Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
[email protected]

“Que Horas Ela Volta?” exibe luta de classes padrão exportação da Globo Filmes

por Wilson Ferreira

No Brasil, a crítica especializada sobre o filme “Que Horas Ela Volta?” fala em “crítica social contundente” e “olhar crítico à sociedade”. No Exterior as análises  são mais matizadas: “contradição entre novela e crítica social” e “mix de drama como elementos para agradar um grande público”. Um filme como “Que Horas Ela Volta?” é impossível de ser pensado dentro de uma tradicional análise de conteúdo. Ao contrário, deve ser analisado pelos seus aspectos de produção: de como um conteúdo potencialmente transgressor ou crítico pode ser diluído por meio do chamado “padrão globo de qualidade”- a maneira como joga com elementos cênicos, interpretativos e recursos técnicos como enquadramentos de câmera, timing, cor etc. E principalmente a contradição entre a sutileza que a diretora Anna Muylaert quis dar à narrativa e o “novelismo” imposto pela Globo Filmes para criar uma espécie de filme sobre luta de classes padrão exportação.

“Não tenho empregada porque não quero levar a luta de classes para dentro da minha casa”, disse certa vez a filósofa da USP Marilena Chauí. A permanência das relações escravista entre a Casa Grande e a Senzala na sociedade urbana com seus quartinhos de empregada e elevadores de serviço sempre foi um tema das esquerdas – a sociedade brasileira que, sob a fachada da cordialidade e miscigenações raciais, esconderia a realidade da luta de classes.

 Poderíamos considerar a co-produção da Globo Filmes em Que Horas Ela Volta? (com a global Regina Casé encarnando uma empregada doméstica dominada por relações invisíveis de segregação) uma surpreendente adesão da Globo a uma pauta politicamente de esquerda ou, no mínimo, progressista?

A Globo sempre soube para onde os ventos sopram. Quando a TV Globo, no processo de abertura política no início dos anos 1980, colocou no ar grandes produções como Morte e Vida SeverinaGrande Sertão Veredas (com temas que seriam proibidos na Ditadura Militar) e o sucesso de Roque Santeiro (novela censurada nos anos 1970), muitos críticos viram uma suposta simpatia por temas de crítica social na poderosa emissora.

Lá no passado tínhamos a mudança da conjuntura política. Hoje, a ameaça da Globo pelas tecnologias de convergência e das séries do Netflix. A Globo sabe que essas novas tecnologias disruptivas (por serem globalizantes e potencialmente inclusivas) criam uma cultura jovem altamente sensível a temas como racismo, preconceito e segregação.

Assim como nos anos 1980, também dessa vez muitos críticos estão vendo um conteúdo supreendentemente transgressor para uma produção associada a conservadora Organizações Globo como o filme Que Horas Ela Volta?: muitos falam em “crítica social forte e contundente”, “olhar crítico à sociedade” etc. 

Um pouco diferente da crítica brasileira tão assertiva e otimista, no exterior os críticos parecem ver algo mais matizado que parece escapar aos nossos analistas: Variety, Hollywood Reporter, The Guardian e New York Times falam que The Second Mother (título dado no mercado externo) é uma “agradável contradição entre novela e crítica social”, “filme ao mesmo tempo sério e divertido” e “um filme com um tema local mas com apelo universal” e “um mix de elementos dramáticos com uma sensibilidade que busca agradar o grande público”.

Crítica social confunde-se com análise fílmica

Se aqui os críticos parecem confundir a crítica social com análise fílmica e, por isso, querem enxergar num produto cinematográfico comercial uma “forte crítica social”, talvez mais isentos e longe do atual atmosfera política Fla X Flu brasileira os críticos estrangeiros conseguem analisar o filme como mais um produto comercial destinado à exportação.

Lá fora parece que a crítica percebe uma ambiguidade e polissemia próprios da linguagem de uma produtora e distribuidora que busca a exportação e o sucesso comercial. Presos que ainda estamos à tradicional análise de conteúdo, ao vermos um filme que nominalmente aborde temas que vão contra normas, valores ou morais vigentes, é imediatamente considerado um filme “contestador”.

Um filme como Que Horas Ela Volta? é impossível de ser pensado dentro de uma tradicional análise de conteúdo. Ao contrário, deve ser analisado pelos seus aspectos de produção: de como um conteúdo potencialmente transgressor ou crítico pode ser diluído por meio do chamado “padrão globo de qualidade”- a maneira como joga com elementos cênicos, interpretativos e recursos técnicos como enquadramentos de câmera, timing, cor etc.

