O Schindler português, por Jota A. Botelho

A história do militar português que salvou mais de mil refugiados espanhóis do franquismo. Ficou reconhecido como o ‘Schindler de Raia’ perante a ferocidade do regime espanhol contra todos os que o confrontassem, muitos (pelo menos oito mil) tentaram a saída pelas fronteiras com Portugal. A maioria fugiu para a morte. Mas alguns se salvaram graças à desobediência do Tenente Antonio Augusto Seixas da Guarda Fiscal portuguesa.

Em 1936, o guarda fiscal, especialista em conflitos aduaneiros, não permitiu que vários grupos de espanhóis, num total de 1020, fossem devolvidos à Espanha, onde seriam fuzilados pelos responsáveis do golpe que viria a instaurar uma ditadura na Espanha. O governo português ordena que não se deixem passar mais refugiados, mas a nove de outubro de 1936, Antonio Augusto Seixas, comandante da Guarda Fiscal de Safara, decide não cumprir as ordens. Com a ajuda da população mais próxima, improvisa campos de refugiados na localidade de Barrancos, sem dar conhecimento às autoridades. O caso, considerado durante alguns anos inédito durante a Guerra Civil Espanhola, foi recordado quando passaram, atualmente, mais de 80 anos sobre o ato heroico do português que permitiu salvar mais de mil pessoas. Antonio Augusto Seixas também ficou conhecido como o ‘Anjo Português’, construindo assim uma das mais belas páginas da história portuguesa.



Antonio Augusto Seixas (1891-1958) – Arquivo Nacional em Portugal 

Antonio Augusto de Seixas Araújo nasceu em Montalegre (1891) e faleceu em Sines (1958). Fez carreira na Guarda Fiscal, em vários locais do País, do Minho ao Alentejo, com especial destaque para Barrancos onde a sua ação humanista se encontra sobejamente documentada. Em 1936, enquanto oficial da Guarda Fiscal, agindo de acordo com a sua consciência (“eu não sou fascista e nem sou de esquerda, mas vejo o que Franco vem fazendo é uma injustiça” – declarou o Tenente Seixas em sua defesa) contra as instruções das autoridades civis e militares portuguesas, protegeu e salvou da perseguição e do massacre das tropas franquistas, mais de mil cidadãos espanhóis que se refugiaram no território português, mais concretamente nas localidades de Russianas e Coitadinha, hoje conhecidas por “Campos de Refugiados de Barrancos”.

Nos anos conturbados de 1936 a 1939 da história de Espanha, quando o regime eleito democraticamente é derrubado por militares golpistas, com apoio dos partidos de direita, durante a sangrenta guerra civil, e à medida que as tropas espanholas revoltosas da chamada Coluna da Morte de Yagüe progrediam do sul para o norte ao longo da fronteira portuguesa, as populações das localidades ocupadas procuravam refúgio em Portugal, pondo-se a salvo de sevícias e execuções.

Os primeiros refugiados que afluíram a Barrancos foram os vizinhos de Encinasola, identificados em número de quatrocentos, sendo a primeira vaga constituída principalmente por mulheres e crianças. Segundo a memória local foram acolhidos por várias famílias barranquenhas, com as quais mantinham relações de amizade e de parentesco. Mas também interveio neste processo de hospitalidade o administrador do conselho de Barrancos, que se comprometeu junto do Governador Civil de Beja a alojar temporariamente os vizinhos de Encinasola.

A fronteira de Barrancos era vigiada desde agosto de 1936 por militares do Regimento da 17ª Infantaria de Beja, por forças da Guarda Nacional Republicana, por uma Brigada Móvel da (P.V.D.E) e por militares da Guarda Fiscal. O responsável pelo comando técnico das operações no terreno era o tenente Antonio Augusto de Seixas, comandante do Destacamento Fiscal de Safara. Esta responsabilidade comprova o poder da Guarda Fiscal na fronteira, apesar de contestado por outras organizações militares destacadas para esta “missão”.

Perseguições de toda a ordem desenrolavam-se na zona fronteiriça. Muitos eram mortos antes de passar a fronteira, outros eram detidos pelas autoridades portugueses e deportados para os seus adversários, devido à colaboração do governo de Salazar com os insurretos fascistas.

