Sexo em um país dividido no filme “O Leste Amou Diferente?”

A oposição entre Capitalismo e Comunismo durante a Guerra Fria não significou somente a divisão entre diferentes modelos econômicos e políticos. Mas também diferentes vidas sexuais em cada lado do muro que dividia a Alemanha. O documentário “O Leste Amou Diferente? – Sexo na Alemanha Dividida” (2006) confirmaria décadas depois as teses da chamada Nova Esquerda alemã nos anos 1970 a respeito da exploração da sexualidade pela “indústria da consciência”: enquanto na Alemanha Oriental o sexo era francamente discutido nas escolas e na TV, no Ocidente a chamada “revolução sexual” teria sido apenas uma “revolução de vendas” com a expansão da indústria pornográfica e publicitária.<--break->

Quarenta anos depois da publicação do livro de Michael Schneider, Neurose und Klassenkampf (Neurose e Luta de Classes, publicado no Brasil como Neurose e Classes Sociais pela Zahar Editores), marco da chamada “Nova Esquerda” nos anos 1970, eis que em 2006 André Meir dirigiu um documentário para a TV alemã chamado “Liebte der Osten Anders? – Sex im geteilten Deutschland” – “O Leste Amou Diferente? – Sexo na Alemanha Dividida”, confirmando algumas teses de Schneider a respeito da exploração da sexualidade pela “indústria da consciência” – veja o documentário abaixo, com legendas em inglês.

Na Alemanha, a chamada “Nova Esquerda”, corrente teórica antidogmática que pretendia estabelecer uma síntese freudiano-marxista nas investigações sobre a exploração das fantasias, desejos e o inconsciente pela mídia e sociedade de consumo foi representada por pesquisadores como Fritz Haugh, M. Schneider, Dieter Prokop, M. Busselmeir etc. – que alguns chamam de “nova geração da Escola de Frankfurt”.

Todos eles viveram o contexto da chamada “revolução sexual”, principalmente desencadeada pelo anúncio da pílula anticoncepcional nos anos 1960 que, definitivamente, desatrelou a sexualidade das funções de reprodução e dos papéis social do matrimônio e da família. As consequências econômico-culturais foram a expansão da indústria pornográfica e a erotização generalizada da mídia, publicidade e sociedade de consumo. Mas a chamada Nova Esquerda não via em tudo isso um movimento de libertação mas, ao contrário, uma estratégia de “revolução nas vendas”.

Vida sexual sob o capitalismo e o comunismo

Filmes sobre educação sexual na TV
eram comuns na Alemanha Oriental

O documentário explora as diferenças na vida sexual de alemães orientais e ocidentais dentro do período entre o erguimento e a derrubada do Muro de Berlim em 1989, apresentando a tese de que as mulheres comunistas da Alemanha Oriental tinham uma vida sexual melhor que as do Ocidente. O documentário compara os costumes sexuais pós-guerra. Enquanto as mulheres da Alemanha Ocidental eram submetidas aos conceitos de família, feminilidade, os deveres domésticos para com seus maridos e o tabu relacionado à discussão de assuntos sexuais em público ou diante de crianças, na Alemanha Oriental teríamos um cenário totalmente oposto: as mulheres eram membros ativos da força de trabalho, a sexualidade era discutida abertamente na escola e na televisão e o sexo era vinculado muito mais ao amor do que ao casamento.

Historiadores e sexólogos são entrevistados, entre animações bem humoradas, notícias de arquivo e clipes de filmes pós-guerra na Alemanha, proporcionando uma comparação sempre informativa não só entre as duas Alemanhas, mas entre os costumes sexuais capitalistas e comunistas.

“Em nenhuma área a emancipação feminina avançou tanto quanto na sexualidade. As mulheres davam as regras na cama. Isso era muito típico da Alemanha Oriental”, diz um especialista ouvido no filme. No final dos anos 1960, uma em cada três mulheres trabalhava fora na Alemanha Ocidental; do lado Oriental eram 70%. Historiadores e sexólogos defendem no documentário que este papel protagonista da mulher influía positivamente em sua vida sexual.

Segundo o documentário, quando os Beatles aparecem na Alemanha Ocidental para fazer os célebres concertos em Hamburgo e Paul McCarthney defendeu a utilização da pílula em uma entrevista coletiva para a imprensa dando início à revolução sexual naquele país, o sexo já era um tema aberto e cotidiano na Alemanha Oriental, mesmo em um país fortemente controlado por um Estado policial: a repressão era antes de tudo política e não religiosa (como na Alemanha Ocidental) – livres da religião os comunistas podiam se dedicar aos prazeres sexuais sem culpa em um local onde a temida polícia secreta Stasi não vigiava: a cama.

Sexo sequestrado pela indústria do entretenimento

A revolução sexual no Ocidente representou
a expansão da indústria pornográfica
e publicitária (cena do documentário)

O documentário toca em um ponto nevrálgico da discussão: se a pílula foi uma revelação para as mulheres ocidentais, não foi uma mudança tão radical como a que já existia do outro lado do muro. Principalmente porque no Ocidente a revolução sexual foi rapidamente incorporada pela música, moda e a indústria da Publicidade. Centímetro por centímetro as imagens publicitárias começaram a se aproximar das zonas erógenas. A liberdade sexual oferecida pela pílula foi rapidamente absorvida pelo marketing e revistas pornográficas.

Numa sociedade competitiva como a capitalista, a sexualidade passou a ser encarada por critérios de rentabilidade e performance: para ser sexy você tem que estar em forma, ser atraente, ter orgasmos mais rapidamente e em maior número. Cada vez mais uma ansiedade começa a dominar a todos – de que alguém poderia ter uma vida sexual melhor do que a sua.

Esse ponto confirmaria as velhas teses da chamada Nova Esquerda nos anos 1970 sintetizada no Obra de Michael Schneider “Neurose e Classes Sociais”. Schneider parte de um ponto simples a respeito do valor da forma-mercadoria no Capitalismo: para qualquer coisa ser valorizada e se transformar em mercadoria, ela deve ser um bem escasso. Com o sexo não foi diferente: na medida em que foi sequestrado pela indústria do entretenimento e sociedade de consumo o sexo tem que ser oferecido através de imagens e narrativas de uma tal forma que permita apenas uma satisfação parcial, fragmentada e abstrata.

Um “bem” natural, disponível livremente em nossos corpos tem que se tornar escasso para ter um “valor” e ser mercantilizado, à venda para aqueles que se disponha a pagar para ter de volta essa pulsão que foi atrelada a produtos e imagens. Vejamos o que Schneider nos diz:

“A cada aquisição o comprador recebe a promessa de uma “amada”, ou pelo menos uma parte dela: seios, pernas, coxas. Assim, o capital de hoje traz à luz os fragmentos eróticos que a moral sexual cultural costumava deixar nas sombras, isto é, traz à luz de neon, já que mesmo fragmentos fetichizados da boneca consumista são lucrativos. A tendência da fragmentação da estrutura instintiva, no rastro da especialização progressiva e da fragmentação do trabalho industrial, torna-se ainda mais nítida graças à “provocação parcial” da estética consumista.” (SCHNEIDER, M. Neurose e Classes Sociais, R. de Janeiro: Zahar Editores, 1977, p. 295).

Schneider aqui fala de uma “pornograficização” dos bens de consumo e o simultâneo embonecamento dos traços faciais e de caráter associado à prática promiscuidade sexual e de consumo celebrado pela máquina de vendas como “a grande revolução sexual”.

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Luis Nassif

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