O Filme

Regina Casé interpreta Val, uma mulher emocional e entusiástica que, após uma breve introdução, sabemos que ela é uma empregada doméstica que há mais de uma década  cozinha, lava e limpa a casa de uma rica família de São Paulo. E mais do que isso, Val tornou-se a referencia materna de Fabinho (Michel Joelsas), filhos dos pais ausentes Bárbara (Karina Telles) e Carlos (Lourenço Mutarelli) – ela uma estilista e trendsetter paulistana e ele um artista plástico que vive da renda da fortuna deixada pelo pai.

A rotina de Val, cega às pequenas segregações cotidianas impostas pelos patrões liberais que a consideram “parte da família”, é quebrada com a chegada da sua filha Jéssica (Camila Márdila) – Val a deixou no Nordeste ainda pequena e de São Paulo enviava dinheiro para custear sua criação. Aos 19 anos ela está determinada a fazer a Fuvest e entrar no curso de Arquitetura da USP.

Aos poucos cresce a indignação de Jéssica em relação ao estado de alienação da sua mãe, conformada com as “regras da casa” que a delimitam entre a cozinha e o minúsculo quarto de empregada. A tensão cresce com os questionamentos de Jéssica, mostrando os limites de uma família de classe média alta supostamente liberal.

Ambiguidade e polissemia

A ambiguidade entre o humor de situações e a crônica de drama social criou uma polissemia ideal pra produtos de exportação: para nós, o filme representa uma “crítica social” da ordem escravocrata ainda não superada; para os gringos, um drama familiar de pais ausentes e um filho que buscou uma “segunda mãe”.

Dessa forma, Que Horas Ela Volta? tem o “apelo universal” esperado pelos distribuidores internacionais: a velha fórmula do alívio cômico, representado pela protagonista Val, tal como previsto nas fórmulas de roteiristas como Syd Field ou Christopher Vogler. A verdadeira heroína é Jéssica, o polo da indignação que ameaça detonar uma luta de classes doméstica. Val é o alívio cômico que faz a plateia rir a cada chiste ou gíria nordestina. É o personagem picaresco que deve acompanhar o herói na sua jornada – deve fazer o herói retornar para a realidade, como acompanhamos no desfecho. Quebra da ordem e retorno à ordem; da luta de classes à reconstrução da ordem familiar.

A hegemonia de Val

Por isso essa centralidade, essa hegemonia de Val na narrativa. Essa excessiva hegemonia de um personagem produz uma das principais característica das telenovelas globais: o privilégio da fala, do diálogo verbal e das expressões.

O filme vive uma contradição entre os longos planos e enquadramentos assimétricos (que poderiam suscitar momentos de lirismo, de cenas não faladas e reflexivas) e a obsessão de se marcar ou de expressar nitidamente um fato pela palavra. Val é verborrágica e, por isso, a câmera concentra-se sempre nela em planos fechados (close up, big close up) no melhor estilo das telenovelas. A hegemonia do personagem e o individualismo esvaziam a suposta contundência da crítica – a câmera e a fala se concentram em Val, reforçando o alívio cômico.

 O melhor exemplo desse dispositivo fílmico foi acompanhado por esse humilde blogueiro em uma sessão popular do filme no CEU Butantã (complexos educacionais municipais) em São Paulo: a certa altura do filme, Jéssica e Fabinho vão prestar o vestibular da Fuvest. Ápice do drama social onde Jéssica prestaria vestibular após enfrentar todas as dificuldades sociais e emocionais, enquanto Fabinho, cercado de todas as facilidades materiais e geográficas, certamente sairia com vantagem.

>>>>>>>>>>Leia mais>>>>>

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

14 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Verdade, Wilson, como o jeito

    Verdade, Wilson, como o jeito de filmar pode fazer desmanchar o conteúdo. Quanto ao conteúdo, olha que o personagem do Mutarelli, o Carlos, é um vagabundo rentista… imagine se fosse proprietário de modo de produção, ou pior, gerentinho ou diretor de alguma empresa estrangeira.

