Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O homem se tornará irrelevante diante de algoritmos e aplicativos?, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Em uma entrevista para a “Wired Magazine”, o historiador e escritor Yuval Harari alertou para o perigo da humanidade em pouco tempo se tornar “irrelevante” e “redundante” diante dos avanços da Inteligência Artificial. Dessa vez, não mais através das distopias como a do computador HAL 9000 que tenta matar a tripulação de uma nave no filme “2001” ou por replicantes que perseguem um policial no filme “Blade Runner”. Mas agora por meio dos aplicativos e algoritmos que “compreendem melhor nossos desejos e sentimentos do que nós mesmos”. Porém, o discurso de Harari atira no que vê e acerta no que não vê – só podemos achar que os algoritmos são realmente inteligentes se o próprio homem rebaixar ou tornar mais flexível o conceito de “inteligência”. A fala de Harari faz parte de uma nova narrativa publicitária das corporações tecnológicas: projetar para o futuro distopias que sempre fascinaram a humanidade por toda a História: ver a si própria substituída por duplos tecnológicos como reflexos em espelhos, fotografias, frankensteins, golens, robôs, replicantes e, agora, aplicativos.

Os anos 1990 foi a década da popularização da Internet, de livros didáticos como A Vida Digital do cientista Nicholas Negroponte que tentava esclarecer para os mortais como a passagem do átomo para o bit revolucionaria a cultura e a economia, e do messianismo empresarial de Bill Gates com o livro A Estrada do Futuro prevendo revoluções na educação e nos negócios com as redes multimídia.

Mas também foram anos das distopias que viam com desconfiança essa hegemonia digital: cyberpunks e tecnocríticos herdeiros das visões do livro Neuromancer de William Gibson nos anos 1980, cujo auge foi a trilogia Matrix – um pesadelo gnóstico na qual as máquinas transformaram a realidade em um deserto e os homens prisioneiros em uma realidade virtual, enquanto seus corpos têm a energia drenada pelas máquinas para manter a Matrix. 

Utopia e messianismo, até aqui, sempre foi a narrativa pela qual as corporações como Microsoft, Apple ou Oracle vendiam o futuro para os usuários. Mas as coisas estão mudando: no lugar está surgindo uma estranha distopia (um estilo apropriado dos tecno-críticos do passado) na qual autoabdicação humana  e messianismo religioso se misturam. O que resulta numa espécie de tecno realismo amargo sobre um futuro inevitável onde nos tornamos dependentes da tecnologia.

E por que? Porque os algoritmos se tornaram mais inteligentes do que nós. O homem deixou de ser o “mais sofisticado sistema de processamento de dados do Universo”, substituído por “algoritmos externos” em máquinas e aplicativos.

Essa é a visão de Yuval Harari em seu livro Homo Deus: A Brief History of Tomorrow (“Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã”) – para Harari, o homem estaria prestes a se tornar irrelevante. Mas o mundo melhorará. E por que? Porque o fator humano será eliminando com a Inteligência Artificial – carros automáticos e médicos de IA, por exemplo.

A entrevista abaixo foi concedida por Yuval Harari à Wired Magazine. Nas palavras de Harari podemos facilmente encontrar os elementos da nova religião promocional atual: a da autoabdicação humana (o rebaixamento da noção de inteligência, permitindo-nos humanizar máquinas e aplicativos), um dos aspectos do tecnognosticismo contemporâneo. Dessa vez, por trás da cultura dos aplicativos, redes sociais e smartphones.

Vamos à entrevista e depois esse humilde blogueiro irá tecer alguns breves comentários.

Yuval Harari

A Humanidade está próxima de se tornar irrelevante

Olivia Solon (Wired Magazine, 21/02/2017)

WIRED: Em seu livro, você prediz o surgimento de duas religiões completamente novas. Quais são elas?

HARARI: Tecno-humanismo almeja amplificar o poder dos humanos, criando ciborgues e conectando os humanos aos computadores, mas isto ainda vê os interesses e desejos humanos como sendo a mais alta autoridade no Universo.

