Letícia Sallorenzo
Letícia Sallorenzo é Mestra (2018) e doutoranda (2024) em Linguística pela Universidade de Brasília. Estuda e analisa processos cognitivos e discursivos de manipulação, o que inclui processos de disseminação de fake news.
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Roda Viva com Joice? Nem vi… por Letícia Sallorenzo

Vestida de preto da cabeça aos pés com um pingente em formato de mapa do Brasil no colo - o discurso já começou por aí: ela está de luto pelo Brasil que carrega no peito.

Roda Viva com Joice? Nem vi…

por Letícia Sallorenzo – a Madrasta do Texto Ruim

Como vocês sabem, eu não vi o Roda Viva.

Mas Joice Hasselmann acabou de conquistar o meu respeito agora (sossega a raba que eu vou explicar, inferno!)

Ela controlou a entrevista o tempo inteirinho. (OK que aquele bando de jacus ajudou, quem mais tentou jogá-la em contradição foram as mulheres, inclusive a apresentadora que eu sempre achei bem fraquinha, mas nenhuma obteve muito sucesso).

Ela falou o que quis, como bem entendeu, e não se esquivou de responder pergunta nenhuma.

Vestida de preto da cabeça aos pés com um pingente em formato de mapa do Brasil no colo – o discurso já começou por aí: ela está de luto pelo Brasil que carrega no peito.

A missão primeira, maior e principal de Joice Hasselmann no Roda Viva foi enquadrar os filhos de Bolsonaro como irresponsáveis, moleques e inconsequentes. Perdi a conta de quantas vezes ela se referiu a eles como “meninos”. E TODAS as vezes que ela se referiu a eles o fez como MENINOS. Quem me acompanha há mais tempo sabe que isso se chama framing. Ela tá sabendo articular esse framing de maneira primorosa. A moldura desse framing foi folheada a ouro no momento em que ela hierarquizou a ordem de preferência de Bolsonaro: “arrisco a dizer que, entre OS MENINOS, quem tem mais influência sobre o presidente é primeiro o Carlos, depois o Eduardo e por último o Flávio”. Semeadora de cizânia. Eu só não aplaudi de pé porque tava arrumando a lava-louças nessa hora (eu tenho mais o que fazer).

Observe que, por mais que pudesse, ela não chamou os filhos de Bolsonaro de Moleques. “Moleque” é uma expressão afrontosa. “Meninos” não tem nada de afrontoso. É carinhoso, até – mas, quando ela usa essa expressão carinhosa, torna-se cínica e debochada.

No início do programa, ela falou de um “grande grupo de comunicação” que estava negociando “à época” uma bolada pra receber do governo. Não sei se esse “á época” é adjunto adverbial de tempo (ou seja, naquela época) ou se é objeto indireto / papel semântico benefactivo (para a Época). Em todas as frases que ela disse, a interpretação é magistralmente dúbia. Tenho pra mim que muita gente tremeu na rua Lopes Quintas.

Todos os recuos dela foram calculadíssimos, com direito a GIF de Renata Sorrah e tudo. Ela refugou de acusar diretamente Carlos Bolsonaro de ser o Pavão Misterioso, refugou ao dizer que tinha provas da rede de fake news mas não tinha provas de fake news durante as eleições (e neste momento pode subir o meme da Mônica “ATA”). O CEP dessa mensagem cai no colo de quem a conhece e sabe do que ela sabe.

No que pra mim foi o momento mais assombroso da entrevista, ao ser pressionada por um dos entrevistadores sobre ser espalhadora de fake news sobre urnas eletrônicas (o caso em que vc digitava apenas o 1 e aparecia a cara do Haddad, obviamente mentiroso), ela olhou firme pro entrevistador e disse, sem piscar: “eu não tenho certeza se essa informação é falsa” – o que equivale a dizer que não tem certeza se a informação é verdadeira. Gostaria da opinião dos amigos psicólogos sobre o perfil de uma pessoa que age desta forma, para não gastar a palavra psicopata sem rigor científico.

(ATUALIZAÇÃO APÓS MANIFESTAÇÃO DE UM PSICÓLOGO: Joice Hasselmann teve um comportamento com forte teor psicopatológico.)

Ela começou até a atacar as feministas, e nessa hora ela deu um passeio. Véi, se uma Gleisi Hoffmann tivesse um décimo da articulação que Joice Hasselmann tem, a gente tava feito.

Num ponto eu tenho que concordar inteiramente com ela: se, diante de todos esses ataques, ela fosse fragilzinha, cairia de cama com depressão. Joice não é frágil, não é boba, não é burra. finalmente eu vi inteligência entre a horda bolsonarista.

Mas ela não está agindo sozinha. Pelo menos foi essa a impressão que me deixou. Ao declarar “100% lavajatista”, e defender Deltan com unhas e dentes – mas tudo de forma ponderada, racional, sem elevar o tom de voz, com segurança e total controle da situação – ela deixou perpassar que está alinhada, no mínimo, com Moro – óbvio, ela que manda na bagaça. E eu adicionaria um General Heleno nesse caldo aí, mas com algumas ressalvas (será que um general se aliaria a uma mulher?)