Neste contexto, a ação do Tenente Seixas evitou, em 1936, o massacre de mais de 1000 refugiados espanhóis pelas mãos dos seus perseguidores, ou destes em conluio com alguns militares portugueses, tendo organizado, mantido e ocultado um campo de refugiados com centenas de pessoas no lugar da Choça do Sardinheiro nas Russianas e mais de 600 pessoas no Resvaloso, na localidade da Coitadinha, ambas no município de Barrancos, evitando também que várias pessoas constantes de “listas negras”, políticos e intelectuais republicanos espanhóis, fossem encaminhados para Badajoz, onde seriam fuzilados.

O Tenente Seixas da Guarda Fiscal era comandante desta região de fronteira e as suas decisões de tolerância e humanidade para com os refugiados desagradavam aos comandos militares destacados para a zona e à polícia política PVDE/PIDE.

Em Outubro de 1936, depois de negociações com o governo republicano de Madrid, Salazar autorizou a repatriamento dos refugiados de Barrancos para a zona republicana da Espanha, em Tarragona, Catalunha. Durante o embarque no navio Nyassa, em Lisboa, descobriu-se que o número de refugiados de Barrancos, transportados em caminhões até Moura e dali em comboio até à capital portuguesa, era superior a 1020 pessoas ao inicialmente declarado de 616 refugiados. A atitude de rebeldia do Tenente Seixas, de proteger e acolher mais refugiados em Russianas e Coitadinha levou o governo português a acusa-lo de traição, tendo-o punido com prisão de 60 dias no Forte da Graça, em Elvas, e à posterior suspensão das suas funções, com transferência compulsiva para Sines, onde terminou a sua carreira.

Os Refugiados de Barrancos (Los Refugiados de Barrancos, 2009) está disponível no Youtube/Vimeo e em vários blogs e sites, razão pela qual inserimos aqui:

https://www.youtube.com/watch?v=mFEnf8F4_1U align:center
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# Outros documentários sobre o tema na RTPTv:
Aqui & Aqui
# Saiba mais:
Wikipédia/Jornal Povo de Barroso/Revista LaOcaLoca/Jornal Público/ElDiario.Es/Esquerda.Net/
Exposição Tenente Seixas – pdf/ 
# Vídeos:
Suite de Ideias/Estado de Barrancos
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Jota Botelho

3 Comentários

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  1. bom, muito bom!

    Não conhecia esta historia. Bom saber.

    Certamente outros portugueses fizeram o que puderam para ajudar refugiados. Herois anonimos.

    Mas a participação de Salazer neste episodio foi vergonhoso. Nos livros sobre Guerra civil de Espanha relatam que tropas franquistas utilizaram territorio portugues com o conhecimento de Salazar e 12 mil portugues se engajaram na luta ao lado dos franquistas (Batalhão(?) Viriato. Obviamente com o conhecimeto de Salazar.

    (PSNão lembro do nome exato das tropas portuguesas, mas lembro bem que usaram o nome do heroi Viriato.)

  2. Procurem por……..

       Aristides de Souza Mendes do Amaral e Abranches, um dos primeiros a ter arvores no Yad Vashem, responsavel por salvar mais de 10.000 judeus do Holocausto, e só reabilitado pelo governo portugues em 1986. 

    1. O Anjo do carimbo vermelho

      Trecho de Homo Deus:

       

      When the Nazis overran France in the spring of 1940, much of its Jewish population tried to escape thecountry. In order to cross the border south, they needed visas to Spain and Portugal, and tens of thousands ofJews, along with many other refugees, besieged the Portuguese consulate in Bordeaux in a desperate attempt toget the life-saving piece of paper. The Portuguese government forbade its consuls in France to issue visaswithout prior approval from the Foreign Ministry, but the consul in Bordeaux, Aristides de Sousa Mendes,decided to disregard the order, throwing to the wind a thirty-year diplomatic career. As Nazi tanks were closingin on Bordeaux, Sousa Mendes and his team worked around the clock for ten days and nights, barely stopping tosleep, just issuing visas and stamping pieces of paper. Sousa Mendes issued thousands of visas before collapsingfrom exhaustion.The Portuguese government – which had little desire to accept any of these refugees – sent agents to escortthe disobedient consul back home, and fired him from the foreign office. Yet officials who cared little for theplight of human beings nevertheless had deep respect for documents, and the visas Sousa Mendes issuedagainst orders were respected by French, Spanish and Portuguese bureaucrats alike, spiriting up to 30,000people out of the Nazi death trap. Sousa Mendes, armed with little more than a rubber stamp, was responsiblefor the largest rescue operation by a single individual during the Holocaust.

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