Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O estilo “Welcome to Brazil” no filme “Boi Neon”, por Wilson Ferreira

Enquanto em 1979 o filme “Bye Bye Brasil”, de Cacá Diegues, era a despedida de toda uma geração para um País que não mais existiria graças a americanização trazida pela TV, no filme “Boi Neon” (2015), de Gabriel Mascaro, a geração atual declara: “Welcome to Brazil”. Não mais o Brasil da “Caravana Rolidei” cuja trupe visitava rincões de subdesenvolvimento, mas agora o Brasil de um road movie que circula nos bastidores dos agro shows do Nordeste – vaquejadas e leilões. A selvageria por trás do “mise en place” dos agronegócios é amenizada através dos signos do “rústico”, do “rural”, do “selvagem” padrão exportação. Desdobramento do chamado “cinema de retomada”, cujos diretores e produtores são egressos do mercado audiovisual publicitário e televisivo. “Boi Neon” é a história de um vaqueiro que tem um sonho: transformar-se em estilista de Moda.

Ao assistirmos ao filme brasileiro Boi Neon é impossível deixar de lembrar de outro filme brasileiro chamado Bye Bye Brasil (1979) de Cacá Diegues. O filme mostrava uma trupe de um circo itinerante que se despedia do velho Brasil substituído pela TV e modismo norte-americanos. Nesse filme, uma geração inteira se despedia de um País deixado para trás pelos aparelhos de TV sintonizados na Rede Globo.

Agora, com Boi Neon (2015) de Gabriel Mascaro é como se a geração atual dissesse: “Welcome to Brazil” – não mais o Brasil americanizado dos anos 1970 mas, bem diferente, uma cultura brasileira tipo exportação.

É comum ler na imprensa estrangeira como os filmes brasileiros atuais estão cada vez mais parecidos com os americanos, franceses ou mesmo tailandeses. Para críticos estrangeiros, parecem-se muitos pouco com uma certa ideia que fazem do Brasil, ainda do Cinema Novo dos anos 1960.

A onírica sequência no filme de um boi iluminado por neon em um espetáculo de vaquejada no interior qualquer do Nordeste dá a imagem exata da atual produção cultural brasileira: vaquejada, forró, samba, cinema etc. continuam existindo, mesmo após a invasão da cultura norte-americana mostrada por Bye Bye Brasil. Mas ela foi ressemantizada, isto é, foi reelaborada para se encaixar a uma linguagem internacionalizada, um marketing universal multiculturalista. 

Assim como o próprio filme Boi Neon: uma narrativa ao estilo road movie através da qual uma história rodada no interior do Nordeste torna-se atraente para o mercado internacional. Assim como o subgênero favela movie de filmes como Cidade Deus ou Cidade dos Homens mostrou a cultura marginal dos morros cariocas em uma linguagem a la Tarantino ou Guy Ritchie misturando comédia, o gênero policial e violência.

E, para completar essa ressemantização (ou ressignificação) para se adequar ao padrão internacional de linguagem dos mercados cinematográficos, temos também um olhar para a cultura nordestina das vaquejadas pelo viés ecologicamente correto – como se homem, animal e natureza estivessem perfeitamente fundidos em longas e tranquilas sequências de planos gerais. Uma terra suja, seca e rústica, mas esteticamente linda.

O Filme

Boi Neon não tem propriamente uma história. É um filme muito mais descritivo onde os personagens são o que são, não há um desenvolvimento ou um crescendo para um objetivo maior.

Conhecemos uma trupe de trabalhadores que atuam nos bastidores das vaquejadas preparando os bois para disputas e cavalos para leilões. Eles muitas vezes literalmente chafurdam nas fezes bovinas. Mas conhecemos o protagonista, Iremar (Juliano Cazarré), que apesar do cotidiano rústico tem o sonho de se tornar estilista de moda. Passa o seu tempo livre  desenhando vestidos sobre fotos de revistas de mulheres nuas, além de frequentar lixões para catar pedaços de bonecos para montar manequins.

Compõem o grupo itinerante a motorista do caminhão chamada Galega (Maeve Jinkings) que usa os vestidos de Iremar para fazer bicos de dançarina de boate; a sua filha Cacá (Alyne Santana), além de Zé (Carlos Pessoa) e Mário (Josinaldo Alves).  

Ao contrário da “Caravana Rolidei” de Bye Bye Brasil que rodava o Norte do País nas estradas enlameadas e rincões de pobreza e subdesenvolvimento, aqui em Boi Neon vemos os bastidores dos agronegócios e longas estradas asfaltadas passando por polos urbanos, industriais e shoppings do novo Nordeste brasileiro.

Inversão de papéis e de gêneros

É um mundo de repetições que se iguala a uma linha de montagem industrial: tocar o gado, abrir e fechar porteiras, derrubar as res, lavar animais, preparar cuidadosamente o rabo dos bois para as competições de vaquejada.

O diretor Gabriel Mascaro parece querer brincar com as inversões de papéis dos gêneros e com as expectativas do espectador. A figura apolínea e rústica de Iremar esconde um desejo reprimido de tornar-se um estilista. Galega, a única mulher do grupo, é quem dirige o caminhão.

Os potenciais vilões, os personagens ricos dos filmes e grande empresários de agronegócios, não são figuras maquiavélicas com seus pequenos poderes. Pelo contrário, parecem seres desapaixonados como fossem dominados pelos seus próprios negócios.

E a própria sexualidade de Iremar, o vaqueiro que gosta de estilismo (sugerindo homo-afetividade em um universo rural masculino) , que é mantida em suspense e só revelada no final do filme em uma longa sequência erótica.

Estilo “Welcome to Brazil”

Do início ao fim Boi Neon parece ser atravessado pelo estilo Welcome to Brazil, a construção imagética do País para Festivais e mercados no Exterior. 

Uma bela fotografia repleta de luz natural com planos abertos que raramente se aproximam dos personagens. Isso porque é insistente a necessidade de mostrar uma integração homens, animais e natureza: cavalos sendo lavados para depois vermos em um plano geral de vaqueiros nus tomando banho; a cena de sexo da Galega ao lado dos cavalos; os planos abertos figurando uma aparente harmonia entre autoestradas, instalações industriais e natureza.

Os bois jamais são maltratados, vemos apenas eles sendo derrubados nas corridas de vaquejada. “Veleu Boi!”, agradece o locutor a cada queda final do animal na areia. Os bastidores dos agro shows (vaquejadas e leilões) são de lirismo, beleza estética e harmonia homem-animal. Bem diferente da realidade.

Para ter melhor penetração no mercado internacional, produções audiovisuais brasileiras devem mostrar um Brasil “tipo exportação”: a cultura brasileira deve ser “multiculturalizada”, ou seja, filtrada e traduzida pelos cânones do ecologicamente correto, de uma fotogenia e estilização que iconifique o Brasil para o mundo.

Vaqueiros e cowboys da Marlboro

A selvageria por trás do mise en place dos agronegócios é amenizada para se transformar na iconização do signo do “rústico”, do “rural”, do “selvagem”. 

Por isso, Boi Neon em tudo lembra o destino do cowboy após a globalização da marca Marlboro. Nas suas origens as imagens e símbolos das campanhas da Marlboro foram retiradas do imaginário rude e violento do “western” da cultura americana – paisagens hostis, homens fortes dominando a natureza, laçando e submetendo cavalos, bois etc. 

 
Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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