Fernando Horta
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O capitalismo da super-auto-exploração, por Fernando Horta

O capitalismo da super-auto-exploração, por Fernando Horta

Em 1916, Lênin descreveu uma “fase superior do capitalismo”, que seria a união do capital bancário com o industrial criando imensos grupos geradores de lucros em cima de todas e quaisquer atividades humanas. Lênin descreve o processo como parte de sua explicação para a primeira guerra mundial. Este capitalismo financeiro teria como característica a mitigação do risco e da concorrência. Não haveria mais o “livre mercado”, seja porque estas imensas reservas de capital dobravam os regimes tributários e legais dos Estados, seja porque tais grupos teriam inúmeras ferramentas (dumpings, holdings, trustes e etc.) para acabarem com todos os concorrentes.

Lênin nomeou esta nova fase do capitalismo de “imperialismo”, onde o capital teria tamanha capacidade e poder que seria um erro imaginar que países que atingiram o “imperialismo” poderiam ser analisados pelas antigas ferramentas marxistas. Claro que a lógica marxista estava presente, a concentração de capital e a exploração são argumentos marxistas para explicar a principal engrenagem do sistema. Lênin, contudo, desnuda o fato de que dentro do capitalismo, os estágios de desenvolvimento eram dramaticamente diferentes. E, sendo diferentes, criavam relações políticas, sociais e mesmo econômicas que divergiam do modelo explicitado por Marx.

A partir das análises de Lênin, por exemplo, era possível perceber pontos de contato e interesses semelhantes entre países capitalistas periféricos (que eram explorados pelos imperialistas) e a URSS. Lênin cria colorações no capitalismo e no próprio proletariado, e, ainda que alguns vejam em Marx uma estrutura fluida e maleável (em oposição a um modelo duro dividido entre burguesia e proletariado), é indiscutível que Lênin operacionalizou muitas categorias de análise de Marx e Engels para os novos tempos do século XX.

Ocorre que o capitalismo, como já afirmava Schumpeter, é extremamente dinâmico e a capacidade humana de criar meios para continuar enriquecendo (e explorando) parece não ter fim. Nenhuma das ferramentas capitalistas atuais escapa da noção central de exploração. O capitalismo segue crescendo como Marx estabeleceu: explorando o homem e explorando o planeta de formas cada vez mais extremas. Vamos para o terceiro século de capitalismo e o planeta está já incapaz de sobreviver aos mecanismos de exploração. No mesmo tempo, o homem tornou-se cada vez mais escravo do trabalho – e não menos. Ao aumento da produção, pela incorporação de máquinas e toda sorte de tecnologias, não decorreu uma redução do tempo de trabalho. Marx continua sendo essencial.

Mas, se o capitalismo continua exploratório e continua fazendo isto em níveis insuportáveis, como a previsão marxista de revolta do proletariado não se verifica por todo o lado?

Uma das ferramentas de defesa do capitalismo, que visa obscurecer as relações de classe e o processo de exploração e acumulação, começou na década de setenta do século XX e tem se aprofundado no século XXI. Ao criar termos e condições formalmente diferentes para o trabalho, o capitalismo empreendeu uma cruzada contra as análises críticas que é tanto mais violenta quanto maior a crise que o sistema passa.

No final dos anos setenta, os processos de ISO e qualidade do trabalho tornavam os proletários apenas “colaboradores” e pela racionalização das atividades em todos os níveis afastavam as percepções críticas do sistema. A criação ideológica de “estratos” diferenciados da mão de obra, concorria com o processo de identificação social: ninguém mais quaria se ver como um reles proletário. Ao esconder as relações econômicas com canetas folhadas a ouro, uniformes, cessão de carros e outros benefícios, o capitalismo lutava diretamente contra a formação da consciência de classe. Contra a ideia de que a relação chave da economia é a exploração do trabalho pelo capital.