    O amargor do remédio tem um efeito importante, ainda mais quando se fala em doença cultural. Edulcorou, perdeu a eficácia… Resultou num filme que parece feito por empregada doméstica e para empregada doméstica. A “viagem” coronelista da classe média pré-Lula, que se pretende VIP, não foi nem riscada. Inócuo, quase…

  2. A demonização do emprego de

    A demonização do emprego de empregada domestica se dá em um quadro de desemprego gerneralizado o que é uma ironia.

    Em milhões de familias a domestica é a unica fonte de renda e nesse momento a esquerdolandia intelectual pretende que não deveria existir domesticas de forma alguma. O “replacement”, a reposição da domestica se dá pelas faxineiras que trabalham por dia, um emprego muito mais estafante e precario do que a domestica de emprego fixo.

    A faxineira avulsa existe em todos os paises do mundo até nos mais ricos e civilizados. É para isso que essa campnha maluca leva a atual domestica de familia, pessoas que se incorporaram a nossas vidas, meus pais em 1967 foram até Caminha em Portugal para visitar dona Noemia minha babá que para lá voltou, a babá de minha esposa  esteve em casa de minha sogra por 41 anos, formou os dois filhos um engenheiro quimico e outra contadora, a babá de minha filha dona Zélia, portuguesa cuidou de minha filha do dia em que ela nasceu até o dia em que ela casou, foi madrinha de casamento da moça,

    queridissima, parte da familia, sua irmã até hoje nos visita. Essas pessoas se tornaram emblematicas para as familias, são parte delas, e ai vem a esquerdolandia falar da escravidão que existe em suas cartilhas marxistas mas é bom lembrar que Stalin tinha governanta e Fidel tem empregados domesticos.

    1. Pra verem como o mau caráter
      Pra verem como o mau caráter se esconde em uma retórica de respeito a direitos e valorização de pessoas… Exatamente como o autor da crítica ao filme se referiu a globo filmes e a temática abordada.
      Quer dizer que a “esquerdolândia” demoniza o emprego de empregada doméstica. Isso, provavelmente, vc deduziu a um governo de esquerda criar leis que regulamentam e garante direitos a esse tipo de emprego.
      Pois espero que a esquerdolandia continue demonizando(nos seus termos) todo tipo de emprego em que lado mais fraco econômicamente é explorado.
      Patético mas didático. O autor agradece por ilustrar com esse discurso simplório, mal escrito e pretensamente benevolente como a globo filmes atua nessas questões.

    2. Mas nossa esquerda é tão mansinha.

      O que a esquerda fez foi regulamentar a função, e garantir os direitos dos demais trabalhadores a essa função que goza de especificidades por ser o ambiente laboral um ambiente familiar.

      É inegávem também que em nome dessa proximidade familiar, que é sempre lembrada carinhosamente pelos patrões, as jornadas de trabalho, horas extras e trabalho nas folgas ficavam (e decerto ainda ficam, só que menos) dilatadas, suprimidas e desconsideradas, respectivamente. Já que num ambiente familiar não raro engolimos a seco injustiças para a manutenção da boa convivência.

      O que talvez não seja o caso específico de sua família, da família do Stalin ou de Fidel, há que se conhecer com intimidade cada caso.

      De fato as diaristas não tem carteira assinada, mas não raro preferem este regime de trabalho ao cotidiano familiar. E desde quando as reflexões esquerda influnciam os trabalhadores na ora de abraçar ou não suas oportunidades de trabalho?

      Se as oportunidades e os patrões são realmente bons a oferta e demanda regularão este mercado.

      André, nossa esquerda é mansinha, mansinha. E até quem é de direita, mas é correto, deve ficar feliz com a melhora de vida das pessoas mais simples e pobres. Não é possível que os trabalhadores dependam da simpatie e boa vontade dos patrões!

      1. Em Sao Paulo o mercado se

        Em Sao Paulo o mercado se encarrega de regular. Há uma brutal falta de boas empregadas e a que se apresenta pede o que quer, são disputadas nos supermercados por outras patroas, há muito maior demanda do que oferta, a alegoria de “exploração” é coisa do passado, as de hoje ditam as regras, as folgas, os beneficios, não é lei que cria mercado e remuneração, é a realidade do mercado.

