O movimento ocupe o São Benedito

Hoje seu Oscar Nassif faria cem anos.

No dia 23 de janeiro, por inspiração da prima Terezinha, haverá o “ocupe o São Benedito”. Armados de violões, cavaquinhos, bandolins, surdos e instrumentos de congadas, um exército de artistas da cidade invadiremos a praça para devolvê-la aos poçoscaldenses.

A ideia é convencer a Prefeitura a negociar com o bispo de Guaxupé – dono do pedaço – para devolver o largo aos poços caldenses, permitir que se transforme em um centro cultural, mesclando os novos artistas com a tradição dos congos e caiapós.

Hoje em dia, é um estacionamento infecto, alugado para o Departamento Municipal de Eletricidade e que, à noite, se transformou em um ponto de crack.

No início era um largo de terra com a Igrejinha no meio. Por fora, caiada de branco. Por dentro, com as pinturas de Pedro Zogbi, grande artista que correu a região, no início do século, pintando igrejas.

No início do século era lá que os congos se reuniam para seus ensaios para a festa em homenagem a São Benedito. Depois, a cidade foi crescendo, ocupando seu entorno. Mas ele permaneceu como um marco de resistência cultural.Todo mês de maio há a festa de São Benedito, com a apresentação dos congos e caiapós, barraquinhas, quermesses, correio elegante.

Em homenagem a ele batizei de “Menino de São Benedito” meu livro de crônicas, finalista do Premio Jabuti em 2003.

Nos anos 60, um pároco desinformado, o Cavour, mandou caiar as paredes internas da Igreja, em cima dos afrescos de Zogbi, e cobrir a parede externa com paralelepípedos. Depois, o largo São Benedito recebeu um muro de pedras, interrompendo seu declive. Mais tarde, calçamento. Nos últimos anos, um bispo insensível transformou o largo em estacionamento.

Sobre seu Oscar

Mas voltemos ao seu Oscar.

Nasceu em 13 de janeiro de 1916 em Rosário, província de Santa Fé, no mesmo ano e local que nasceram os músicos Gustavino, Ariel Ramirez e a deusa Libertad Lamarque.

Mas só nasceu. Pouco depois, meu avô Luiz mudou-se para Quilmes e instalou seu comércio em Buenos Aires, para ver se a esposa Carmen Abdalla Nassif se curava de uma tuberculose.

Não se curou. Morreu deixando o marido em depressão.

Acabou deixando tudo por lá e vindo para o Brasil, inicialmente para São João da Boa Vista e, depois, para Poços de Caldas.

Seu Oscar chegou em Poços com 10 anos. Na abalizada opinião de seu conterrâneo Lindolfo de Carvalho Dias, com 10 anos e um dia tornou-se mineiro. Quando vô Luiz começava a se estabelecer de novo, com alfaiataria e loja de roupas, como em Buenos Aires, um AVC derrubou-o. Novo ainda, seu Oscar passou a ser o sustentáculo da família. Depois adquiriu a farmácia do seu primeiro patrão, o grande farmacêutico e escritor Jurandir Ferreira. E trouxe um primo de sócio para poder completar o curso de farmácia em Ribeirão Preto.

É possível que tenham existido outros poçoscaldenses tão apaixonados pela cidade quanto seu Oscar. Mais, impossível.

Desde sempre, ensinou a todos a importância de se apropriarem da cidade, das ruas, das nossas ruas.

Quando comecei com Blog, ainda na UOL, recebi um e-mail de uma senhora, moradora na nossa rua Rio de Janeiro – que ligava o centro ao largo do São Benedito. Quando substituíram os paralelepípedos pelo asfalto, houve exagero de muitos motoristas subindo o quarteirão a plena velocidade.

Seu Oscar então juntou a criançada daquele quarteirão, explicou que a rua era deles e, por isso, tinham que trata-la com carinho. Juntos prepararam faixas orientando os motoristas a correrem menos. Sempre que um carro vinha em velocidade maior, os meninos corriam e esticavam as faixas.

O episódio aconteceu quando eu já estudava em São João da Boa Vista e não acompanhava mais o dia-a-dia da cidade.

Papai meteu-se em todas as iniciativas visando melhorar a cidade. Foi diretor de futebol da Associação Atlética Caldense, seu diretor de futebol por vinte anos. Era um jovem, ainda, quando chefiou a comitiva da Caldense que foi até São João da Boa Vista propor para o coronel Cristiano Osório de Oliveira a troca do terreno onde foram erguidos o estádio e o clube esportivo.

Em 1955, na condição de diretor da Caldense levou as propostas do nosso vizinho, seu Ferreira, de criar os Jogos Abertos de Poços.

Não apenas nos esportes. Foi associado de todos os clubes sociais, da Maçonaria ao Rotary. Foi tesoureiro da Santa Casa, diretor da LBA (Legião Brasileira de Assistência) e, principalmente, um incansável batalhador do papel do farmacêutico.

