Os 135 anos de Zequinha de Abreu

Por Mara L. Baraúna

José Gomes de Abreu (Santa Rita do Passa Quatro, SP, 19 de setembro de 1880 – São Paulo, SP, 22 de janeiro de 1935)

Zequinha era o primogênito dos oito filhos do boticário José Alacrino Ramiro de Abreu e Justina Gomes Leitão de Abreu. A mãe queria que ele fosse padre e o pai, que se formasse médico. Mas aos seis anos, ele já mostrava vocação musical, tirando melodias da flauta. Durante o curso primário organizou uma banda na escola, da qual era o regente. Com 10 anos, tocava requinta (instrumento de sopro menor e por isso mais agudo que o clarinete), flauta e clarinete na banda e ensaiava suas primeiras composições.        

Em 1894, entrou para o seminário episcopal, em São Paulo, onde estudou harmonia com o padre Juvenal Kelly. Dois anos depois, fugiu e retornou à Santa Rita do Passa Quatro para trabalhar na farmácia do pai e fundou a Orquestra Smart que realizava saraus, serestas, animava festas, bailes, casamentos, formaturas, batizados  e até acompanhava filmes mudos.

Em 1898, apresentando-se com sua orquestra num baile em Santa Cruz da Estrela, conheceu Durvalina Pires Brasil, de 14 anos, filha de Alfredo Américo Brasil e Lavínia Pires Brasil. Em 11 de maio de 1899, casaram-se. A noiva, muito jovem, era arteira, moleca, a tal ponto de no dia do casamento ter sido encontrada no alto de uma jabuticabeira. O casal viveu alguns meses no Distrito de Santa Cruz da Estrela, atual Jacerandi, próximo à Santa Rita. Com a ajuda do pai, instalaram uma farmácia e abriram uma escola primária, onde o casal lecionava.  

De volta à sua cidade, Zequinha montou uma banda, a Lyra Musical Santarritense e teve os cargos de secretário da Câmara Municipal e de escrevente da Coletoria Estadual. A exemplo de seu pai, também teve oito filhos, todos batizados com nomes começados com a letra D: Dalva, Durval, Demerval, Dinorah, Dayse, Doríval, Diva e Dirce. Ele aproveitou o nome da mulher, Durvalina e, como bom músico, o da nota que é o princípio de tudo, a Dó.

No final da década de 1910 compôs de improviso a valsa Branca, em homenagem a Branca Barreto, filha do chefe da estação ferroviária de sua cidade, tornando-se um clássico. Em 1917, durante um baile, apresentou um choro e ficou surpreso com a reação entusiasmada dos pares de dança. Batizou a música de Tico-Tico no Farelo mas, como já existia um choro com o mesmo nome na época (composto por Américo Jacomino), resolveu batizá-la Tico-Tico no Fubá. Seu título mais famoso ganhou letra de Eurico Barreiros em 1931. No mesmo ano foi gravado pela Orquestra Colbaz, do maestro Gaó e chegou a 100 mil cópias vendidas, número pela primeira vez atingido por nossa indústria fonográfica.

A música tornou-se uma das mais gravadas em todo o mundo e ficou mundialmente conhecida após participar da trilha sonora dos filmes norte americanos na década de 1940: A vida é uma dança, (1940, Dance, Girl, Dance, de Dorothy Arzner), Alô amigos (1942, Saludos Amigos, de Wilfred Jackson), A filha do Comandante (1943, Thousands Cheer, de George Sidney), Kansas City Kitty (1944, de Del Lord), Escola de sereias (1944, Bathing Beauty, de George Sidney), com destaque para Copacabana (1947, de Alfred E. Green), em versão interpretada por Carmen Miranda. Em 1987, a atriz Denise Dumont faz uma participação no filme A era do rádio (Radio Days, de Woody Alen), em número que dá clara referência a Carmen Miranda e Xavier Cougat no filme O Príncipe Encantado, de 1948.

Zequinha mudou-se para a capital paulista em setembro de 1920, logo após o falecimento do pai. Em São Paulo, seu ritmo de trabalho aumentou. Ele se apresentava no Bar Viaduto, na Confeitaria Seleta, em clubes, cabarés, dancings e festas. Seu piano, conjuntos e músicas eram muito requisitados. Incansável, ainda dava aulas de piano e aproveitava para vender as partituras de suas músicas nas casas que frequentava.

Em 1924, lançou o choro Sururu na cidade, que fez grande sucesso devido à forma bem-humorada na qual retratava os dias agitados da Revolução Paulista daquele ano.

Trabalhava também na Casa Beethoven, atraindo fregueses e curiosos que passavam na Rua Direita. Mostrava no piano os últimos lançamentos musicais. Foi lá que conheceu Vicente Vitale, com quem iniciaria uma grande amizade e uma ligação importante. Os irmãos Vitale ofereceram à Zequinha um contrato de exclusividade, com a obrigação de entregar uma música nova a cada mês em troca de um ordenado fixo. Além disso, os Vitales iniciavam uma editora musical que iria lançar vários de seus sucessos.