        As faxineiras diaristas nos EUA, são mais de dez milhões, não tem lei alguma de proteção, como não tem nenhum empregado lá, a não ser o salario minimo, cobram de 50 a 70 dolares por dia, levam sua propria comida, vassoura e produtos de limpeza,

        e curiosamente há mais hoje do que ha 50 anos, pela migração de latinas e filipinas, conisderadas as melhores, é o que a esquerdolandia quer para o Brasil, perdendo-se assim um antiga tradição brasileira. Tem casos de exploração? Claro que sim, no interior do Maranhão deve ter muita mas nas grandes metropoles faltam domesticas e a economia se encarrega de regular, muito antes da lei, mais uma burocracia a infernizar e atrasar o Brasil, gerando aumento de custos que vai fazer muitas familias dispensarem as domesticas, esse é o resultado dessa luta ideologica.

        1. Essa é a realidade do Brasil

          Essa é a realidade do Brasil do presente.

          Depois que os nordestinos não migram mais pra cá desesperados. Conquista da nossa esquerda mansinha!

          Acreditar que é burocracia assinar carteira e recolher o INSS é a cara daqueles que defendem as tradições brasileiras…

          Espero com muita fé que essa função deixe, sim,  de existir em 50 ou 100 anos!

          E que cada um de nós arrume sua própria cama, limpe seu próprio banheiro, cuide dos próprios filhos.

          E os tão apegados as tradições que paguem bem caro por esse serviço. Porque remontando a tradição essa função era daqueles que apanhavam no tronco.

           

          1. Não tem logica economica. Uma

            Não tem logica economica. Uma advogada cuja hora custa 100 dolares pode pagar 10 dolares por hora para uma outra pessoa que não tem o capital educacional dela cuidar de sua casa e filhos, ganham todos e ganha a economia. No centro do capitalismo impera essa logica, 10 milhões de mulheres ganham a vida como faxineiras diaristas nos EUA. Sem esse serviço

            muitas mulheres profissionais não poderiam trabalhar, perdiam todos e a economia, onde está o erro?

  3. Gozado ouvir falar de

    Gozado ouvir falar de gentileza e de afeto entre empregada e patrão, como se o importante numa relação de trabalho não fosse dinheiro e poder… Alguém trabalha para alguém se não for por dinheiro, para se manter e prosperar? Alguém emprega alguém sobre quem não pretenda exercer poder?

    1. ”Alguém emprega alguém sobre

      ”Alguém emprega alguém sobre quem não pretenda exercer poder?”

        Sem essa,meu.

        A autoridade está implícita.–como todo patrão e empregado.

         Mas não autoritarismo.

            

  4. Que horas Lula volta?
    O

    Que horas Lula volta?

    O lulismo é em si uma tecnologia de gestão dos conflitos, via sua extensão que vai de movimentos sociais e sindicatos ao secretário geral da república. Por Leo Vinicius

    volta04O filme de Anna Muylaert, Que horas ela volta?, tem sido frequentemente interpretado como uma representação de mudanças sociais ocorridas no Brasil, que por sua vez são associadas frequentemente ao lulismo. Mudanças essas que atingiriam relações de classe, como no caso vivido pela empregada doméstica Val, protagonista do filme. A tensão que acirra conflitos e leva à transformação é impulsionada pela nova geração que entra em cena, no caso, Jessica, a filha de Val.

    Entendido como fotografia dos efeitos do lulismo a partir do microcosmo das relações de trabalho doméstica, Que horas ela volta? tende a induzir uma definição de lulismo pelos efeitos numa fração da classe trabalhadora – por vezes denominada de subproletariado [1] – e não como modo de gestão dos conflitos sociais que envolve o conjunto da classe trabalhadora, ou seja, pelo conjunto dos seus efeitos. A repercussão do filme traz uma boa oportunidade para apresentar outra visão do lulismo, de um ponto de vista mais geral da classe trabalhadora.

     

    (continua em: http://www.passapalavra.info/2015/09/106231 )

  5. se citou marilena chauí, faltou

    maria rita kehl, luis felipe pondé, marcia tiburi, e, tchan-tchan-tchan zigmund bauman.

    o metido a crítico fala bobagem.

    não é a primeira vez., e eu de bobeira ainda deixo uma postagem.

  6. Mas será…?

    Só uma perguntinha: a crítica baseada no filme em si seria a mesma se o crítico o tivesse assistido do início ao fim sem saber que a Globo Filmes tem algo a ver com a produção? Porque fico com a impressão de que a coisa foi assim: “Ah, tem Globo Filmes no meio? Então, vou procurar pelo em ovo!”

