Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O autodistanciamento irônico das fotos de casamento atuais

Cresce o número de divórcios no País, mas o mercado de casamentos é promissor com uma expectativa de movimentar 16 bilhões de reais em 2013. Como explicar o paradoxo de uma instituição que simbolicamente se esvazia diante de formas alternativas de relacionamentos afetivos, mas que economicamente cresce como mercado de consumo de bens e serviços? Talvez encontremos uma pista nas fotografias de casamento. Com a ajuda da Semiótica, podemos descobrir no sistema de significados dessas fotografias estratégias irônicas e de autodistanciamento que explicariam como noivos e familiares perpetuam uma instituição cada vez mais psiquicamente colocada em xeque.

Acompanhamos um curioso fenômeno próprio de uma sociedade midiatizada como a que vivemos: a sobrevida de instituições sociais tradicionais por meio de uma espécie de “autoconsciência irônica”. Instituições que foram esvaziadas simbolicamente em sua autoridade, legitimidade e significado (seja social, econômico, religioso, metafísico etc.) pelas transformações sócio-históricas, mas que permanecem como “instituições zumbis” que ganham uma sobrevida ao serem mercantilizadas e transformadas em células de consumo dentro do sistema econômico.

A família seria uma dessas instituições, como já vimos em postagens anteriores (veja links abaixo): a perda da autoridade paterna tem uma relação direta com a idealização da família perfeita presente nos comerciais de produtos matinais e de sabão em pó. Ao mesmo tempo, acompanhamos o cultivo de um autodistanciamento irônico através da crítica corrosiva em animações como “Os Simpsons” ou “The Family Guy” onde pais e filhos riem de si mesmos.

“The Family Guy”: autodistanciamento irônico 
necessário para suportar a instituição Família

Outro caso exemplar é a da instituição do Casamento. Muito se fala, escreve-se e pesquisa-se sobre o seu esvaziamento simbólico e crise diante de formas alternativas de relacionamentos afetivos (relacionamentos abertos, poligamia, poliandria, monogamia sequencial, casamento sartreano etc.), mas o fato é que o casamento tradicional mantém-se e, pelo menos, economicamente se fortalece: mais de um milhão de casamentos são feitos por ano no Brasil, com uma expectativa de movimentação nesse mercado de 16 bilhões de reais em 2013, 8% a mais do que no ano passado.

Paradoxalmente, cresce o número de divórcios no País: segundo dados do IBGE, em 2011 o número de divórcios atingiu seu maior valor desde 1984 – 2,6 por mil habitantes, totalizando 300.000 divórcios. Isso sem falar que esses mesmos dados apontam que 80% dos entrevistados se declaram decepcionados com o casamento e 20% apenas “toleram”.

Como explicar tão paradoxo ou sobrevivência de uma instituição que teria tudo para entrar em profunda crise? Talvez a Semiótica nos dê algumas pistas. Se toda produção cultural humana é um documento porque representa sintomas de uma determinada época, talvez as fotografias de casamento nos forneçam algumas respostas de como os indivíduos constroem significações recorrentes e padrões que apontem para estratégias simbólicas que ajudem a sobrevivência dessa instituição.

Como corpus de análise vamos pegar um conjunto de 136 fotografias de três álbuns de casamento.

Um sistema distintivo

Olhando a extensão dessas 136 fotografias e procurando nelas padrões e recorrências, podemos claramente perceber que elas se organizam dentro de um rígido sistema de distinções: Antes (Dia da Noiva)/Durante – A Cerimônia (Igreja)/Depois-Festa. Esse triplo recorte de significações pode ainda ser subdividido em classes de equivalência (≡) da maneira que se segue:

[Dia da Noiva ≡ Making of]; [Cerimônia ≡ Sagrado]; [Ao ar livre ≡ Natureza]; [Festa ≡ Profano]; [Bolo dos noivos ≡ autodistanciamento irônico].

Making of

Desde que o DVD se popularizou, o making of se tornou uma ferramenta promocional tão poderosa que, muitas vezes, é melhor do que o próprio filme. Se a força do cinema era a ilusão e a fantasia, com o making of a ilusão é desconstruída e a cenografia e efeitos especiais explicados didaticamente ao público, detalhes de produção, realização e repercussão.

making of dá uma relação de autodistanciamento diante do filme, como se o custo dos efeitos e o grau de dificuldade da produção valorizassem mais o filme do que a qualidade da própria história contada. O making of igualmente evolui nos vídeos e álbuns de fotografia de casamentos. Nessa classe de equivalência encontramos as noivas em spas e cabeleireiras, em três tipos de fotos: flagrantes (instantâneos com maquiadores, noiva imersa em banheira etc. – em geral em preto e branco ou sépia para dar um aspecto “documental”), posadas (noiva pronta posando antes de sair para a cerimônia, noiva posando com os cosméticos mais caros) e compostas (fotos simbólicas, com os anéis do casamento ao lado de cosméticos que produzirão a noiva, a grinalda dependurada em uma parede adornada, etc.).

A equivalência de significação é óbvia: demonstração do quão dispendiosa é a produção para valorizarmos o que veremos adiante. Assim como o making of do filme “Titanic” (por favor, sem trocadilhos com navios que afundam!) valoriza a narrativa com a demonstração dispêndio e complexidade da produção. Encontramos aqui a primeira evidência de esvaziamento simbólico do casamento: é como se o Dia da Noiva fosse uma estratégia de saturação sígnica para tentar preencher de significado o ritual do casamento, nem que seja por meio da demonstração de despesa, luxo e desperdício.

O Sagrado e a Natureza

Podemos considerar as classes de equivalência [Cerimônia ≡ Sagrado] e [Ao Ar Livre ≡ Natureza] o “recheio” de todo o sistema semiológico do Casamento por ser, por assim dizer, o “núcleo duro” das significações: estão nessas classes de frequência os simbolismos mais arquetípicos ou ancestrais que ainda subsistem na contemporaneidade.

Mas, como podemos perceber, também enfrentam um processo de esvaziamento para assumirem um aspecto semiótico menos “pesado”, mais light. Por exemplo, nas fotos dos noivos no altar há um forte contraste em relação a álbuns de casamentos antigos (quer dizer, dos anos 1970 para trás): o padre é colocado no mesmo nível dos noivos (diferente do passado, quase sempre em um patamar acima em púlpitos ou altares) e os enquadramentos não mais são em plano geral para posicionar os noivos diante da nave e altar com a totalidade dos ícones cristãos que, simbolicamente, legitimavam e dava sentido a toda a cerimônia. Agora os enquadramentos são mais fechados (close up, plano médio e planos detalhe), concentrados apenas nos noivos e o padre como um personagem periférico que apenas segura o microfone para os noivos fazerem seus votos.

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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