Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O cinema alquímico de Kaufman em “Sinédoque, Nova York”

O filme “Sinédoque, Nova York” (Synecdoche, New York, 2008) aprofunda ainda mais a simbologia alquímica dos trabalhos anteriores de Charlie Kaufman como roteirista. Se nos trabalhos anteriores Kaufman buscava inspiração nas fontes da psicanálise junguiana, nesse filme é explícita a aproximação com a metáfora alquímica de Jung para o processo de individuação humana. O filme narra a jornada do herói que busca a individuação numa cultura marcada pelo medo do anonimato e da insignificância do gesto individual. Através de uma verdadeira jornada alquímica de transformação busca a verdade numa sociedade inautêntica.

“Sinédoque, Nova York” é o primeiro filme como diretor de Charlie Kaufmann, roteirista de filmes anteriores como “Quero ser John Malkovich”(Being John Malkovich, 1999), “Adaptação” (Adaptation, 2002) e “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças”(Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004). Tal como nesses filmes extravagantemente conceituais, aqui, como diretor, Kaufmann tem a plena liberdade em desenvolver todos os simbolismos lançados nos trabalhos passados.

Os trabalhos de Kaufman como roteirista já transitavam por simbolismos de inspiração na mitologia gnóstica como a discussão da reencarnação como uma prisão para o espírito no cosmos físico em “Quero Ser John Malkovich” (veja links abaixo) e o indivíduo prisioneiro em um mundo mental cujas memórias são manipuladas por um Demiurgo tecnognóstico em “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças”.

Dessa vez, e com plena liberdade, Kaufman aprofunda ainda mais todos esses simbolismos ao empreender uma jornada alquímica no sentido dado pelo psicanalista Jung. Em entrevistas, Charlie Kaufman tem salientado que não pretende fazer filmes que tentam transpor para a tela as imagens dos sonhos, mas, ao contrário, explorar a vida interior dos protagonistas por meio de narrativas oníricas.  Em outras palavras, ele pretende transpor a narrativa onírica composta por metáforas e metonímias (condensações e deslocamentos, como dizia Freud) para a narrativa fílmica. Daí o nome do filme “Sinédoque” que é uma forma de linguagem metonímica como veremos adiante.

“Sinédoque, Nova York” trata de um protagonista que busca autenticidade em um mundo inautêntico. É um filme sobre o fracasso, sobre a luta de um protagonista para deixar a sua marca em um mundo cheio de pessoas que são mais talentosas, bonitas, glamorosas e desejáveis do que o resto de nós. A narrativa de Kaufman sobre os estágios de transformação psicológica do protagonista são claramente inspirados nos arquetípicos estados alquímicos de transformação da matéria (nigredo, rubedo e albedo). Se o diretor, desde os seus trabalhos como roteirista, bebia nas fontes da psicanálise gnóstica junguiana, nesse filme é explícita a aproximação com a metáfora alquímica de Jung para o processo de individuação humana.

O filme nos conta a estória de um diretor de teatro, Caden Cotard (Philip Seymour Hoffman) casado com uma talentosa pintora Adele (Catherine Keeler). Os dois moram em Nova York com sua filha de quatro anos Olive (Sadie Goldstein). Vivem uma vida envoltos em uma melancolia depressiva dentro de uma casa propositalmente de aparência frágil com cômodos pequenos e atmosfera opressiva. Visitam uma terapeuta de casais onde Adele confessa sua fantasia de que somente seria feliz se Caden morresse para, enfim, poder viver uma nova vida sem culpas.

A peça que Caden dirige se tranforma em sucesso, mas a sua vida cai em pedaços: Adele finalmente tem seu talento reconhecido e vai para Berlin levando sua filha Olive e uma amiga junkie. Só, hipocondríaco e com feridas que começam a surgir no seu corpo, Caden fica para trás. Enquanto isso, Adele e Olive transformam-se em estrelas na mídia alemã, líderes de tendências em moda e comportamento.

Até que um dia ele recebe pelo correio a notícia de que recebera o Prêmio da Fundação MacArthur (premiação em dinheiro para subvencionar trabalhos inovadores e criativos). Então decide trabalhar em uma produção teatral monumental. Diz para a terapeuta com uma sinceridade funesta que pretende criar “algo grande e verdadeiro, colocar o meu verdadeiro Eu em alguma coisa”

A gigantesca produção teatral de Cadem:

um laboratório alquímico

Dentro de armazém impossivelmente enorme pretende criar uma réplica exata do bairro em que mora em Nova York, dirigindo milhares de atores, orientando-os em separados para reproduzirem vinhetas realistas. Quer reproduzir na ficção teatral no interior de uma gigantesca cenografia a sua própria vida até que ficção e não-ficção se confundam. Como o mapa gigante do conto de Jorge Luis Borges “O Rigor da Ciência” (1935) onde a representação (o mapa) de tão minuciosa assume as dimensões da realidade a ponto de substituí-la.

Os Estados Alquímicos

O pesquisador Eric G.Wilson em seu livro “Secret Cinema: gnostic visions in film” desenvolve a noção de “cinema alquímico” dentro do conjunto de filmes hollywoodianos que se inspiram na mitologia gnóstica. Para ele, ao longo da sua história o cinema criou dois tipos de heróis: o “extrovertido” que tenta intervir e alterar o mundo exterior e o “introvertido” que através da contemplação cultiva valores internos. Diferente disso, o “cinema alquímico” pratica a “centroversão”: busca integrar o mundo interior e exterior através de um processo de transformação íntima através dos estados alquímicos de transformação da matéria.

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