Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O “bug” da Microsoft e o mal

Como interpretar o “bug” fatal da atualização do Windows 7 que fez inúmeros computadores entrarem em looping sem conseguir iniciar o sistema operacional? Como explicar um erro em proporções exponenciais partindo de uma corporação como a Microsoft? Conspiração mercadológica para forçar a atualização para o até aqui fracasso de vendas do Windows 8? Simples erro de sintaxe algorítmica de alguma linha de comando? Talvez o “bug” revele algo que nos escapa, apesar de sentirmos os seus efeitos no dia-a-dia: o desenvolvimento tecnológico estaria se aproximando a um estágio tal de complexidade que criaria uma reversibilidade fatal e maléfica e, ao mesmo tempo, irônica: a “hipertelia”.

Fui mais um dos usuários vítimas da verdadeira bomba informática que foi a atualização “2823324” do Windows 7. Sem perceber, o Windows fez uma atualização automática que criou um “fatal system error” como sinistramente diagnosticou o próprio computador para mim. O sistema operacional não mais iniciava entrando em um looping, deixando-me em xeque diante dos prazos de entrega de artigos e modelos de provas para a Universidade onde leciono.

Segundo a própria Microsoft, a atualização combateria a uma vulnerabilidade na segurança do sistema que permitiria a um atacante ter acesso físico ao computador para explorá-lo. Mas, ironicamente, a atualização feita em nome da segurança realizou o sonho de qualquer hacker: produzir um efeito viral ou sistêmico e derrubar redes e computadores.

Para aprofundar ainda mais a ironia, de fato a atualização realmente deixou o computador mais seguro, mantendo-o incomunicável não só com a Internet (a fonte da ameaça) mas com o próprio usuário que não saberia que estaria sendo invadido. Cortou o mal pela raiz!

Essa situação de ironia surrealista lembrou-me a primeira sequência do filme “Team America – Detonando o Mundo”(Team America, 2004 – uma crítica corrosiva à amoralidade dos heróis norte-americanos – veja links e a sequência do filme abaixo) onde um grupo da chamada “Polícia Mundial” tenta parar a ação de terroristas muçulmanos em Paris com uma parafernália de mísseis, bazucas e metralhadoras. No final os franceses veem os terroristas mortos e a cidade destruída pela ação “preventiva”da Polícia Mundial: ironicamente os americanos fizeram aquilo que os terrorista planejaram, mandar Paris pelos ares!

Obesidade tecnológica: o estágio final 
da tecnologia
 

Para além de qualquer teoria conspiratória sobre esse bug da Microsoft que atingiu apenas versões em português do sistema operacional (a hipótese do “marketingbug”, plano para forçar a desinstalação de cópias piratas do Windows 7 no maior mercado pirata, o brasileiro), a ironia desse efeito surpreendentemente não previsto por uma gigantesca corporação remete a uma reflexão sobre algo que nos escapa, embora sintamos no dia-a-a-dia: o desenvolvimento teconológico chegaria a um estado de complexidade tal que inviabilizaria o seu próprio propósito, isto é, utilidade e função.

O pensador francês Jean Baudrillard chamava de “obesidade” esse estágio da complexidade tecnológico que revelaria uma reversibilidade fatal e perversa inata aos sistemas: a hipertelia.

vanish point tecnológico

Hipótese perturbadora: e se os sistemas de comunicação e informação  estiverem caminhando par um vanish point, um ponto de inversão e entropia? E se todos os sistemas estiverem entrando em um estágio de inversão da finalidade inicial tendendo a um ponto de inércia, a um ponto zero da informação?

Acredita-se que todos os processos desenvolvem-se até um certo ponto e que, sendo este ultrapassado, perdem sua eficácia e tornam-se absolutamente disfuncionais (…) o desenvolvimento da ciência, que até certo ponto foi impulsionado por toda a sociedade, recebeu fortes investimentos da indústria, dos governos e instituições sociais, esse mesmo desenvolvimento passou, a partir desse ponto de disfunção, a ser prejudicial para a sociedade, na medida em que põe em risco sua estabilidade e mesmo sua existência”(MARCONDES, Ciro. Televisão, São Paulo: Scipione, 1995, p. 58-9).

Hipertelia (de hiper – sobre, além, fora das medidas – e telos – resultado, final, conclusão) seria a natureza “maligna”ou “perversa” dos sistemas tecnológicos que chegam a um tal grau de complexidade que tornariam-se inúteis e inertes. Uma patafísica dos sistemas! 

Exemplos desse ponto de viragem nos sistemas tecnológicos podem ser encontrados por todos os lados.

Por exemplo, na Guerra do Golfo em 1991, o que podemos dizer do avião invisível aos radares que, de tão sofisticado e caro aos cofres públicos dos EUA, poucas vezes levantou vôo?

Ou os automóveis atuais, sofisticados, estáveis e velozes, vivem agora presos em congestionamentos. Resultado: os acessórios tomam conta das inovações tecnológicas, para que o motorista se sinta cada vez mais confortável parado em engarrafamentos do que em deslocamento. A complexidade do sistema viário inutiliza a sua própria função: o transporte.

Ironia dos sistemas: 
a proliferação
das patologias em ambientes
assépticos

Ou então o alcance do grau zero da informação televisiva: a expansão do número de canais em um aparelho de TV volta-se contra o próprio conteúdo. Diante de 300 canais, é impossível escolher qual assistir. Resultado: o efeito zapping, onde o divertido não assistir ao conteúdo, mas trocar compulsivamente de canais. A tecnologia televisiva volta-se contra o próprio valor de uso da informação.

Ou ainda a infecção hospitalar que surge, ironicamente, no ambiente mais asséptico e controlado possível: nas salas de operação a profilaxia é tal que embora nenhuma bactéria ou micróbio sobreviva, é justamente aí que surgem doenças misteriosas, anômalas e virais. Porque os virus se proliferam onde tem espaço livre. No mundo clínico ideal, de obesidade asséptica, é onde prolifera a patologia impalpável orginada da própria desinfecção!

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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