Dataismo é um novo sistema ético que diz, sim, humanos eram especiais e importantes, porque até agora eles eram os sistemas de processamento de dados mais sofisticados do Universo, mas este não é mais o caso. O ponto da virada é quando você tem um algoritmo externo que compreende você – seus sentimentos, emoções, escolhas, desejos – melhor do que você mesmo os entende. Esse é o ponto quando há uma mudança que torna os humanos redundantes.

WIRED: Como assim?

HARARI: Tome por exemplo o Google Maps ou o Waze.  Por um lado eles amplificam a habilidade humana – você é capaz de alcançar seu destino mais rapidamente e com mais facilidade. Mas ao mesmo tempo, você está mudando a autoridade para o algoritmo, e perdendo sua habilidade de encontrar seu próprio caminho.

WIRED: O que isto significa para o Homo sapiens?

HARARI: Tornamo-nos menos importantes, talvez irrelevantes. Na era humanista, o valor de uma experiência veio de dentro de você mesmo. Na era Dataista, o significado é gerado pelo sistema externo de processamento de dados. Você vai a um restaurante japonês e pede um prato maravilhoso, e a coisa a ser feita é tirar uma foto com seu celular, colocá-la no Facebook, e ver quantas curtidas consegue.  Se você não compartilha suas experiências, elas não se tornam parte do sistema de processamento de dados, e elas não têm significado.

WIRED: A mudança para o Dataismo importa para a política?

HARARI: No Século XX, a politica era o campo de batalha entre as grandes visões sobre o futuro da humanidade.  As visões eram baseadas na Revolução Industrial e a grande questão era o que fazer com novas tecnologias como a eletricidade, os trens e o rádio. Seja lá o que for que você diz sobre personagens como Lenin e Hitler, você não pode acusá-los de falta de visão. Hoje, ninguém na política tem qualquer tipo de visão; a tecnologia está se movendo rápida demais e o sistema político é incapaz de fazer sentido disso.

WIRED: Quem pode fazer sentido disso?

HARARI: O único lugar que você escuta visões amplas sobre o futuro da humanidade é no Vale do Silício, de Elon Musk, Mark Zuckerberg. Pouquíssimas pessoas têm visões competitivas. O sistema política não está fazendo seu trabalho.

WIRED: Então, as empresa tecnológicas se tornam os novos imperadores, até mesmo deuses?

HARARI: Quando você fala sobre Deus e religião, no final é uma questão de autoridade. Qual é a mais alta fonte de autoridade que você procura quando tem um problema na sua vida?  Mil anos atrás você procuraria a igreja. Hoje, esperamos que os algoritmos nos forneçam a resposta – com quem ter um encontro, onde viver, como lidar com um problema econômico. Assim, mais e mais autoridade está indo para estas corporações.

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

14 Comentários

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  1. O homem tem se tornado supérfluo com o avanço da tecnologia

    Antes, eram necessários trocadores/cobradores nos transportes coletivos. Os Trocadores/Cobradores se tornaram supérfluos e foram parar na rua da amargura. Mas você ainda não viu nada. Espere a Revolução Industrial 4.0

    E não me venha com esse tal de captcha, cause I’m not a cyborg nem um robozinho.

    1. CAPTCHA

      Rui, os clicks do captcha são uma forma de captação de recursos na web. Assim como as visualizações no youtube geram renda aos postadores, os clicks no captcha também são capitalizados e viram valores. Clicando, você contribui e não é obrigado a ver o anúncio da empresa pagante.

      1. Muito obrigado pela informação, Amoraiza

        Isso é uma forma de expropriar a empresa pagante do anúncio, já que ela paga por um serviço que não é prestado. Eu sou a favor da expropriação dos expropriadores.

  2. A boneca inflável ( que até

    A boneca inflável ( que até um cara casou com ela) e o vibrador ,coisas do século passado,confirma o que vc diz.

