Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O monstro é o espelho da matrix humana em “A Forma da Água”, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Uma fábula romântica ao estilo a Bela e a Fera? Um libelo contra o racismo, a intolerância e a demonização do outro em plena Era Trump? “A Forma da Água” (“The Shape of Water”, 2017) de Guillermo del Toro, com 13 indicações ao Oscar, é tudo isso, mas vai muito além da estória de amor e de uma metáfora do contexto político atual. O “monstro”, um homem anfíbio capturado na Amazônia para servir de cobaia em um complexo científico-militar no auge da Guerra Fria, é o espelho da incomunicabilidade humana. Cada personagem vê na criatura o reflexo do seu drama interior – solidão, racismo, obsolescência etc. Preso nessa matrix de signos, o homem não consegue ver aquilo que está lá fora – outros seres que vivem em toda a sua especificidade e dignidade.

Embora cercado por diferentes formas de vida, tanto na Terra como no Universo (os diversos mundos, dimensões e formas de vida que fogem a nossa própria noção de “inteligência” ou “propósito”) o homem insiste em se considerar só. E até criou um Deus para se imaginar à imagem e semelhança dele. E ansioso, sai à procura de vidas que também tenham a imagem e semelhança humana.

Frustrado, transforma os outros seres e planetas em espelhos das suas próprias projeções psíquicas – carências, desejos, sonhos, medos etc. Do cãozinho doméstico às planícies de Marte, enxergamos neles o que queremos: o cãozinho é humanizado pelo dono com diferentes penduricalhos de pet shop; enquanto nas planícies marcianas enxergamos ruínas de templos e estátuas de alguma civilização “inteligente” que se extinguiu. 

Assim como a civilização humana, que, imaginamos, poderá um dia desaparecer assim como teria acontecido com uma suposta civilização marciana. Na solidão e indiferença do Universo. 

Muitos críticos definem o filme A Forma da Água (The Shape of Water, 2017) de Guillermo Del Toro (liderando a corrida ao Oscar, com 13 indicações) como uma estória de amor ao estilo A Bela e a Fera. Ou, para as críticas mais politizadas e combativas contra a Era Donald Trump, uma estória sobre racismo, intolerância e demonização do outro – a insensibilidade de negar dignidade a criaturas vivas. Assim como Trump faz com os imigrantes.

O filme fala de tudo isso, mas o tema mais profundo de Del Toro é a solidão que parece definir a condição humana. Lembrando o filme de James Whayle de 1935, A Noiva de Frankenstein quando o monstro fala tristemente: “Sozinho: ruim; amigo: bom”.

 

O Sonho Americano

Ambientado em 1962, no auge da tensão da Guerra Fria e início da corrida espacial, A Forma da Água é um filme sobre monstros de todos os tipos: além da criatura prisioneira numa instalação militar (uma homenagem ao clássico de terror B O Monstro da Lagoa Negra, 1954, principalmente na sequência final), comunistas, negros, mulheres e todos formas de demonização do outro inventadas pelo “sonho americano” de uma sociedade de consumo que naquele momento crescia – o marido proprietário de um Cadillac; e a dona de casa feliz, subserviente ao marido e cercada por modernos eletrodomésticos e filhos com os brinquedos mais caros.

Tudo gira em torno do monstro não apenas por uma questão narrativa: a criatura funciona como um espelho no qual cada personagem projeta e vê nele sua própria solidão. Na Amazônia, o monstro era tido como Deus pelos nativos. Capturado e levado para o centro da Guerra Fria (e da demonização política do outro) ele vira amante, aberração, cobaia na corrida espacial, cabeça de gado que precisa ser marcado etc.

Em muitos aspectos, A Forma da Água lembra o tema de Aventuras de Pi (2012) – coincidentemente tendo o elemento água como condutor da narrativa: o protagonista Pi descobre na solidão do oceano que o Universo é apenas o espelho dos nossos desejos e anseios – o tigre, o mar e o céu, seus únicos companheiros em um bote perdido em algum lugar do Pacífico – sobre o filme clique aqui

E não é mera coincidência. Afinal, a água pode ter qualquer forma que desejarmos.

 

O Filme

A narrativa acompanha a “princesa sem voz”, Elisa (Sally Hawkins), uma jovem muda que junto com sua amiga negra Zelda (Octavia Spencer) trabalham como funcionarias da limpeza nos túneis subterrâneos de um complexo científico-militar destinado a pesquisas espaciais – especificamente sobre as possibilidades da sobrevivência humana nas condições adversas do espaço. 

O chefe da segurança chamado Strickland (Michael Shannon) é um racista, psicótico e misógino cuja vida é guiada pela realização do sonho americano: ter um Cadillac, ter uma casa de subúrbio com uma esposa subserviente e que fique muda quando façam sexo. 

Sentindo-se só em sua rotina diária (toda manhã masturba-se na banheira, liga um temporizador para o ovo cozido ficar no ponto e não se atrasar para o trabalho), Elisa divide o apartamento com um velho desenhista (Giles – Richard Jenkins) que já teve seus bons tempos como ilustrador em agências de publicidade – agora, vê o seu trabalho desaparecer com o domínio das fotografias sobre as ilustrações publicitárias.

Em meio à paranoia com espionagem russa, chega ao complexo militar uma criatura capturada na Amazônia e que poderá ser uma preciosa cobaia em viagens espaciais, assim como foi a cadela Laika para os russos: um homem anfíbio, acorrentado em um tanque e ocasionalmente torturado por Strickland – ele simplesmente não se conforma em existir um “monstro” que não seja à imagem e semelhança de Deus. 

E ao longo do filme, vamos percebendo que ele trata de forma análoga tanto mulheres quanto negros.

 

Enquanto isso, Elisa é atraída pela criatura e começa uma campanha secreta para ganhar sua confiança: oferece seus ovos cozidos, ensina-lhe a linguagem dos sinais, além de levar um toca discos portátil para tocar discos de Benny Goodman. Elisa está apaixonada pelo monstro, por ver nele uma criatura tão solitária e incomunicável como ela. E prisioneiro no complexo militar, assim como ela na sua rotina do emprego.

Comunicação e simbologia das cores

Duas coisas chamam a atenção em A Forma da Água: primeiro, as sequências das primeiras tentativas de comunicação e posterior namoro entre o “monstro” e Elisa. Entre as melhores do cinema, lembrando o filme The Black Stallion (1979) quando o menino náufrago tenta domar um cavalo selvagem, quando as crianças tentam se comunicar com o ET no filme clássico de 1982 ou as sequências de comunicabilidade e namoro de uma viúva com um alienígena recém-chegado à Terra em Starman (1984).

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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