Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O pós-humano no filme “The Machine”, por Wilson Ferreira

Do mito do Golem do misticismo judaico, passando pelo robô Maria do clássico “Metrópolis” de 1927 até chegar ao computador HAL 9000 de “2001” de Kubrick, a Inteligência Artificial (IA) é vista como ameaça ou realização máxima do homem, mas nunca sua superação por supostamente faltar nela a essência da humanidade: a consciência ou alma. Mas o filme inglês “The Machine” (2013) insere a discussão da IA em outro patamar, desenvolvido no cinema desde os personagens dos replicantes de “Blade Runner” (1982) de Ridley Scott: o do “pós-humano”. “The Machine” acrescenta a essa novo enfoque da IA um componente místico que estaria motivando a agenda tecnocientífica atual: o tecnognosticismo – a ambição de nos livrarmos da carne e do orgânico através da transcendência espiritual possibilitada pela tecnologia. Encontrar a imortalidade da alma através de upload final para um banco de dados, “nuvem” de bits ou rede eletrônico-neuronal.

A Inteligência Artificial (IA) é um dos grandes arquétipos do imaginário contemporâneo, capaz de alimentar tanto as utopias mais luminosas quanto os maiores pesadelos distópicos da literatura e do cinema.

Herdeiro direto das mitologias do Golem (ser artificial associado ao misticismo judaico da Cabala, trazido à vida através de processos mágicos), dos homunculus da Alquimia e de Frankenstein (a criação da escritora Mary Shelley que materializou a advertência do pintor Goya de que o sono da Razão produz monstros), a evolução da ambição tecnocientífica pela Inteligência Artificial pode ser dividida em três etapas:

Primeira, representada pelo filme Metrópolis de Fritz Lang: através de uma estética cartesiana emblemática da vanguarda artística da primeira metade do século XX apresenta a personagem robótica Maria, comandada pelos malignos propósitos de uma elite que escraviza trabalhadores – mas também o símbolo da necessidade do homem comandar a máquina com o coração para mediar os conflitos entre a classe dominante e dominada. Em si a máquina é benéfica, bastando ao homem buscar não a Razão, mas a sua humanidade para controlá-la de forma sábia.

A segunda, marcada pelo filme 2001: Uma Odisséia no Espaço de Kubrick onde a máquina (o computador HAL 9000) adquire uma consciência tão racional e lógica que o próprio fator humano deve ser eliminado da nave Discovery como ameaça à missão – a lógica computadorizada torna-se uma ameaça pelo fato de sua inteligência lógica superior prescindir do juízo ético e moral humano.

E terceira e atual fase representada pelo filme The Machine: a IA é o “pós-humano”, versão 2.0 da humanidade, seu estágio superior na história evolutiva da espécie que superará todos os “ruídos” humanos como a política, diferenças ideológicas, guerras e violência. Fase com uma forte motivação mística onde a morte é um mero upload final para uma vida pós-morte eterna – a imortalidade em pastas e arquivos no ambiente incorpóreo dos dados digitais, longe da vida orgânica imperfeita e frágil.

O Filme

A narrativa inicia com uma locução em of que nos informa que o mundo vive uma nova Guerra Fria, dessa vez entre China e o Ocidente, e que resultou na recessão econômica mais profunda da História. Enquanto multidões inteiras estão passando fome, os governos investem grandes recursos em uma nova corrida armamentista focada no desenvolvimento de máquinas inteligentes cada vez mais potentes e mortíferas.

Em um centro subterrâneo de pesquisas tecnológicas militares no Reino Unido trabalha um gênio médico e cientista de computação chamado Vincent (Toby Stephens) cuja pesquisa inclui a reabilitação de soldados feridos por meio de implantes cerebrais e próteses. Isso ocasionalmente dá errado, como acompanhamos em uma sangrenta sequência inicial: soldados podem perder o controle e se voltarem contra os próprios militares.

Viúvo, Vincent não gosta de trabalhar para o Departamento de Defesa, mas mantém-se ali na esperança de que, através das pesquisas neurocientíficas, encontre uma cura para sua filha que sofre de um distúrbio neurológico chamado de “síndrome vermelha”. Vincent consegue grandes avanços em processos de escanemento do cérebro e a transposição dos processos mentais em diagramas digitais. Mas o seu superior Thomson (Denis Lawson) tem aplicações bem menos altruístas para as suas descobertas científicas: criar soldados híbridos cada vez mais mortíferos cuja consciência ou livre-arbítrio tenham sido localizados na mente e extirpados para ficarem totalmente sob controle militar.

