Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O Barão de Munchausen, reforma da Previdência e a lógica do refém, por Wilson Ferreira

Por Wilson Ferreira

O material de propaganda do PMDB cujo slogan é “Se Reforma da previdência não sair, tchau Bolsa Família, adeus Fies, sem novas estradas, acabam programas sociais”, mais do que desespero de um governo que corre contra o relógio (Lava Jato e Eleições 2018) revela a natureza do Estado contemporâneo: o terrorismo e a lógica do refém. Se antes o terrorismo era restrito a territórios como aeroportos e embaixadas, agora tornou-se prática de governo: todos nós somos reféns sob a estratégia da chantagem dos rombos e dívidas que se transforma na nova função do Estado. Lógica que se sustenta em um mito, assim como aquele que o Barão de Munchausen, no filme clássico de Terry Gilliam de 1988, destruiu: não existem exércitos turcos por trás dos muros que mantém a cidade submissa pelo medo e a ignorância.

Na última sequência do filme As Aventuras do Barão de Munchausen (1988), de Terry Gilliam, o herói Barão termina de contar suas histórias sobre como conseguiu derrotar o exército turco e salvar o dia. 

“Pare com essas idiotices! O Sr. está preso por espalhar histórias ridículas num momento de grande perigo quando o inimigo está às portas…”, ordena o prefeito que completa: “Sou ou não sou representante eleito do povo?”.

Supostamente a cidade está sitiada e os turcos estão diante da gigantesca porta da muralha. Mas o Barão grita: “Abram os portões, aproveitemos o dia… nada destrói mais um homem do que o medo e a submissão”. À frente, conduz a todos em direção da muralha da cidade para abrir os portões, sob a mira dos rifles da exército do prefeito. São tantos cidadãos que seguem o Barão, que nenhum soldado consegue atirar.

Os portões são abertos e tudo é revelado: o Barão dizia a verdade. O exército turco foi há muito tempo derrotado. O prefeito mantinha o mito do perigo turco para submeter a população através do medo e ignorância.

Nessa sequência que encerra as loucas histórias contadas pelo Barão de Munchausen está fantasticamente resumida uma prática de engenharia de percepção que é repetida ad infinitum pela propaganda política: a lógica da chantagem e do refém.

“Abram os portões!”

A chantagem e o refém

Para o pensador francês Jean Baudrillard (1929-2007), a chantagem e o refém são as figuras políticas de manipulação que representariam o estágio final da evolução do Estado: primeiro o Estado foi criado para gerir o exercício da liberdade; depois para suprir a necessidade de segurança; e agora, a prática institucional do terrorismo ao tomar com refém a população por meio da aposentadoria, seguridade e assistência social.

Porém, Baudrillard alerta: essa é uma estratégia fatal do “gênio maligno do social”. Ao contrários dos antigos terroristas de aeroportos e embaixadas que exigiam algo em troca para a libertação dos reféns, na atual forma fatal de terrorismo de Estado o governo não negocia a vítima – ela será imolada em um espetáculo midiático, assim como o são os reféns do Estado Islâmico, decapitados em série para as câmeras – leia BAUDRILLARD, Jean. As Estratégias Fatais, Rocco, 1996.

Para além da truculência e oportunismo do governo do desinterino Temer (que parece seguir à risca o conselho do publicitário Nizan Guanaes: “torne-se impopular, mas faça o necessário”), a peça publicitária do PMDB “Se a reforma da previdência não sair, tchau Bolsa Família, adeus Fies, sem novas estradas, acabam programas sociais” é uma fratura exposta reveladora da função terrorista do Estado atual.

 Se fosse apenas o desespero de um governo ilegítimo que corre contra o relógio (eleições 2018 e a espada da Operação Lava Jato sobre suas cabeças) para executar o serviço sujo, poderíamos acreditar que a restituição da Democracia resolveria tudo, recolocando a função do Estado como gestor do exercício da liberdade.

Porém, esse material publicitário não se restringe a uma legenda partidária. Criado pela agência Benjamin Digital, do marqueteiro Lula Guimarães (que comandou a campanha do tucano João Dória Jr. em São Paulo), foi uma iniciativa tomada pelo Palácio do Planalto – após estudos de inteligência de rede e monitoramento da Internet e diante da forte resistência no Congresso contra a reforma previdenciária, perceberam o predomínio da narrativa da oposição no debate virtual.

A ameaçadora peça publicitária segue a trilha de um debate iniciado em países laboratórios do chamado “Consenso de Washington” – Chile e Coréia do Sul nos anos 1990, cujos resultados foram catastróficos para a população: no Chile, média da aposentadoria reduzida à metade do salario mínimo e crescimento da desigualdade; e na Coréia do Sul o desmonte de um secular sistema previdenciário e o desmoronamento de um contrato social confuciano ao transformar idosos em não-pessoas – entre 2011 e 2015 cresceu em 56% as mortes de idosos abandonados pelas suas famílias.

A função terrorista do Estado

Por que o Estado evolui para a função terrorista? Antes mesmo que os neoliberais defendessem a necessidade de um “Estado mínimo”, ironicamente o Estado já foi minimizado com o esvaziamento do próprio Poder que  o reduziu historicamente, de topos da luta política para a produção de alguma finalidade social, em aparelho de gestão da reprodução macroeconômica, da reprodução da força de trabalho e consumo e do endividamento público .

Por isso o Estado evoluiu para uma cena (ou “obscena”) pior do que a da proibição, da censura e da repressão: a “obscena” da chantagem. Forma de dissuasão que é pior do que a sanção. Na (obs)cena da chantagem não se diz mais “não farás isso!”, mas agora “se não fizer isso…”. A eventualidade ameaçadora é mantida sob suspense. 

Na proibição ainda havia uma referencia, uma lei que poderia ser transgredida. No terror há suspensão – o refém não é um condenado. Ele está num estado entre vida e morte.

Jean Baudrillard: o terror da suspensão

Essa é a perfeita logica do terror: não há mais a violência da proibição, mas o terror da suspensão. 

Na peça de propaganda do PMDB sobre a reforma da previdência a conjunção subordinativa condicional “se” é seguida pelo terror contíguo do “tchau”, “adeus”, “sem” e “acabam” – em algum lugar não definido no tempo virá a catástrofe. Assim como dizia o prefeito da cidade cercada por muralhas no filme As Aventuras do Barão de Munchausen: se os portões forem abertos…

Chantagem e Transpolítica

A questão é que essa lógica obscena da chantagem não objetiva uma troca – um refém por um prisioneiro político. Como afirmava Baudrillard, a lógica da chantagem é transpolítica: não objetiva troca mas a execução exemplar do refém, sem negociações – apenas ostentação.

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

2 Comentários

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  1. Muito esclarecedor. Não é por

    Muito esclarecedor. Não é por outro motivo que os golpistas querem eliminar o ensino de filosofia. A população não conseguirá ver alem dos muros sem um sistema educacional transformador, libertador. por isso mesmo revolucionário.

  2. Excelente desconstrução da

    Excelente desconstrução da propaganda politica que toma os cidadãos enquanto refém. Nos estamos num impasse enorme. Como desalojar do poder esse governo? Por quanto tempo mais poderemos suporta-lo sem uma guerra civil ?

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