De um de seus grandes amigos, Antônio Cândido, fiquei sabendo da campanha que encetou com Aluizio Pimenta e Oliveiros Zeitune em favor dos remédios de manipulação.

A margem do farmacêutico era de 30% sobre o remédio industrializado. O freguês chegava com a receita e seu Oscar convencia-o a trocar por um remédio manipulado cujo preço final equivalia aos 30% do industrial.

Foi um dos fundadores do Conselho Federal de Farmácia, conselheiros suplente, presidente do Conselho Regional de Farmácia, subseção do sul de Minas.

Sempre gostou do jornalismo. Mesmo com sua farmácia, colaborava no Diário de Poços e era correspondente da Gazeta Esportiva. Com os contatos que mantinha com Carlos Joel Nelli, conseguiu que Poços abrigasse a concentração da seleção brasileira nos campeonatos históricos de 1958 e 1962.

Recentemente, o amigo historiador Hugo Pontes confirmou um boato que existia na cidade – e que era o tormento da minha mãe – acerca de um flerte entre seu Oscar e Libertad Lamarque, quando ela visitou a cidade nos anos 40, bem antes de ele conhecer dona Tereza.

O morro

O Morro do São Benedito foi o local onde as duas famílias – Nassif e Mesquita – construíram o ambiente mais agradável da cidade. Aprendemos a cultivar os vizinhos, do seu Oto e dona Margarida – casal de alemães que vieram de Colônia fugindo do nazismo – ao seu Alexandre Pagin e dona Nonda, da segunda geração de imigrantes italianos.

Nas nossas casas conviveram três gerações de músicos: os seresteiros do tio Leo, os bossanovistas da prima Rosa Maria, e os emepebezistas da nossa geração.

Em junho organizávamos fogueiras. E, em todo mês de maio, curtíamos a festa de São Benedito, bem em frente de casa, com quermesse, barraquinhas, leilões e, principalmente, com os congos e caiapós.

Durante o ano, o morro servia para nossas peladas, ao lado de amigos conguinhos, de amigos da Vila Nova e do bairro Aparecida.

Houve uma época em que tio Léo conseguiu com Fernando Alkimin – candidato a deputado e irmão de José Maria Alkimin – uma quadra esportiva para o São Benedito. Era um campo e equipamentos para futebol de salão, basquete e vôlei.

Não me lembro a razão de ter acabado. Enquanto durou, a molecada cuidou dele com o mesmo carinho com que cuidaram de suas escolas os maravilhosos estudantes paulistas.

 Um derrame pesado tirou a mobilidade de seu Oscar. Mas sempre que podia pedia para o trazermos a Poços.

Sua última viagem foi para que os filhos de seu melhos amigo, Chafik Frahya, lhe comunicasse pessoalmente seu falecimento.

Foi uma viagem dura. Subi pela serra de Andradas. E jamais esquecerei a imagem de papai quando a cidade apareceu no horizonte. Apenas balbuciou, com olhos marejados:

– Cidade querida!

É em homenagem a esse sentimento, que tentaremos sensibilizar o coração do bispo de Guaxupé, para que devolva a praça aos poçoscaldenses, não aos carros.

Luis Nassif

4 Comentários

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  1. Piracicaba – São Benedito

    http://www.aprovincia.com.br/bom-dia/roubaram-o-sao-benedito/

     

     

    ¨¨Há uma lenda que deveria preocupar políticos de hoje: a Igreja de São Benedito mata! A história tem mostrado que todos os que tentaram demolir ou prejudicar o São Benedito tiveram fins trágicos: Luciano Guidotti, que começou tudo e tentou demolir a igreja, morreu repentinamente; Salgot Castillon, que teve ideia semelhante, foi cassado em seus direitos políticos; Cássio Padovani, que retomou a ideia, morreu no cargo e, agora, até a morte de João Herrmann Neto é atribuída a esse mistério, havendo quem se lembre da indefinição do filho dele, Gustavo Herrmann, quando presidente da Câmara. O prefeito Adilson Maluf, que tem Benedito no nome, escapou da praga por, querendo também mexer naquele patrimônio, ter sido impedido por sua própria mãe, devota de São Benedito. Portanto, o prefeito Barjas Negri que se cuide: doente ele já está. Mexer com São Benedito é agravante.”

     

     

     

     

     

     

     

  2. Benedito e Bento.

     

    Por que São Benetido é bairro de pobres e São Bento é de ricos ?

    Parece que a origem é a mesma : “Benedictus”  (Latim vulgar). 

  3. O lugar onde eu fui batizado

    O lugar onde eu fui batizado e muito perto de onde meus pais moram hj em dia.

    Esse lugar sempre serviu de estacionamento desde que eu me lembre por gente principalmente na parte de cima.

    Acho eu que a situação piorou com o corte do morro  que enfeiou muito a região e fizeram com que os carros não passassem tão mais perto dos local. 

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