Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Pink Floyd: A “Bad Trip” da Cultura Psicodélica

Comparando  os dois momentos da banda Pink Floyd representados pelo filme “Pink Floyd The Wall” de Alan Parker e o documentário “The Pink Floyd and Syd Barrett Story” é flagrante o contraste entre o imaginário pulsante, enérgico e desafiador das origens da banda na era psicodélica e a narrativa amarga e pessimista da trilogia final (“Animals”, “The Wall” e “Final Cut”). A perda da dimensão épica do rock psicodélico, cujas armas eram o surrealismo e o “non sense”, derrotada pelo princípio de realidade: o indivíduo que, impotente, só lhe resta a vitimização, auto-indulgência e pena de si mesmo.

 

O filme “Pink Floyd The Wall” de Alan Parker está fazendo 30 anos. Embora o baixista e líder do Pink Floyd Roger Waters tenha ficado insatisfeito com essa adaptação cinematográfica do álbum duplo “The Wall” de 1979, o filme tornou-se um Cult, consenso de crítica entre os fãs da banda e críticos. A música “Another Brick in the Wall” virou um hino libertário e o solo de guitarra de Guilmour na lindamente triste “Confortably Numb” é até hoje arrepiante.

Mas depois de três décadas é necessário um olhar em perspectiva tanto para o filme como para o álbum. Principalmente depois de se assistir ao documentário inglês “The Pink Floyd and Syd Barrett Story” (2003), onde é contada a história de Syd Barrett, membro fundador da banda e protagonista indiscutível da cultura psicodélica. É interessante compreender as origens do Pink Floyd dentro do experimentalismo underground da cultura psicodélica na década de 1960 e como se tornou como banda de frente do rock progressivo e rotulado como “dinossauro” pela emergente cultura punk/new wave à época do lançamento tanto do álbum quanto do filme de Allan Parker.

“Pink Floyd The Wall” (1982)

Nessa revisão crítica vamos partir de três pressupostos que, veremos, estão interligados: primeiro, a crítica ao Estado Totalitário e às “instituições totais” como o Exército, a Educação e a Família presente no musical é ambígua sabendo-se que tanto o filme como o álbum tinham como pano de fundo a ascensão no Neoliberalismo no início da década de 1980: qualquer crítica ao Estado servia de munição ao projeto de “Estado Mínimo” das políticas privatistas.

Segundo, embora a ideia do álbum não seja essa, a narrativa do filme se baseia em um astro de rock chamado Floyd (Bob Geldof) que entra em colapso emocional em um quarto de hotel. Ele mergulha nas tristes memórias dos traumas da sua vida, com olhar fixo para a porta, convidando os espectadores a descobrir o que há por trás daquele olhar frio e do disfarce “nazista”. Cada lembrança será como um tijolo (a perda do pai na Segunda Guerra Mundial, a mãe superprotetora, a escola autoritária etc.) que formará no final o muro que o cerca, tornando-o frio e solitário.

Terceiro, é marcante como de uma cultura psicodélica marcada pelo tom épico, lúdico e de imaginação anárquica e libertária, após a saída de Syd Barrett da banda (teria entrado em um processo de deterioração mental agravado pelo uso de drogas) o Pink Floyd embarcou em uma viagem interior e autobiográfica (principalmente de Roger Waters) marcada por pesadelos, traumas e delírios. Da psicodélica utopia onde a fantasia e a imaginação teriam energia para se sobrepor ao princípio de realidade, à derrota do indivíduo diante do realismo das instituições totais, expressa por um discurso marcado pela vitimização e excesso de auto-indulgência.

A Cultura Psicodélica

Nos anos 60 a onda do estado alterado de consciência como forma de expansão mística, artística e intelectual da mente abalou toda a paisagem social. Milhões de estudantes, artistas e intelectuais, embasados na literatura beat de Kerouac e Ginsberg e no livro “As Portas de Percepção” (termo emprestado de William Blake) de Adous Huxley, foram levados pela esperança de que agentes químicos e drogas como o LSD poderiam abrir o cérebro mortal para um reino onde “tudo parece infinito”, nas palavras de Blake.

