No reino do leão um macaco é pastor evangélico, por Fábio de Oliveira Ribeiro

"Nos filmes de Walt Disney as revoluções são sempre fruto da perversidade de usurpadores egoístas e malvados"

Imagem: Reprodução de cena do filme ‘O Rei Leão’

Animais falantes vivem num mundo natural idealizado. Eles são protagonistas de um melodrama em que a superação pessoal e política se entrecruzam a partir do momento em que um leão órfão aceita a missão que lhe foi dada pelo Criador.

As relações entre os personagens são mágicas. Predadores virtuosos e presas resignadas trabalham juntos para conservar o equilíbrio naquele mundo artificial. A competição entre os predadores malvados se transforma numa aliança estratégica para usurpar o poder e devastar a natureza idealizada. No fim o bem vence o mal e o líder da revolução é punido por seus próprios aliados.

Um crítico de esquerda poderia dizer que esse filme é apenas lixo tóxico cultural que cumpre duas finalidades: produzir lucro e veicular uma ideologia nociva. Ao produzir versões idealizadas da natureza para um público também idealizado, Walt Disney pode ser considerado responsável pela conservação de um regime capitalista que se caracteriza tanto pela destruição da natureza quanto pela infantilização de uma população que se emociona com os animais no cinema e se diverte matando-os a tiros nas savanas africanas.

A vida não imita a arte. A política somente existe no espaço delicado criado voluntariamente por pessoas desiguais para que elas possam conviver pacificamente (Hannah Arendt). Os líderes políticos não são seres escolhidos pelo Criador para governar de maneira virtuosa. Eles não deveriam ser manufaturados pela mídia para um público domesticado por versões cinematográficas simplificadas das relações sociais como as que podem ser vistas no filme O Rei Leão.

Os conflitos sociais que aprofundaram as diferenças entre pobres e ricos não serão solucionados por líderes predestinados a conservar o status quo. Nos filmes de Walt Disney as revoluções são sempre fruto da perversidade de usurpadores egoístas e malvados. No mundo real elas são o resultado de contradições insuportáveis preservadas por um sistema político que se tornou obsoleto e incapaz de redistribuir renda.

O Rei Leão também pode ser considerado uma prova da obsolescência do cristianismo evangélico. Entretanto, a ministra Damares R. Alves não fez nada para proibir a exibição desse filme que poderia ser considerado herético pelos fundamentalistas evangélicos. O Criador não fez e não faz animais mágicos. Nenhuma produção cinematográfica deveria ensinar às crianças que os leões são mais divinos do que os seres humanos. Um aviso aos navegantes: estou sendo apenas irônico.

O macaco não evoluiu, não fala e nunca se tornará tão sábio quanto o símio que ajudou Simba a se reencontrar com o Criador. Onde já se viu transformar os pastores evangélicos em macacos. Isso não pode… Pode sim, disse Damares R. Alves com seu silêncio obsequioso. No imaginário dos líderes evangélicos brasileiros tudo que é made in USA só pode ser bom?

Damares R. Alves não proferiu uma fatwa evangélica contra O Rei Leão. Muito pelo contrário. Ninguém ficará surpreso se ela recomendar o filme para as meninas que não usam calcinhas e para os meninos que serão ensinados a caçar onças. A ministra da censura literária é capaz de se emocionar com a morte de Mufasa e aplaudir o assassinato do cacique de uma tribo que se opunha aos garimpeiros? A conferir.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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