Diversas novas categorias foram sendo estudadas. Os “White collars”, os “blue collars”, o “precariado”, o “lumpem proletariado” e por aí afora. Ainda assim, até o final do século XX a relação de exploração era visível por entre os parcos prêmios de produção e os baixos percentuais de “divisão de lucros” que as empresas ofereciam como forma de mitigar a sensação de exploração. O fim da URSS permitiu o fortalecimento do “neoliberalismo”. Sem medo de revolução, sem um modelo a competir com o capitalista e sem um caminho claro de como superar o sistema, bastava que se atacassem os sindicatos, e se desconstruísse a noção de classe.

Aqui surge a ideia do “estado mínimo”. Um estado cuja única função é uma polícia fortemente armada para garantir a propriedade e uma diplomacia para oferecer relações internacionais ao capital. Todo o resto está fora do conceito dos neoliberais. Saúde, educação, emprego, ciência e etc. seriam coisas para o “mercado” já que a função do Estado seria apenas assegurar a propriedade por meio das leis cíveis e criminais.

Neste cenário de desindustrialização e hiperexploração o capitalismo criou uma nova forma de trabalho: a auto-super-exploração. Este sistema de extrair valor máximo de cada trabalhador, em rede e em larga escala começou nas antigas empresas de vendas como Amway, Mary Kai ou Herbalife. Milhões de pessoas eram obrigadas, de início, a comprarem “kits” para uso pessoal, já garantindo um mínimo de exploração que – por si só – mantinha o sistema de pirâmide funcionando. O “investimento” de cada um que se agregava na base era imediatamente transferido aos seus superiores terminando por promover uma imensa acumulação de capital na parte superior destas estruturas que devolvia aos estratos inferiores brindes e mais “treinamento” que, no fundo é apenas um condicionante ideológico.

Estes “investidores”, “donos do seu próprio negócio” e “futuros capitalistas de sucesso” eram constantemente bombardeados com histórias de conhecidos, vizinhos ou amigos que “deram certo” e ficaram “ricos” fazendo parecer que o caminho era possível. Na realidade a imensa maioria destas pessoas que “enriqueciam” eram apenas abastecidas com um pouco mais de dinheiro por um breve momento para que funcionassem exatamente como verificadores de legitimidade e veracidade da exploração. Elas mesmas só se sustentavam se seguiam buscando mais e mais explorados a se agregarem na base da pirâmide. Todos oferecendo seu tempo, seu trabalho e seus recursos (porque precisam comprar sempre um “mínimo”) em troca de um sonho, uma grande mentira.

Os estudos mostram que a sazonalidade desta oferta de trabalho na parte de baixo da pirâmide é de seis meses a um ano. O indivíduo se auto-explora em níveis quase insuportáveis para, findo este curto tempo, perceber que “não deu certo”. Contudo, o bombardeio ideológico (de coachs, palestras e cursos) é tão grande que o próprio explorado se convence que não enriqueceu por falhas pessoais. Neste processo, continua escondido a exploração do trabalho pelo capital e são raros os indivíduos que passam por esta experiência e percebem que estruturalmente ela é pensada para retirar valor de todos e repassar a um ou dois. Quase ninguém se percebe proletário explorado. A culpa é sempre do “governo” ou do “ambiente econômico não propício ao capitalismo”.

Diante do flagrante insucesso, o explorado só tem o caminho de aceitar-se incapaz ou ver no mundo todo uma grande “conspiração comunista” que não permite o capitalismo – e ele mesmo explorado – crescerem e se desenvolverem.