Se na Califórnia tínhamos uma cena hippie onde a cultura psicodélica e lisérgica estava fundamentada em velhas crenças comunais, esotéricas e religiosas (astrologia, tarô, magia, taoismo etc.) e o som baseado no blues amplificado, elétrico, gritante e sem polimento, na Londres onde o Pink Floyd dava os primeiros passos o psicodelismo tinha algumas características a mais: um mix de blues, com referências da “music hall”, guitarras overdrive e wah-wahs, feedbacks amplificados, experimentações dissonantes, e muitas referências literárias de Lewis Carroll. E o centro de tudo isso, a casa noturna UFO onde em 1966-67 a banda Pink Floyd realizou suas primeiras apresentações com Syd Barrett, compositor da maioria das músicas.

Experiências multi-sensoriais nos shows do
Pink Floyd no UFO Club em 1967

Na cena Londrina não existia “hippies”, mas “freaks” que se reuniam nas noites de sexta e sábado na UFO Club para as verdadeiras apresentações “multimídias”: performances do Pink Floyd combinadas com a projeção de filmes de vanguarda, show de luzes estroboscópicas, projeção de slides com imagens caleidoscópicas fractais, tudo projetado sobre as roupas de setim dos integrantes da banda para acentuar ainda mais o ofuscamento mesclado com o som de improviso e viajante.

Era como se a experiência multi-sensorial quisesse produzir estados alterados de consciência, como Alice caindo através do buraco do coelho. Não havia solos de guitarra, mas sons com ritmos hipnóticos produzidos por um isqueiro Zippo atritando o braço de uma guitarra Fender de Syd Barrett produzindo atmosferas acompanhadas por uma interminável linha de baixo. 

“Ligar-se, sintonizar-se, libertar-se”, era a palavra de ordem do papa do LSD, o psiquiatra norte-americano Thimothy Leary. Mas parece que toda uma geração não compreendeu a advertência feita por ele no livro “A Experiência Psicodélica – Um Manual Baseado no Livro Tibetano dos Mortos”: 

“a droga não produz a experiência transcedental. Ela apenas age como chave química – ela abre a mente, liberta o sistema nervoso de seus padrões e estruturas ordinários. A natureza da experiência depende quase inteiramente do arranjo e do cenário.” (LEARY, Thimothy. “The Psychedelic Experience: A Manual Based on the Tibetan Book of the Dead”. NY: Kensington Publishing Corp., 1995, p. 11).

Acreditando que nas drogas encontrariam o atalho para o Nirvana, a cultura psicodélica se esvaiu em overdoses, “bad trips” e pesadelos encontrados no mergulho no interior da própria inconsciência. No rescaldo dessa cultura, o psicodelismo dividiu-se em dois grupos bem definidos. Usando o jargão do pesquisador Umberto Eco, o primeiro grupo é o que poderíamos chamar de “integrados”: o “ligar-se e sintonizar-se” foi traduzido em termos de rede de computadores e cibernética. “O computador é o LSD do mundo dos negócios”, disse certa vez McLuhan. Os mais ilustres desenvolvedores de softwares do Vale do Silício foram hippies no estilo psicodélico e viram no ciberespaço a oportunidade da abertura espiritual da mente.

Do outro lado os “apocalípticos”: as drogas psicodélicas resultaram no mergulho solipsista para o interior da própria mente e o que encontraram não foi o “verdadeiro Eu”, mas pesadelos, esquizofrenia, alienação e paranoia. A tradução cultural foi a concepção da política como conspirações e os fatos como obscuros resultados de fabulações de sociedades secretas ou alienígenas “greys”. E a tradução estética pode ser encontrada, por exemplo, na banda Pink Floyd pós Syd Barrett: a recorrência dos temas da alienação e paranoia cujo ápice encontramos na trilogia dos álbuns “Animals”, “The Wall” e “Final Cut”.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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