O sexo no cinema e a frigidez social

Da Obvious Mag

O poder metafórico do sexo no cinema

Por Sílvia Marques

A nossa sociedade esqueceu como se goza. A nossa sociedade só sabe fazer beicinhos pseudo eróticos em suas selfies, mas esqueceram o poder avassalador do encontro acidental, do amor visceral , menor e vital, que nos traga para os mistérios da vida, que nos arrasta para os abismos das emoções.

Cena do filme Último tango em Paris

Ainda se escandaliza ou se ofende com o filme Último tango em Paris quem desconhece ou por alguma razão quer ignorar o poder mágico que existe no acaso, no instintivo. Se não posso entender ou explicar racionalmente, critico furiosamente. É mais simples e eu saio melhor na foto social.

O cinema trabalha como ninguém o poder metafórico do sexo como força vital e propulsora de tudo que deve ser sacudido neste mundo de mesmices, lugares comuns, frases prontas, fórmulas fechadas e falsos moralismos.

O erotismo no cinema vai muito além do erotismo e sem querer fazer nenhum jogo de palavras , já fazendo, o sexo no cinema penetra profundamente na intimidade cotidiana, na falta de sentido de uma sociedade que cultua o corpo e nega o prazer. Que defende a liberdade de expressão ofensiva e cruel, mas nega a beleza da espontaneidade. Que se define como politicamente correta, mas que aceita numa boa uma série de injustiças contra os mais fracos, que se importa mais com a forma do que com o conteúdo, que delega uma importância descomunal à burocracia e privilegia os medíocres e tacanhos.

Não podemos falar palavrões em público, mas é totalmente natural passar indiferente por um mendigo na rua. Devemos oferecer o nosso sorriso mais politicamente correto ao nosso opressor para manter a ordem e o estabelecido, mas devemos calar o riso na boca.

Uma relação homoafetiva é o fim da picada. Tratar como um nada o parceiro do sexo oposto está super na moda como as dietas insanas que visam corpos perfeitos carregando almas vazias e mentes estúpidas.

A nossa sociedade esqueceu como se goza. A nossa sociedade só sabe fazer beicinhos pseudo eróticos em suas selfies, mas esqueceram o poder avassalador do encontro acidental, do amor visceral , menor e vital, que nos traga para os mistérios da vida, que nos arrasta para os abismos das emoções.

Até o torpor depois do sexo virou tema para selfies insípidas com gosto de verdura sem tempero e olhar de quem se nega a pensar. Se nega ou nem sabe como fazer isso…

Filmes eróticos como Último tango em Paris, Os sonhadores, A professora de piano, Menina bonita, Atame, Veludo azul, A teta e a lua , O império dos sentidos, Diabo no corpo, entre tantos outros, vieram para jogar em nossos rostos hipocritamente bem comportados que a sociedade prega uma rançosa moral em nome da ordem e das conveniências dos poderosos.

O sexo surge como metáfora de uma liberalização política, artística, educacional etc O sexo surge como um ícone de tudo que precisa ser revisto, repensado, reformulado.

O sexo surge como o grito do esmagado, daquele que quer berrar e protestar, mas que tem sua boca amordaçada e sua voz abafada enquanto quem detém o poder dança suas valsas de falso decoro.

O sexo surge como o lembrete de que a vida é muito mais complexa e intrincada do que nos ensinaram na aurora de nossa existência e que os conceitos de normalidade são bem questionáveis como tudo aquilo que é definido pelo poder.

Atame. Marina começa o filme atada por cordas e no final encontra-se atada pelo próprio desejo.

Veludo azul. Limites tênues entre a opressão e o desejo.

O império dos sentidos. Quando os limites entre o amor e o desejo se perdem.

Menina bonita. O que significa ser criança?

Cineastas célebres e polêmicos como Luis Buñuel, Pedro Almodóvar, David Lynch, Louis Malle, Marco Ferreri, Marco Bellocchio, Bernardo Bertolucci, Roman Polanski, entre outros, mostram e mostraram o poder do sexo como metáfora da necessidade de aceitar o inexplicável e a importância de revolucionar uma sociedade caquética.

Sílvia Marques

Paulistana, escritora, idealista, bacharel em Cinema, cinéfila, professora universitária com alma de aluna, doutora em Comunicação e Semiótica, autodidata na vida, filósofa de botequim, amante das artes , da boa mesa, dos vinhos, de papos loucos e ideias inusitadas. Serei uma atleta no dia em que levantamento de xícara de café se tornar modalidade esportiva. Sim, eu acredito realmente que um filme possa mudar a sua vida! Autora do blog Garota desbocada.

Redação

9 Comentários

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  1. um garoto normal

    Eu tinha 10 anos e meu irmão 18 anos na epoca.

    Ele já estava na faculdade e estudava em outra cidade.

    Nas ferias voltava pra casa. Descubri que trazia umas -Playboys de USA  e italia.

    Esperava a saida dele para encontrar os amigos e devoravas revistas.

    Não me tornei um tarado me tornei uma garoto normal, diria, saudavel. 

  2. O que surprendeu neste post

    O que surprendeu neste post foi perceber que o autor é mulher. Não vi no começo o nome e no fim do texto a supresa.

  3. Mais que um depoimento artístico, temos o depoimento
    sincero de uma grande mulher, que antes de mais nada repudia a dissimulação e as convenções que utilizam a falsa moral Vitoriana até os dias de hoje. Parabéns doutora Sílvia Marques esse texto é uma sacudida e tanto de jovialidade nos vetustos “cineastas e seus públicos”.

  4. Adorei

    Lindo e delicioso o texto. Precisamos de vozes como a sua pra resgatar a beleza primitiva da vida que escondemos debaixo do asfalto por tempo demais.

  5. Por onde passa o controle da sociedade?

    Pergunta difícil de responder. Mas diria que os quatro pulsões básicos são os suspeitos usuais.

    Por  meio deles cria-se o pessimismo individualista, base onde se constroi este controle.

    Uma vêz revelado o truque, acaba a mágica.

    O Sexo é um dos quatro, que opera de forma misteriosa trazendo a vida à Terra.

    Usado a milênios para criar o dinheiro e o sentimeno de pessimismo e impotência ao não possuí-lo, as artes cênicas e o Cinema em especial são à válvula de escape onde se sonha livre deste controle.

    Agora, cá entre nós, sem o controle social este mundo “civilizado” que usufruimos hoje, não existiria.

    Qual a evolução da humanidade?

     

  6. Tabus não são mesmo para serem questionados

    Mesmo assim me arrisco: mercantilizaram o amor, levaram o capitalismo neoliberal para a cama, aplicaram a obsolescência programada às relações pessoais, liquidificando-as, e… Opa! Mas eu não disse que ia falar de tabu?

    Ok, ok… reescreverei: mercantilizamos o amor, levamos o capitalismo neoliberal para a cama, aplicamos a obsolescência programada às relações pessoais, liquidificando-as.

  7. Reflexões promissoras… – Só a Mulher tem este poder imensuráve

    Ninguém nem mencionou que a nossa “realidade” está tomada pela “Cultura Machista” que é a verdadeira responsável por todo o tédio humanitário. Esta cultura é a mais opressora que qualquer outra e a mais depravada. É, de longe, a mais malígna de todas as doenças sociais. É, verdadeiramente,  a principal responsável por quase todos os desvios físicos, mentais e psíquicos não só nas Mulheres, mas verdadeiramente nos próprios homens que a criou e continuam cultivando-a ,irresponsavelmente. O nosso dramaturgo Nelson Rodrigues sempre diz: “…se os fatos provam tudo isso, pior para os fatos”.

     

     

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