A mesma lógica atinge os “aplicativos” hoje. O Uber é uma imensa Amway, sem cara e mais rápida. Não importa as diferenças de custo do trabalho, o indivíduo é incentivado a se explorar por dez, doze horas ou mais para ganhar um mínimo suficiente para meramente pagar suas contas e sua comida. É o sonho do custo do trabalho igual somente ao custo de reprodução física dos indivíduos. Os lucros seguem para cima da pirâmide. Cada motorista de Uber não se vê um “proletário”, mas “um patrão de si mesmo” porque lhe parece que pode fazer seus horários e tem sua “liberdade”. A realidade é que o aplicativo – um entre tantos modelos de acumulação semelhante – lucra com a sazonalidade e o desespero dos trabalhadores. Usa de oferta de trabalho amador para baixar o valor da hora trabalhada (estudantes, por exemplo, oferecem-se no Uber para “ganhar um extra” apenas) e geram uma super-exploração em níveis internacionais, em rede e ininterrupta pois os custos do negócio correm quase na totalidade por conta do trabalhador (gasolina, manutenção, pintura, pneus e etc.)

A categoria dos caminhoneiros vive exatamente a mesma lógica, ainda que em menor escala. Donos das carretas, “pequenos empresários”, se jogam nas estradas por 24 horas sem parar para fazerem pouco mais de quatro mil reais por mês. Rejeitam sindicatos porque se acharem “pequenos empreendedores”, odeiam “comunistas” e adoram “coachs” de superação. Mantém-se dentro de uma esfera ideológica que simplesmente não consegue reconhecer seus inimigos ou quem, efetivamente, ganha com seu trabalho. O aumento da gasolina é culpa do “governo”, “dos impostos”, dos “sindicalistas” e dos “políticos”. Não dos investidores privados da Petrobrás que fizeram 113 aumentos em seis meses. A culpa não é dos movimentos internacionais de aumento e rebaixamento do preço do petróleo como arma geopolítica.

Estes proletários que se super-exploram foram ensinados que este é o “correto”. A forma justa de sobrevivência num mundo cão em que “vence” o mais forte. Eles não receberam ferramentas cognitivas para compreender que a exploração que fazem de si para pagarem os aplicativos, os empresários de transportes e todos os outros intermediários é parte do sistema. Se matarem os “corruptos”, outros “empresários” tomarão o lugar. Revigorando a exploração. Porque é dela que o sistema vive. Com ou sem corrupção. Com ou sem “imposto”. Com ou sem “estado”. Destas entidades a única que realmente não existe é o “livre mercado”. Não existia nem no tempo de Adam Smith e, como Lênin mostrou, não existia no século XX e nem no XXI.

O patrão de si mesmo só o é para com o chicote. Feitor de si, estes explorados que não se reconhecem obrigam-se a um regime de trabalho ultrajante sem compensação enquanto se convencem de que não enriquecem por uma conspiração comunista no mundo. Nem na ficção científica poderíamos ter imaginado tamanha alienação.

Fernando Horta

Somos pela educação. Somos pela democracia e mais importante Somos e sempre seremos Lula.

17 Comentários

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  1. Pensando de forma

    Pensando de forma maniqueista.

    Ou o marxismo está certo ou errado.

    Caso tenha razão, o capitalismo será superado, independentemente do nível de alienação que ele é capaz de produzir.

    Repare um detalhe. Não tem alienação no mundo capaz de fazer um caminhoeiro rodar com prejuízo.

    Logicamente que ele, como autônomo, tem uma margem a espremer que é o custo de seu trabalho. Porém, essa também tem um limite.

    Essa paralização é uma derrota do capitalismo internacional. Por mais que os caminhoneiros defendam “menos impostos”, “contra o comunismo”, “pela intervenção militar”, o que eles produziram, NA PRÁTICA (e é isso que importa numa análise marxista) foi uma derrota da política-econômica golpista (aliada ao grande capital e aos interesses internacionais).

    Em resumo, se Marx tem razão, não há alienção no mundo que consegue barrar a roda “material” – das relações sociais de produção – da história. Esta se move revolucionariamente, independentemente das vontades individuais dos seres humanos e de suas estratégias para tentar impedir esse tipo de movimento político-econômico-cultural.

    Enfim, a revolução da relação capitalista de exploração para construção de outra relação de exploração mais evoluida (como foi do escravismo para o feudalismo e deste para o capitalismo) é apenas uma questão de tempo. Não serão táticas capitalistas diversionistas que frearão a história, o problema é que ela não pode ser contada numa geração, mas em dezenas de gerações.

    Por outro lado, se o marxismo estiver equivocado, então, nem luta de classes existe.

  2. Esta análise está equivocada

    Toda esta análise se baseia no chamado marxismo tradicional ou marxismo operário. Esta teoria acredita que os trabalhadores farão a revolução que vai nos emancipar do capitalismo. O socialismo real, da URSS e da China se baseavam nesta leitura de Marx.

    Mas eles estão equivocados, pois o trabalho não pode emancipar a humanidade do capital, exatamente porque porque o capital é trabalho. Para nos emanciparmos do capital temos também que nos libertarmos do trabalho,

    A sociedade emancipada, portanto não será dominada pela classe trabalhadora, mas será caracterizada por uma sociedade sem trabalhadores. E o capitalismo está proporcionando meios técnicos para isto, o trabalho está ficando obsoleto e sendo substituído por máquinas, como Marx previa.

    Eis a raiz da criso capitalista. Se o trabalho está ficando obsoleto, é o próprio capital que também se torna disfuncional, pois o capital é acúmulo de trabalho (mais valia) na forma de valor, a verdadeira riqueza do capitalismo (que  não é riqueza material, mas abstrata, pois o valor não tem materialiade, é simplesmente tempo de trabalho acuulado).

    Portatno, qualquer projeto de revolução ou reforma que se baseie no trabalho (trabalhadores, operários, etc) fracassará como emancipção ou freio do capitalismo. Quando bem sucedido estes projetos podem, no máximo, democratizar o capital, como a social democracia europeia ou o socialismo real da URSS (na verdade, um capitalismo de estado).

    Mas hoje, com a crise generalizada do capital, por conta da substituição de trabalho humano por máquinas, não há possibiliade de reformas ou revoluções baseadas no trabalho: simplesmente não há capital (valor que se valoriza) disponível para todos, embora haja riqueza material mais que suficiente para toda a humanidade.

    O Brasil, assim como os demais países subdesenvolvidos, serão os primeiros a cair, pois estão mal posicionados no capitalismo global. A crise, porém, atingirá a todos, inclusive o centro do sistema (EUA, Europa e Japão).

    A saída é abandonar o capital/valor como riqueza e pensar numa forma de produzir riqeza material para o bem estar de todos. Para isto há que se abolir o trabalho e o valor e pensar numa outra forma de organizar a sociedade.

    Quem se interessar no asunto sugiro algumas leituras:

    “Tempo, trabalho e dominação social” de Moishe Postone

    “O colapso da modernização” de Robert Kurz

    Site da revista exit: http://obeco.planetaclix.pt/

    1. Desculpe, mas essa história

      Desculpe, mas essa história de que a automação irá diminuir o trabalho é uma ilusão.

      O que na realidade vemos é o contrário, cada vez mais automação e cada vez mais trabalho. Para se acreditar na tese de que a automação irá reduzir o trabalho, é necessário que a automatização do trabalho fosse algo global, mas isso não ocorre. O que temos hoje é um sistema de “neo-colonialismo industrial”, onde países não-industrializados fornecem matéria-prima para os industrializados (e assim, a aristocracia de 1º mundo fica satisfeita). O Brasil é um exemplo disso, fornecendo até petróleo para o exterior.

      A industrialização global nunca vai ocorrer, porque não serve aos interesses dos grandes monopólios (imagine, lidar com concorrência em todo o globo, seria quase um livre mercado…). Esse é um dos problemas da teoria comunista que pouco vejo sendo discutido: as maneiras que o capital, em toda a sua hipocrisia, cria mecanismos para prorrogar indefinidamente a libertação do proletariado. Já passou pela cabeça dos teóricos que o capitalismo pode se manter no poder e se reinventar (ele é especialista nisso) a cada vez, impedindo mudanças sociais pró-socialista toda vez que elas surjam? O fato do neo-liberalismo ter crescido nos anos 80 deveria servir de aviso.