Mas, como eu disse, eu não assisti ao Roda Viva.

Boa noite.

Letícia Sallorenzo

Letícia Sallorenzo é Mestra (2018) e doutoranda (2024) em Linguística pela Universidade de Brasília. Estuda e analisa processos cognitivos e discursivos de manipulação, o que inclui processos de disseminação de fake news.

18 Comentários

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  1. Não vi esta entrevista com Joice, mas não sei porque quanto vejo esta figura na mídia me lembro da seguinte frase: In vino veritas, ou seja, em latim significa “no vinho está a verdade” é só dar meia garrafa de vinho que ela vai jogar seus venenos da pior espécie, alias foi dito aqui no GGN certa vez que o Bolsonaro iria se complicar com as próprias palavras, pois bem não só o Bolsonaro como, também, todo o partido da extrema direita (PSL) partido só de laranjas ou partido da alta moralidade, que estão se auto destruindo como serpentes venenosas, achamos que é só uma questão de tempo.

  2. Ahhh, adoro seus textos.
    O grande problema desses tipos é que uma boa parte das pessoas enxerga neles a rapinagem com força, a malícia como perspicácia, a mentira como visão independente das coisas e a vulgaridade como autenticidade. Ou seja, fica difícil!

  3. Letícia, bom dia!

    Em um país em que parte considerável da impressa está ocupada em babar ovos, seja do atual pseudopresidente, seja de um juiz imparcial ou procurando infernizar as esquerdas, principalmente, um ex presidente nordestino e preso político, fico muito feliz em descobrir que há uma figura como você que usa a pena não para escrever bobagem mas para, ironicamente e inteligentemente fazer a crítica que deve ser feita, que usa o humor refinado para mostrar as mazelas do país e a corja eleita e perdida que quer, de qualquer forma, acabar com o Brasil e seu povo (parte dele deveria ser exterminada mesmo). Qual o endereço eletrônico onde são publicadas suas colunas? parabéns.

      1. Se voce soubesse o respeito que eu tenho por neologismos voce nao tentaria me humiliar com um “devezemquandamente”!!!

        Ok. Humiliou mesmo.

        (Nao vou te falar do meu everyonceinawhilely porque acabei de inventar!)

    1. AH! EU também estou toda sexta-feira falando com o pessoal do Bom para Todos, da TVT. esta semana, excepcionalmente, adianto a sexta-feira nesta terça-feira…

  4. Como boa libriana, não poderia deixar de degustar uma certa dose de refinamento… emfim, um oásis de cinismo num mar de truculência golden shower! Psicopatia não, querida! Dissimulação, sim! A pura e autêntica dissimulação como só uma mulher sabe elaborar (homens dificilmente conseguem). A segurança decorre justamente do domínio da arte de dissimular.

    1. Chris, vc achou a palavra perfeita, dissimulação!! Ela mordeu e assoprou com muita classe. Não é nada boba. Tenho medo de gente assim, pois acaba não se posicionando realmente. Agora, fiquei pensando como uma pessoa que morou somente 4 anos na maior cidade do país quer ser prefeita. E repetia isso a todo instante. Amor pela cidade? Claro que não, amor pelo poder. Pobre Brasil!!

  5. Quando se discute ou conversa com pessoas que mentem descaradamente, se contradizem como se estivessem reafirmando o que dizem no minuto anterior. Pessoa que usa e abusa de jargões, e usa todos os argumentos contrários e a favor para alcançar o mesmo objetivo, você não tem como ganhar.
    Afinal a racionalidade, que seria requisito num debate, ficou o tempo todo de fora. Mas o absurdo destes novos tempos é considerar que Joice ganhou. Isto é concluir que estamos definitivamente num momento irracional . É o hospício geral

  6. Prezada Letícia, leio seus textos; os considero muito bons (até quando fala sobre a composição das falas – mesmo não entendendo nada, porque sou engenheiro…kkk).
    Mas discordo, não vejo inteligência nesta sujeita, apenas psicopatia, mal caratismo e oportunismo. Quem chupava textos de outros jornalistas não é capaz de algum tipo de raciocínio lógico. O que ajudou foi que a banca de “jornalistas” é ruim, e os recados foram passados para uns tipos que conseguem ter um QI ainda menor que ela (isso se entenderam os recados, o que duvido). Prometeu muito e entregou nada, foi uma entrevista “171”

  7. Depois que o sr. Abelardo Barbosa nos deixou o grande comunicador do Brasil passou a ser Luis Inácio (indevidamente guardado em Curitiba). Conseguiu esse laurel depois de cursar durantes anos a faculdade do Síndicato dos Metalúrgicos. Esta cidadã, a quem o texto se refere, teve treinamento em anos seguidos atrás do microfone. Já a Gleisi tem talento, compromisso e retidão. E menos horas de palanque, o que torna essa uma comparação entre desiguais. Na minha opinião.
    Essa ai? Eu também não vi. Não assisto PIG de jeito nenhum!

  8. O melhor da entrevista que não ví. Seu artigo que comi esfomeado de boa inveja. Um dia quando for grande e Maduro quero escrever do teu jeito. Deixa estár, só tenho 60 mas chego lá.

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