Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O estranho senso de justiça no filme “O Sacrifício do Cervo Sagrado”, por Wilson Ferreira

Por Wilson Ferreira

Os deuses exigem de nós sacrifícios para que provemos nossa devoção. Mas, e se for exigido um sacrifício pessoal a eles? Um cirurgião bem sucedido e respeitado parece pairar como um Deus sobre a vida e a morte, até que encontra com um garoto que o faz se confrontar com algum tipo de justiça cósmica, que exigirá dele o sacrifício de um membro da sua família. “O Sacrifício do Cervo Sagrado” (“The Killing of a Sacred Deer”, 2017), do diretor grego Yorgos Lanthimos (“The Lobster” e “Dente Canino”), segue a tendência atual de filmes estranhos dirigido por gregos que misturam horror, violência, amor e culpa em thrillers com situações bizarras. Aqui, Lanthimos lança seu olhar para os mundos assépticos dos hospitais e condomínios suburbanos que vendem para as massas as ilusões de controle patrocinado pela Ciência e racionalidade tecnológica. E, como em todos os filmes de Lanthimos, consegue extrair desses universos o estranho e o incontrolável.

Condomínios suburbanos norte-americanos já rendaram diversas estórias em filmes que se tornaram clássicos: Poltergeist, ET, Goonies, Veludo Azul, Edward Mãos de Tesoura, Beleza Americana, Donie Darko entre outros. Filmes cujas narrativas sempre confrontam o estilo conformista e asséptico da classe média com algum evento perturbador que vai quebrar uma suposta ordem: espíritos, aliens, submundo do crime, infidelidade etc.

E quando um diretor grego como Yorgos Lanthimos volta seu olhar para um subúrbio norte-americano, certamente teremos um filme estranho. Assim como os seus anteriores The Lobster (2015) e Dente Canino (2009). Principalmente porque os atuais diretores gregos como, por exemplo, Nikias Cryssos (Der Bunker, 2016) têm se especializado em narrativas com situações bizarras, com personagens totalmente incongruentes entre si no qual violência, amor, culpa, erotismo, misticismo e horror se misturam – espaços claustrofóbicos, famílias que se transformam em prisões ou antigas fábulas e mitologias atualizadas em contos atuais.

O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017) de Yorgos Lanthimo é mais um registro metafórico do diretor criando situações impossíveis para lançar luz sobre o bizarro e até sobrenatural que possa existir por baixo de ambientes controlados pela ordem familiar e científica. 

Um cardiologista e cirurgião bem sucedido, casado com uma linda esposa (também médica, oftalmologista) morando em uma grande casa de subúrbio com um casal de filhos em um cotidiano ordenado, asséptico, no qual cada membro familiar tem funções cotidianas bem ordenadas – regar as plantas e a grama, fazer as refeições etc. Uma ordem familiar na qual a ordem e assepsia hospitalar se confundem com os ambientes suaves em tons pastéis da confortável casa de subúrbio.

 

Como em um cotidiano ordenado como esse, por tamanha racionalidade, pode deixar emergir o Estranho, o Cármico e o Mal? Como  a Ciência pode gerar a própria presença do Mal, isto é, aquilo que irá desconstruir essa bolha de racionalidade que se materializa em casas de luxo de subúrbios? E como o Mal vive latente, no submundo dessa ordem, como uma espécie de inconsciente de culpa e vergonha.

O Filme

Collin Farrell mais uma vez se reúne com Lanthimos, dessa vez com uma interpretação mais densa e sombria. Ele interpreta o Dr. Steven Murphy, um cirurgião e cardiologista respeitado e bem sucedido. Ele parece ter conquistado tudo que uma vida bem sucedida poderia dar. Possui uma linda e cobiçada esposa, Anna (Nicole Kidman), uma médica oftalmologista.

Eles têm dois filhos: a jovem de 15 anos Kim (Raffey Cassidy) e o menino Bob (Sunny Suljic), às voltas com um intenso cronogramas de atividades da espaçosa casa sob as ordens dos pais Steve e Anna.

Steven faz amizade com um jovem de 16 anos chamado Martin (Barry Keoghan). Uma estranha amizade cuja história e motivações são vagas e os encontros são sempre furtivos nos quais Steven sempre dá pequenos presentes para o rapaz. Na medida em que o filme avança os espaços em branco daquela amizade serão preenchidos.

A certa altura Steve apresenta Martin para os seus colegas médicos do hospital como um amigo da sua filha interessado em conhecer a profissão da medicina. 

Aos poucos o jovem vai sendo introduzido na vida da família de Steve: torna-se amigos dos filhos e passa a ter um interesse romântico por Kim após um jantar para o qual foi convidado.

 

Mas em toda essa aparente normalidade em tons pastéis há algo de sombrio que muito lentamente vai emergindo na narrativa: o bom médico gosta de fazer sexo com sua esposa enquanto ela finge estar sob anestesia geral. Na verdade parece que todos estão sob algum tipo de anestesia enquanto executam mecanicamente seus papéis.

Repentinamente as pernas do filho Bob param de funcionar e não consegue mais sair da cama e nem se alimentar. Em pouco tempo, a irmã apresenta os mesmos sintomas. 

Martin revela a Steven o que está acontecendo: ele é o filho de um homem que morreu na mesa de operação há alguns anos, cujo culpado foi Steven. Por algum tipo de negligência médica que não está clara no início do filme. Talvez por culpa, o bom doutor quer manter-se perto do garoto. Porém, Martin será o agente de uma espécie de carma cósmico – se Steven levou seu pai, agora algum membro da sua família deve morrer. As escalas devem ser equilibradas. 

O médico tem duas opções: sacrificar um membro da família para acabar o pesadelo ou assistir o definhamento de todos pela paralisia, recusa de comer e, eventualmente, sangramentos pelos olhos. É justiça!

Como um homem de ciência que vê a vida em preto e branco, ele recusa a acreditar nessa justiça cármica. Steve se apega à racionalidade da ciência médica para encontrar um diagnóstico para o que ocorre com seus filhos. Forma-se uma junta médica, baterias de exames neurológicos são realizadas mas nada é descoberto. Minimamente aceitar que tudo o que ocorre é de natureza psicossomática, seria uma derrota para os médicos neurologistas. 

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

4 Comentários

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  1. Uma ordem familiar na qual a

    Uma ordem familiar na qual a ordem e assepsia hospitalar se confundem com os ambientes suaves em tons pastéis da confortável casa de subúrbio.

    Todo nazista adora uma assepsia….são por, natureza, perfeccionista ao extremo: basta olhar a mesa do escritório de um Temer: arrumadinha até dizer chega….aliás, eu nem poderia ter cidado esse nome, pois os nomes provocam o que simbolizam….nomes ruins você pode citar somente as iniciais + a vocação ou tipo de spin que ele é + a individualidade, ou seja, se individuo animal, humano, ou juridico…assim:FHC, spin governante, pertencente à raça humana…MT, spin governante, pertencente à raça humana 

     

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