      O que impede o capitalismo de se sabotar até o ponto certo, prejudicando a condição social do proletariado e permitindo mais um crescimento cíclico? Poderíamos viver até o fim dos tempos em ciclos de crescimento econômico e semi-colapso econômico… que aliás, veem ocorrendo a mais de um século, para alegria dos capitalistas que só enriquecem.

      E outra: por que se imagina que a automação não pode sofrer um colapso repentino e barrar o processo linear de por “fim ao trabalho”? O que impede que isso ocorra em algum momento?

      1. A automação diminui os postos de trabalho

        Na sociedade burguesa, a automação causa o desempego estrutural, isto é, ela reduz os postos de emprego ao mesmo tempo em que aumenta a massa de trabalho, a fim de compensar o número de trabalhadores desempregados.

        No Manifesto Comunista, Marx e Engels escreveram:

        “O trabalho dos proletários perdeu, com a extensão da maquinaria e a divisão do trabalho, todo o caráter autónomo e, portanto, todos os atrativos para os operários. Ele torna-se um mero acessório da máquina ao qual se exige apenas o manejo mais simples, mais monótono, mais fácil de aprender. Os custos que o operário ocasionam reduzem-se por isso quase só aos meios de vida de que carece para o seu sustento e para a reprodução da sua raça. O preço de uma mercadoria e, portanto, também do trabalho,  é, porém, igual aos seus custos de produção. Na mesma medida em que cresce a repugnância [causada] pelo trabalho decresce portanto o salário. Mais ainda: NA MESMA MEDIDA EM QUE AUMENTAM A MAQUINARIA E A DIVISÃO DO TRABALHO, NA MESMA MEDIDA SOBE TAMBÉM A MASSA DE TRABALHO, seja pelo acréscimo das horas de trabalho seja pelo acréscimo do trabalho exigido num tempo dado, pelo funcionamento acelerado das máquinas, etc.”

         

    2. Despeça o seu patrão, tal qual fez o Zeca Baleiro

      Eu Despedi O Meu Patrão

      (Zeca Baleiro)

      Eu despedi o meu patrão
      Desde o meu primeiro emprego
      Trabalho eu não quero não
      Eu pago pelo meu sossego.

      Ele roubava o que eu mais valia
      E eu não gosto de ladrão
      Ninguém pode pagar
      Nem pela VIDA MAIS VAZIA
      Eu despedi o meu patrão…

      Ele roubava o que eu mais valia
      E eu não gosto de ladrão
      Ninguém pode pagar
      Nem pela VIDA MAIS VADIA
      Eu despedi o meu patrão…
      Não acreditem!

      No primeiro mundo
      Não acreditem!
      No primeiro mundo
      Só acreditem!
      No seu próprio mundo
      Só acreditem!
      No seu próprio mundo…

      Seu próprio mundo
      É o verdadeiro
      Meu primeiro mundo
      Não!

      Mande embora
      Mande embora agora
      Mande embora
      Mande embora agora
      O seu patrão

      Ele não pode pagar
      O preço que vale
      A tua pobre vida
      Oh Meu!
      Oh Meu irmão!

      (Neste mundo é mais rico o que mais rapa:
      Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;
      Quem menos falar pode, mais increpa:
      Quem dinheiro tiver, pode ser Papa.)
       

  3. Tenho a leve impressão que

    Tenho a leve impressão que alguns comentaristas aqui não entenderam, talvez por nunca terem lido diretamente os textos de Marx, as noções de trabalho alienado, falsa consciência e o seu papel na dinâmica do capitalismo. Mas é só uma leve impressão…

  4. Pitaco
    Sobre os comentários do Wilton e do RPV, abaixo, eles são interessantes mas, em minha opinião, não invalidam a análise contida no artigo.