Quando Vincent contrata uma nova e brilhante programadora chamada Ava (Caity Lotz), eles são atacados por um agente inimigo infiltrado, matando-a. Vincent já havia anteriormente escaneado a mente de Ava, transferindo todos os dados para o primeiro androide feito em laboratório chamado “The Machine”. O problema é que sempre que Vincent vira as costas para cuidar da sua filha, Thomson tenta programar o protótipo para que se transforme em um “pequeno anjo da morte e destruição”.

Cartografias da Mente

The Machine é mais um filme sintonizado com a atual agenda tecnocientífica para onde convergem as neurociências, ciências cognitivas, IA e ciências da computação: o esforço em realizar uma integral cartografia e topografia da mente. Desde Vanilla Sky (2001), passando por Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004), Sonhando Acordado (2007), Ciência dos Sonhos (2006), A Origem (2010) até chegarmos em Eva ( 2011) e o atual The Machine, o cinema expressa no plano ficcional esse esforço real de início de século em fazer um mapeamento completo da mente para a elaboração de uma simulação, um modelo computacional, uma interface gráfica não só para compreender a dinâmica dos processos mentais, mas principalmente manipulação e controle.

Corresponde a terceira e última fase da evolução do conceito de IA, só que dessa vez com um forte componente místico de transcendência. Ao contrário das fases anteriores, não se trata mais de criar máquinas que simulem a inteligência humana e que possam ser facilmente descobertas através do famoso Teste de Turing que é apresentado no filme – teste elaborado por Alan Turing em 1950 para determinar se as máquinas seriam capazes de pensar. Um julgador humano entra em uma conversa em linguagem natural para determinar o quanto as respostas de uma máquina podem se aproximar das de um ser humano.

Não se trataria mais de simulação ou imitação, mas de superação por meio da descoberta da consciência ou “alma” que estaria entre os dados de um sistema: como formula a Teoria do Caos, em dado momento um cenário caótico de informações com turbulências e instabilidades podem gerar uma massa crítica resultando num salto qualitativo. No caso da IA, o fenômeno da consciência.

Em The Machine, para o cientista Vincent seria a salvação da sua filha através da possibilidade de um upload da sua “alma” para uma base de dados. Para Thomson, a possibilidade de localizar a consciência para ser extirpada, transformando os soldados híbridos em perfeitas máquinas de matar sem culpa ou dilemas morais.

O “Pós-Humano”

Mas a narrativa do filme The Machine vai além dessas possibilidades de manipulação e controle, flertando com um forte elemento místico que secretamente motiva esse esforço neurocientífico na atual agenda científica: o tecnognosticismo – a ambição de nos livrarmos da carne e do orgânico (supostamente a fonte de erros e ruídos que produziriam todas as distorções humanas como guerras e violência) através da transcendência espiritual possibilitada pela tecnologia. Encontrar a imortalidade da alma no divino céu dos bancos de dados.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

2 Comentários

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  1. Mais um post sobre religião

    Impressionante como dão valor científico ao autor, que parece ser o criador do infeliz termo “bomba semiótica” – na prática a arte de procurar chifre em cabeça de cavalo. Um termo sobre o qual não encontrei referências em outros estudos mesmo em outros idiomas (embora possam existir).

    Sejamos sinceros: o autor é dono do site http://www.cinegnose.blogspot.com.br.

    Ele é um religioso da linha gnóstica, uma mistura pseudocientífica de Psicanálise vencida, Jung, Religião e Raul Seixas… No meio inclui indevidamente o estudo da semiótica que entra como Pilatos no Credo…

    …sem a excelente música de Raulzito!

    Ele acredita no Eon, no Demiugo como ser criador (mau), na serpente do Paraíso (como um ser bom) e em inúmeras lendas aqui colocadas com rebuscado texto de aparência científica.

    Entrem no site do autor – http://www.cinegnose.clogspot.com.br – e julguem por vocês mesmos.

    Trata-se de um pregador de religião  tentando se envernizar tecnologicamente, a ponto de criar mais um termo absurdo (como a “bomba semiótica”) chamado “tecnognose” – mistura de tecnologia com Idade Média. Um oportunismo de seita que tanta abraçar, como parte sua, a Ciência e os métodos científicos, os quais tanto rejeita, combinando-os com crendices arcaicas.

    Ciência-vodu, nada mais.

     

     

     

     

     

     

  2. Problema de roteiro sério

    Gostei do filme mas ele tem um problema de roteiro sério… o protagonista contrata a moça porque ela desenvolveu uma IA, e mapeia o cerébro dela para colocar na machine propriamente dita? E ignora a IA que ela desenvolveu? Estranho, nao?

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