no “Batman” na versão de Tim Burton (1989) e parecia saber de algo mais.

Isso sem falar das sincronicidades entre esse personagem e o infame massacre da cidade de Aurora, Colorado, em 2012 onde um atirador realizou uma série de disparos em um cinema onde estreava “Batman, O Cavaleiro das Trevas”. O autor teria declarado para a polícia ser o Coringa (sobre isso, clique aqui).

Mitologias da estrela Sirius

Tribo dos Dogons: conheciam o sistema binário
de Sirius muito antes dos astrônomos do séc. XIX

No antigo Egito a estrela Sirius era a base astronômica de todo o sistema religioso. Foi reverenciado como Sothis e foi associada com Ísis, a deusa mãe da mitologia egípcia. Isis é o aspecto feminino da trindade formada por ela, Osíris e Horus o filho. Os antigos egípcios colocavam Sirius em tal alta posição, que a maioria de suas divindades estavam associadas, de alguma forma ou de outra, com a estrela. Anubis, o cabeça de cão deus da morte, tinha uma óbvia conexão com a Estrela do Cão, e Toth-Hermes, o grande mestre da humanidade, foi também esotericamente relacionado com a estrela. Muitos pesquisadores ocultistas alegam que a Grande Pirâmide de Gizé foi construída em perfeito alinhamento com a estrela Sirius e seu brilho seria usado em cerimônias dos Mistérios egípcios – Sirius (associada à deusa Ísis) estaria alinhada com a Câmara da Rainha no interior da Grande Pirâmide.

O simbolismo mitológico de Sirius é ambíguo, talvez reflexo dessa estrela fazer parte de um sistema binário composta por Sirius A (duas vezes a massa do Sol) e Sirius B (uma anã branca quase igual o Sol em massa) – embora só no século XIX se tenha descoberto de que a estrela pertencia a um sistema binário, o pesquisador Robert Temple no livro O Mistério de Sirius afirma que a mitologia da tribo dos Dogons em Mali já compreendia a natureza binária da estrela, construindo um simbolismo próximo dos egípcios, sumérios e babilônicos que elaboraram o arquétipo do “grande professor de cima”.

Por exemplo, os gregos antigos pensavam que as emanações de Sirius poderia afetar adversamente cães, quando então se comportavam de forma anormal durante os “dias de cão”, os dias mais quentes do verão – talvez daí as origens de expressões como “dia de cão” para um dia difícil e de má sorte.

Os romanos sacrificavam um cão marrom no início dos “dias de cão” para aplacar a fúria de Sirius , acreditando que a estrela era a causa do tempo quente e abafado .

Muitas culturas têm historicamente ligado significado especial para Sirius , particularmente em relação aos cães . Também foi descrito classicamente como cão de Orion. Homero, na Ilíada , descreveu :

Sirius sobe no final do céu escuro, céu líquido/  Nas noites de verão, estrela das estrelas,/ Eles chamam Cão de Órion, a mais brilhante/ De todas , mas um presságio do mal , trazendo calor/ E febres para a humanidade sofredora.

Por outro lado, nas escolas de mistérios ela é reverenciada como o foco central de ensinamentos secretos. Helena Blavatsky e Alice Bailey, as duas principais figuras associadas com a Teosofia, considervam Sirius como uma fonte de energia esotérica. Blavatsky afirma que a estrela Sirius exerce uma influência mística e direta sobre o céu inteiro e está relacionada com todas as grandes religiões da antiguidade. Alice Bailey vê a estrela do cão como a verdadeira “Grande Loja Branca” e acredita ser a casa da “Hierarquia Espiritual”. Por esta razão, ela considera Sirius como a “estrela de início”.

Na Maçonaria é a “estrela flamejante”, símbolo da divindade, da onipresença (o Criador está presente em toda parte) e da onisciência (o Criador vê e sabe de tudo). Sirius, portanto, o “lugar sagrado” todos os maçons devem ascender a: É a fonte do poder divino e do destino das pessoas divinas.

Estrela Sirius na indústria do entretenimento

Referências diretas ou indiretas são inúmeras na cultura de massas. Em geral os simbolismos codificados remetem à estrela como guia, estimuladora da busca da verdade e da elevação espiritual. Além do filme Show de Truman vejamos outros exemplos:

(a) O ocultista e gnóstico pop David Bowie no seu álbum Diamond Dogs faz uma conexão sincromística com Sirius através do simbolismo do diamante e cães: o tema do álbum é o futuro distópico orwelliano de um mundo controlado por um Big Brother (ou “diamond dogs”), associado com a metáfora de cães e o diamante, associado nas traduções esotéricas ao brilho de Sirius no céu. Diamond Dogs cria uma metáfora associado a esse significado sombrio do destino humano associado ao cão.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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  1. Sírius é a maior estrela

    Sírius é a maior estrela brilhante dos céus. Canopus, à sua direita, a segunda, tenta brilhar mais que ela, tentando ser melhor, mas é apenas a segunda no Céu. Sírius é a estrela alfa da constelação do Cão Maior, vizinha a Orion, onde se encontram as Três Marias, e que fica no meio do Céu. Como não poderia deixar de ser, há uma infinidade de referências mitológicas sobre ela, desde a mais remota antiguidade. Logo acima de Sírius está o Sete Estrelo, na constelação do Touro, a mais importante constelação para a cultura popular brasileira.

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