    Basicamente, trata-se da continuação da velha exploração do trabalho, em curso, tão bem e categoricamente apontada e definida por Marx.

    O que assistirmos é ao asselvajamento do mesmo capitalismo de sempre com suas feições atuais, enquanto existir trabalho alienado para ser explorado.

    1. Pois é… não vejo diferença

      Pois é… não vejo diferença entre, por exemplo, a pessoa colher feixes de trigo à mão ou usando uma colheitadeira se tanto a plantação quanto a comercialização são de propriedade de terceiros. E piora para o trabalhador quando a colheitadeira é sua e não dos donos ou acionistas da empresa. Máquinas automatizam processos e operar máquinas é trabalho.

      – “Ah, mas é fácil: basta tornar o trabalhador um acionista da empresa.”

      Piorou mais ainda. Não só agora o trabalhador arca com os custos da máquina em favor do dono da empresa como financia a empresa e fica exposto às decisões dos que concentram o lucro. Nada disso aumenta o poder do trabalhador. Pelo contrário, diminue. Exceto se o trabalhador se tornar dono da empresa, ele continuará sendo subtraído no resultado do que produz.

      A revolução virá a partir do momento em que o trabalhador desconsiderar o discurso de que o dono da empresa é seu líder, inclusive – ou principalmente – esse discurso introjetado em si mesmo, virar as costas para o patrão e encontrar alternativa para produção unindo-se a outros trabalhadores. Nesse momento os patrões tentarão submetê-lo através da força física, tentará sabotar a alternativa encontrada pelo trabalhador e até matá-lo. Nesse momento o trabalhador se defenderá e à alternativa que encontrou. E aí estará a revolução.

      1. Organização

        O caso do Uber, por exemplo, é paradigmático. Qualquer nerd de província seria capaz de criar um aplicativo similar, só que com os valores pagos pelos usuários sendo repassados 100% para os trabalhadores. Se os motoristas se unissem organizados, em cooperativas, por exemplo, seriam capazes de evitar com que a mais valia de seu trabalho fosse apropriada pelos proprietários daquela empresa multinacional estadunidense. O provável, então, seria que o Uber tentasse fazer “dumping” contra a concorrência igualitária e socialmente mais justa, mas essa já é outra história e seria balizada pela dialética histórica. Creio que projetos desse tipo deveriam ocupar os corações e as mentes de entidades como a Internacional Socialista, pelo potencial de contraposição ao atual capitalismo financeiro fim de linha em adiantado estágio de asselvajamento e a capacidade de sua replicação para outras áreas econômicas, ao mesmo tempo em que estaria se apropriando de forma socialmente inteligente dos recursos que a rede mundial de computadores e a teleinformática oferece.

      2. A Indiferença Lazzariana ao Trabalho Manual, Enfadonho

        “(…) As épocas de extrema opressão costumam ser também aquelas em que os grandes e nobres temas estão na ordem do dia. Em tais épocas, quando o espírito de sacrifício é exaltado ruidosamente, precisa o escritor de muita coragem para tratar de temas tão mesquinhos e tão baixos como a alimentação dos trabalhadores e o seu alojamento.

        QUANDO OS CAMPONESES SÃO COBERTOS DE HONRARIAS E APONTADOS COMO EXEMPLO, É CORAJOSO O EXCRITOR QUE FALA DA MAQUINARIA AGRÍCOLA E DOS PASTOS QUE ALIVIARIAM O TÃO EXALTADO TRABALHO DOS CAMPOS. Quando todos os altifalantes espalham aos quatro ventos que o ignorante vale mais do que o instruído, é preciso coragem para perguntar: vale mais porquê? Quando se fala de raças nobres e de raças inferiores, é corajoso o que pergunta se a fome, a ignorância e a guerra não produzem odiosas deformidades. É igualmente necessária coragem para se dizer a verdade a nosso próprio respeito, sobre os vencidos que somos. Muitos perseguidos perdem a faculdade de reconhecer as suas culpas. A perseguição parece-lhes uma monstruosa injustiça. Os perseguidores são maus, dado que perseguem, e eles, os perseguidos, são perseguidos por causa da sua virtude. Mas essa virtude foi esmagada, vencida, reduzida à impotência. Bem fraca virtude ela era! Má, inconsistente e pouco segura virtude, pois não é admissível aceitar a fraqueza da virtude como se aceita a humidade da chuva. É necessária coragem para dizer que os bons não foram vencidos por causa da sua virtude, mas antes por causa da sua fraqueza. A verdade deve ser mostrada na sua luta com a mentira e nunca apresentada como algo de sublime, de ambíguo e de geral; este estilo de falar dela convém justamente à mentira. Quando se afirma que alguém disse a verdade é porque houve outros, vários, muitos ou um só, que disseram outra coisa, mentiras ou generalidades, mas aquele disse a verdade, falou em algo de prático, concreto, impossível de negar, disse a única coisa que era preciso dizer. (…)”

        Bertolt Brecht, As Cinco Dificuldades para Escrever a Verdade

  5. Texto magnificamente sintético do espírito de nosso tempo.

     As condições vividas em nosso tempo, são dignas da mais distópica ficção científica.

    Em especial , os jovens, abraçaram a ideia de que são auto-suficientes e que podem dispensar ou mesmo cooperar para destruir o Estado através das mídias sociais de internet. Isso ajuda o sistema imperialista a enrraizar-se com mais força no solo da sociedade, sufocando-a.

     

    1. Brain wash

      Outro dia fui à formatura de uma escola secundária de alto desempenho aqui no país onde vivo.

      A oradora, estudante, discursou que aqueles jovens ansiavam à dádiva das ideias e não às ideologias, aos atos e não ao ativismo…

      Parece que a lavagem cerebral do mercado se impôs soberana sobre aquele discurso, uma espécie de ode dissimulada ao individualismo bom mocista.

      É como se, com a facilidade de um clique, como quem navega livre, leve e solto pela Internet, tudo fosse possível. Que uma grande “liberdade” autodeterminada misteriosamente separasse as ideias das ideologias e os atos de suas causas e consequências.

      Pelo menos de acordo com aquela moça, no momento, é assim que ela vê a criação de um mundo melhor no futuro.  Um reino de indivíduos instruídos, imbuídos de boas ideias, açoes e intenções.

      Foi quando lembrei do ditado russo: o caminho para o inferno está coberto de boas intenções.  

      1. Caramba, essa geração vai ser

        Caramba, essa geração vai ser ainda pior do que a minha (que já é exremamente individualista e alienada, diga-se de passagem).

        Mas enfim, temos que admitir que  os neo-liberais são extremamente competentes. Conseguiram ressurgir nos anos 80 como uma força implacável, dominando corações e mentes sem dó.

        Pessoalmente, tenho curiosidade de ver o que acontecerá com esses jovens quando descobrirem que boa vontade e trabalho de nada serve em um mundo destruído economica e ecologicamente. Bem, provavelmente vão culpar os “comunistas”.

  6. Os caminhoneiros autônomos e
    Os caminhoneiros autônomos e os ubers são semelhantes aos camponeses pobres os quais, como disse Lênin, são semiproletarios e semiburgueses. Por isso e por serem muito dispersos têm mais dificuldades de se conscientizarem.

    1. Entre Caminhoneiros não há solidariedade, só há concorrência

      Entre Caminhoneiros e Uberistas não há, em regra, solidariedade, só há concorrência. Solidariedade entre caminhoeiros é exceção, como neste momento. Depois, será cada um por si e Deus contra todos.

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