    JÁ SOMOS algoritmos e irrelevantes.

    ”’HARARI: Quando você fala sobre Deus e religião, no final é uma questão de autoridade. Qual é a mais alta fonte de autoridade que você procura quando tem um problema na sua vida?  Mil anos atrás você procuraria a igreja. Hoje, esperamos que os algoritmos nos forneçam a resposta – com quem ter um encontro, onde viver, como lidar com um problema econômico. Assim, mais e mais autoridade está indo para estas corporações.”’

       Aí discordo.

    Porque o mundo pode acabar mas a fé continua,

    Pena que eu seja desprovido dela.

  3. Falta muito aos humanos
    Seja pela lente da ciencia ou da espiritualidade se tem em comum que a humanidade tem muito o que avançar.Se ainda não atingimos nossas capacidades plenas,fora a evolução natural a medida que desenvolvemos,aprimoramos uma capacidade outra deixa de ser importante,usada.Se coloca uma inteligencia artificial em superioridade contra um organismo criador mutante e em evolução,portanto não ha parametros para se basear nada apenas a presunção do hoje que somos limitados,acabados a que somos hoje.

  4. Mais um lunático em nome das

    Mais um lunático em nome das grandes corporações.

    Sou da área de Inteligência Artificial, atuando há pelo menos uns 14anos. Há um enorme exagero sobre a inteligência das máquinas. Houve um enorme exagero nos anos 80 e 90 sobre o que realmente podiam fazer os computadores. Nenhuma previsão se confirmou de máquinas verdadeiramente inteligentes.

    Ainda hoje, os computadores dependem do homem para tudo. A inteligência do google é um algoritmo pensado, desenvolvido e implementado por um grupo de homens. Uma elite? nem tanto, haja vista que os melhores softwares são desenvolvidos colaborativamente. No entanto, a apropriação e transformação disso em produto tem sido privilégio de um oligopólio. Tendo isso em mente, hoje vemos as gigantes de informática fazendo política, participando do Clube de Bildeberg, do Clube de Roma, do Council on Foreing Relations. Ou seja, fazendo política das antigas para justificar seu poder de influenciar.

    Outro erro é atribuir tudo à Inteligência Artificial. De repente tudo é IA. Do facebook a um simples Google Maps, do Uber a uma aplicativo de Dieta. Isso é falso e fantasioso.

    O que temos hoje no celular é uma muleta digital. As pessoas tem a ilusão que fazem parte do mundo, que estarão mais conectadas, que não estarão sozinhas quando compartilham suas bobagens diárias no cell. Em tempos de apatia política e de imbecilização digital, as redes sociais se tornaram o refúgio do cidadão comun. Mas entre ser uma muleta e se tornar uma nova religião, uma ideologia ou uma referência transcedental a distância é enorme e sua proposição uma afronta a inteligência humana.

    Essa fase de supervalorização dos aplicativos passará. O guri não será mais inteligente se começar a usar cell aos 2 anos. Pelo contrário, ele terá problemas de visão, de DORT e de cognição maiores no futuro.

    Aconselho aos pais a diminuir a exposição dos seus filhos aos eletrônicos, celulares, tablets e assemelhados. O que faz do guri mais esperto é correr na praia, escrever com lapís, pintar, desenhar, se sujar de lama, conversar com pessoas presencialmente … O resto é bla bla bla para vender produtos e ideias tolas para convercer você de que se tornar um escravo da tecnologia será o seu destino e não mais sua escolha.

      1. Acertou em cheio mesmo!

        A visao de praticamente todas as pessoas que eu conheco dos algoritmos eh estritamente utilitaria:  algoritmos sao ferramentas.  Instrumentos somente.

        Se sao instrumentos mais ou menos imateriais, nao ha diferenca nenhuma!  Continuam estritamente ferramentas.  Tomemos um exemplo:  eu acho um alilvio gigantesco colocar um endereco no GPS ou Drive do Google e ouvir o proprio tablet ou GPS me falar detalhadamente pra onde virar e pra onde ir.  Me da tempo de pensar em outras coisas.