    99,9% dos filmes que exibem o selo Globo Filmes são bosta. Não há dúvida. Mas há exceções – e “Que horas ela volta?” não é a única. A própria TV Globo realiza, muito de vez em quando, obras de qualidade, como “Capitu”, série dirigida por Luiz Fernando Carvalho, pra citar uma que me ocorre agora (é de quase 10 anos atrás, já que tenho visto cada vez menos televisão).

    Anna Muylaert é ótima. Dirigiu, anteriormente, um filme excelente: “É proibido fumar”, com a ótima atriz global Glória Pires e Paulo Miklos. Quem não viu, não sabe o que perdeu.

    Anna é também engajada. Nos 70 anos de Lula, foi uma das personalidades que gravaram vídeos saudando o presidente. Disse algo mais ou menos assim: “Parabéns pelos seus 70 anos, 70 anos que mudaram 500 anos de vida neste país. Parabéns a vc e parabéns a nós.” O marido de Glória Pires também estava lá nas saudações de aniversário. E tem Zé de Abreu. E tem Paulo Betti.

    A Globo encerra suas contradições. Já li em algum lugar que Roberto Marinha dizia que não abria mão de “seus comunistas”, muitos dos quais estavam entre os principais autores de novela dos anos 70 (Dias Gomes, Lauro César Muniz…). O “jornalista”, que segundo alguns era incapaz de escrever, de burro não tinha nada. Controlava a parte jornalística da TV com mão de ferro, mas deixava correr solto na dramaturgia pq não queria abrir mão do talento dos melhores. Ali, quem controlava era Boni, com o tal “padrão de qualidade”. Os escritores de esquerda, inviabilizados pela censura em outras frentes, estavam ali para sobreviver. Sabe como é: pessoal de esquerda tb paga contas. Não tenho dúvida de que praticavam a auto-censura. Mas mesmo assim produziram coisas importantes na época da resistência democrática, como “O Bem Amado”, por exemplo. 

    Ok, ok, confesso que mais uma vez não tive saco de ler o texto de WF além do primeiro parágrafo. Não sou tão ignorante assim, trabalho com comunicação, já estudei Semiologia e Teoria Cinematográfica com tesão, mas a idade vetusta me deixa à vontade para abrir mão do que, num primeiro contato, me parece ser pastel de pretensão. Se eu lesse tudo, talvez até me convecesse de que o filme é uma jogada da Globo para diluir a luta de classes (coisa que o Fantástico nitidamente tentou fazer ao falar do filme, pelo que li no blog de Rodrigo Vianna, mas que não me parece ser o caso do filme em si).

    Uma coisa eu posso dizer: duas patroas de empregadas domésticas reconheceram para mim que ficaram incomodadas com o filme pela forma como ele explicitou para elas coisas que se recusavam a encarar. Uma delas foi até veemente na oposição à minha inteção de sugerir o filme à empregada dela, que conheço há anos. 

  7. Não é farmácia mas manipula muito

    “A Globo sempre soube para onde os ventos sopram. Quando a TV Globo, no processo de abertura política no início dos anos 1980, colocou no ar grandes produções como Morte e Vida Severina, Grande Sertão Veredas (com temas que seriam proibidos na Ditadura Militar) e o sucesso de Roque Santeiro (novela censurada nos anos 1970), muitos críticos viram uma suposta simpatia por temas de crítica social na poderosa emissora.”

    Verdade. Como a cobra que troca de pele, a Globo busca se apropriar de uma crítica social, em geral muito cara à cultura jovem, para depois esvaziá-la, mantendo a ideologia do poder dominante, que se preocupa apenas em formar consumidores passivos e não cidadãos críticos.

    Exemplo disto é a capa da Época (hoje irmã gêmea da Veja) desta semana (sobre feminismo). E o pior é que muitos incautos, até bem-intencionados, se deixam levar. Mas a diferença é que a Globo consegue captar bem efervescência de novos tempos para depois abraça-los e moldá-los (e assim vem fazendo desde os anos 70), enquanto que a Abril mantém desnuda a mesma linha reacionária (o que provavelmente acarretará a sua falência em alguns anos).

    A conclusão magistral do professor Wilson mata a pau essa questão:

    “Esse é o reflexo da própria condição atual da Globo, atualmente vivendo no fio da navalha entre a necessidade de sobreviver adaptando-se as transformações sociais e tecnológicas tentando tomar para si temas que outra eram tidos como “de esquerda”, e a manutenção do seu monopólio de comunicações dentro de uma ordem onde as elites até admitem que algo pode mudar, mas nem tanto.”

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador