Como interpretar o “bug” fatal da atualização do Windows 7 que fez inúmeros computadores entrarem em looping sem conseguir iniciar o sistema operacional? Como explicar um erro em proporções exponenciais partindo de uma corporação como a Microsoft? Conspiração mercadológica para forçar a atualização para o até aqui fracasso de vendas do Windows 8? Simples erro de sintaxe algorítmica de alguma linha de comando? Talvez o “bug” revele algo que nos escapa, apesar de sentirmos os seus efeitos no dia-a-dia: o desenvolvimento tecnológico estaria se aproximando a um estágio tal de complexidade que criaria uma reversibilidade fatal e maléfica e, ao mesmo tempo, irônica: a “hipertelia”.
Fui mais um dos usuários vítimas da verdadeira bomba informática que foi a atualização “2823324” do Windows 7. Sem perceber, o Windows fez uma atualização automática que criou um “fatal system error” como sinistramente diagnosticou o próprio computador para mim. O sistema operacional não mais iniciava entrando em um looping, deixando-me em xeque diante dos prazos de entrega de artigos e modelos de provas para a Universidade onde leciono.
Segundo a própria Microsoft, a atualização combateria a uma vulnerabilidade na segurança do sistema que permitiria a um atacante ter acesso físico ao computador para explorá-lo. Mas, ironicamente, a atualização feita em nome da segurança realizou o sonho de qualquer hacker: produzir um efeito viral ou sistêmico e derrubar redes e computadores.
Para aprofundar ainda mais a ironia, de fato a atualização realmente deixou o computador mais seguro, mantendo-o incomunicável não só com a Internet (a fonte da ameaça) mas com o próprio usuário que não saberia que estaria sendo invadido. Cortou o mal pela raiz!
Essa situação de ironia surrealista lembrou-me a primeira sequência do filme “Team America – Detonando o Mundo”(Team America, 2004 – uma crítica corrosiva à amoralidade dos heróis norte-americanos – veja links e a sequência do filme abaixo) onde um grupo da chamada “Polícia Mundial” tenta parar a ação de terroristas muçulmanos em Paris com uma parafernália de mísseis, bazucas e metralhadoras. No final os franceses veem os terroristas mortos e a cidade destruída pela ação “preventiva”da Polícia Mundial: ironicamente os americanos fizeram aquilo que os terrorista planejaram, mandar Paris pelos ares!
Obesidade tecnológica: o estágio final |
Para além de qualquer teoria conspiratória sobre esse bug da Microsoft que atingiu apenas versões em português do sistema operacional (a hipótese do “marketingbug”, plano para forçar a desinstalação de cópias piratas do Windows 7 no maior mercado pirata, o brasileiro), a ironia desse efeito surpreendentemente não previsto por uma gigantesca corporação remete a uma reflexão sobre algo que nos escapa, embora sintamos no dia-a-a-dia: o desenvolvimento teconológico chegaria a um estado de complexidade tal que inviabilizaria o seu próprio propósito, isto é, utilidade e função.
O pensador francês Jean Baudrillard chamava de “obesidade” esse estágio da complexidade tecnológico que revelaria uma reversibilidade fatal e perversa inata aos sistemas: a hipertelia.
O vanish point tecnológico
Hipótese perturbadora: e se os sistemas de comunicação e informação estiverem caminhando par um vanish point, um ponto de inversão e entropia? E se todos os sistemas estiverem entrando em um estágio de inversão da finalidade inicial tendendo a um ponto de inércia, a um ponto zero da informação?
Acredita-se que todos os processos desenvolvem-se até um certo ponto e que, sendo este ultrapassado, perdem sua eficácia e tornam-se absolutamente disfuncionais (…) o desenvolvimento da ciência, que até certo ponto foi impulsionado por toda a sociedade, recebeu fortes investimentos da indústria, dos governos e instituições sociais, esse mesmo desenvolvimento passou, a partir desse ponto de disfunção, a ser prejudicial para a sociedade, na medida em que põe em risco sua estabilidade e mesmo sua existência”(MARCONDES, Ciro. Televisão, São Paulo: Scipione, 1995, p. 58-9).
Hipertelia (de hiper – sobre, além, fora das medidas – e telos – resultado, final, conclusão) seria a natureza “maligna”ou “perversa” dos sistemas tecnológicos que chegam a um tal grau de complexidade que tornariam-se inúteis e inertes. Uma patafísica dos sistemas!
Exemplos desse ponto de viragem nos sistemas tecnológicos podem ser encontrados por todos os lados.
Por exemplo, na Guerra do Golfo em 1991, o que podemos dizer do avião invisível aos radares que, de tão sofisticado e caro aos cofres públicos dos EUA, poucas vezes levantou vôo?
Ou os automóveis atuais, sofisticados, estáveis e velozes, vivem agora presos em congestionamentos. Resultado: os acessórios tomam conta das inovações tecnológicas, para que o motorista se sinta cada vez mais confortável parado em engarrafamentos do que em deslocamento. A complexidade do sistema viário inutiliza a sua própria função: o transporte.
Ironia dos sistemas: |
Ou então o alcance do grau zero da informação televisiva: a expansão do número de canais em um aparelho de TV volta-se contra o próprio conteúdo. Diante de 300 canais, é impossível escolher qual assistir. Resultado: o efeito zapping, onde o divertido não assistir ao conteúdo, mas trocar compulsivamente de canais. A tecnologia televisiva volta-se contra o próprio valor de uso da informação.
Ou ainda a infecção hospitalar que surge, ironicamente, no ambiente mais asséptico e controlado possível: nas salas de operação a profilaxia é tal que embora nenhuma bactéria ou micróbio sobreviva, é justamente aí que surgem doenças misteriosas, anômalas e virais. Porque os virus se proliferam onde tem espaço livre. No mundo clínico ideal, de obesidade asséptica, é onde prolifera a patologia impalpável orginada da própria desinfecção!
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