        Como eu ja disse milhoes de vezes antes:  pensar eh tecnologia.  E eu preciso do meu pensar, especialmente porque o meu pensar nao eh mechanico, eh tecnico.  Eu NAO preciso de algoritmos pra me dizerem o que ja sei ou o que ja posso fazer, preciso deles pra substituir uma experiencia que nao tive antes, por exemplo, a de ir pra um certo endereco sem me preocupar com achar o tal endereco.

        Alguem em comentario um pouco acima menciona o “leve” problema da AI nao estar nem perto das emocoes humanas.  Nao, nao esta.  Nem vai estar tao cedo.  Eh outro departamento.

  5. Sócrates não deixou um só

    Sócrates não deixou um só texto escrito. Ele amava o conhecimento produzido através do diálogo. Não sabemos se Sócrates era ou não alfabetizado, mas podemos supor que ele sabia escrever.  Adulto, ele lutou na batalha de  Potideia, onde se distinguiu por bravura salvando a vida de Alcibíades. Portanto, podemos supor que ele recebeu a mesma educação que os outros atenienses e que ele tinha cabedal suficiente para se tornar soldado-cidadão adquirindo os apetrechos indispensáveis para lutar na falange ao lado dos iguais. 

    É impossível saber por que Sócrates rejeitou a escrita. Talvez ele tenha feito isto porque acreditava que a verdade era transitória ou, ainda, porque a escrita o isolaria dos seus iguais impedindo-o de construir um conhecimento que fosse socialmente compartilhado. Mas estas são apenas hipóteses.

    Dito isto, passo ao exame do tema proposto pelo autor. 

    A programação é uma linguagem especializada. Nem todos a conhecem. E aqueles que a conhecem não necessariamente são socráticos. Todavia, o fato deles se isolarem (ao produzir código fonte dos aplicativos) e de produzirem isolamento (entre aqueles que usarão os programas que eles criam) não acarretará necessariamente a irrelevância dos seres humanos. Afinal, eles continuarão interagindo com as outras pessoas no mundo real. 

    O virtual não é capaz de substituir o real assim como a escrita não foi capaz de desestimular o uso da fala. O “conheça-se a si mesmo” continuará a desempenhar papel importante nas vidas das pessoas, inclusive nas vidas daqueles que rejeitam a sociabilidade natural em favor da que é construída na internet.

    Gostamos ou não fomos condenados a aprender, a fazer conhecer e a exercitar o autoconhecimento por intermédio de interações sociais. Esta verdade socrática continuará válida enquanto os homens continuarem nascendo. Assim como não foi obliterada pela escrita ela não poderá ser destruída pela informática.  

  6. Hoje, esperamos que os algoritmos nos dê a resposta

    Nós esperamos do algoritmo a solução dos nossos problemas, mas nós também esperamos não só que os problemas mas também os algoritmos sejam criados por humanos.

    Ou um algoritmo poderia criar outro algoritmo?

    Não sei se foi sonho mas acho que ouvi dizer que não é mais possível clonar controle remoto de portões automáticos pois os algoritmos mudam continuamente.

  7. Não é a irrelevância do homem que preocupa

    O humano por si e pelo que faz, tornou=se desprezível.

    Vontade humana só preocupa quando entona ameaça . Do contrário,  nao se age mais a favor de 3°sem que exista um interesse do 1° e 2°..

    O problema está em a IA pensar sem a emoção dos humanos

    1. Não deu tempo de completar

      … e como não tem emoção, pode nos substituir com menos falhas.

      Esse negocio avançou tanto que já se é possível de saber o que o outro está pensando em tempo real, o que provavelmente trará uma grande vantagem competitiva no caso de uma guerra.

      imagina você poder ler os próximos passos dos seus adversários!

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