Para se ter uma ideia do quanto as partituras eram um bom negócio, basta verificar que, a partir da segunda década do século XX, o número de editoras em São Paulo aumentou significativamente. A cidade tinha, na primeira década, apenas cinco editoras. Em 1929, já existiam pelo menos trinta e cinco, só na capital. As partituras editadas eram o principal veículo de comunicação entre o compositor e seu público. Numa época em que a reprodução sonora mecânica engatinhava e o rádio estava apenas despontando, as editoras desempenhavam um papel importante para a divulgação do compositor.

Alguns aspectos demonstram as prováveis interferências da editora dos Irmãos Vitale na produção de Zequinha de Abreu. Talvez uma delas seja o fato de o compositor ter mudado sua aparência ao chegar em São Paulo. Em todas as fotos em que aparece, quando residente em sua cidade natal, o compositor está usando bigode. Na sua foto estampada na contracapa das partituras, Zequinha de Abreu está sem bigode. Como ele já contava com mais de quarenta anos de idade, pode ter sido uma sugestão dos editores para aparentar maior jovialidade.

Zequinha de Abreu dedicou a valsa Glorificação da beleza à Yolanda Pereira. A partitura tinha como dedicatória: À fascinante beleza da Senhorita Yolanda Pereira, Miss Universo de 1930

Em 1933 foi fundada a Banda Zequinha de Abreu, com 25 figurantes. Zequinha escreveu valsas, choros, maxixes, marchas, rancheiras, tangos, sambas, toadas sertanejas, fox-trote e ragtime.

Zequinha se vestia quase sempre de roupa escura e trazia na lapela a Lira, símbolo da música. Boêmio, bebia e fumava muito. Na boemia, fazia-se acompanhar dos filhos Durval e Dermeval, improvisando ao piano canções durante horas, com a cervejinha do lado. Escrevia música tão depressa como qualquer pessoa que sabia escrever ligeiro – dizia Hermes Vieira, seu amigo e letrista, que usava o pseudônimo de Naro Demóstenes. Ele não possuía ambição e sempre ajudava os amigos necessitados. Falava pouco, mas sorria bastante. Amava as festas e não dava valor ao dinheiro. Vaidoso, gostava de tingir os cabelos e pintar as unhas.

O compositor morreu em 22 de janeiro de 1935, de ataque cardíaco, aos 54 anos,  em São Paulo. No período em que viveu em São Paulo, de 1920 até a sua morte, gozou de grande prestígio entre os músicos paulistas e seu público.

A vida de Zequinha inspirou o filme Tico-tico no Fubá, dirigido por Adolfo Celi e Fernando de Barros, lançado em 1952, com Anselmo Duarte como o compositor, Tônia Carrero como Branca e Marisa Prado vivendo Durvalina.  O filme participou do Festival de Cannes de 1955.

O Museu Histórico e Pedagógico Zequinha de Abreu fica na antiga estação ferroviária do município. O espaço conta com material biográfico, discos, letras de musicas, móveis e instrumentos musicais que fizeram parte da história de Zequinha e de Santa Rita do Passa Quatro. A praça matriz de Santa Rita e uma rodovia que liga a cidade também têm o nome Zequinha de Abreu.

Em 1979, os pianistas Jacques Klein e Ezequiel Moreira lançaram pela gravadora Eldorado um LP com 12 canções de sua autoria.

Ayres da Cruz e Luiz Schiliro escreveram Zequinha de Abreu: vida artística e boêmia, 1950Maria Amália Corrêa Giffoni escreveu Zequinha de Abreu revisitado, 1986; Claudio Santo Pigoretti, A curiosa Laita e a sétima diminuta de Zequinha de Abreu; os Irmãos Vitale editaram O melhor de Zequinha de Abreu, um álbum com 25 músicas, com partituras para piano e canto, melodias e cifras do compositor.

Inaugurado em 19 de setembro de 2010, o mural Tributo à Zequinha de Abreu, está localizado na Praça Central que leva o nome do compositor santarritense.

O filme Só pelo amor vale a vida, 2014, direção de Carlo Mossy, com Leonardo Arena como Zequinha de Abreu e Rossana Ghessa no papel de Branca, é a segunda obra cinematográfica sobre o compositor.

A obra de Zequinha de Abreu está em domínio público desde 2006.

Fontes:

Acervo digital Zequinha de Abreu  

Catálogo de obras e partituras de Zequinha de Abreu (para baixar PDF) 

Zequinha de Abreu na Radio Batuta, por Carla Paes Leme 

Zequinha de Abreu no Dicionário Cravo Albin 

Zequinha de Abreu: significado das músicas compostas, por Osvaldo Lacerda e Tury Ventura          

Partituras impressas de música popular como documentos musicológicos: as edições de Zequinha de Abreu, por Ricardo Cardim  

Rádio Zequinha de Abreu 

O “Tico-tico no Fubá”, por Luís Nassif 

Três glórias da música brasileira, por Luiz Antonio de Almeida 

Turismo Paulista: o orgulho por Zequinha de Abreu  

 

 

 

 

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador