Fernando Horta
Somos pela educação. Somos pela democracia e mais importante Somos e sempre seremos Lula.
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Sociedade Frankenstein, por Fernando Horta

Sociedade Frankenstein

por Fernando Horta

Embora todos conheçam a história de Frankenstein, poucos atentam para o verdadeiro sentido e profundidade da crítica de Mary Shelley. A escritora inglesa, do início do século XIX, produziu uma das mais profundas e atuais análises da nossa sociedade. O “monstro” de Frankenstein combina uma força física descomunal, com uma falta de localização histórica e com o desconhecimento de limites éticos. Esta mistura o leva ao campo da selvageria. Note que o monstro de Mary Shelley é capaz de fazer breves raciocínios. Tem em si sentimentos como saudade, desejo, raiva e até amor. Mas o monstro, privado de sua história, sem um sentido de continuidade entre o passado, o presente e o que poderia ser seu futuro, não consegue compreender o que é efetivamente o humano. Não consegue ser humano. Não consegue ser.

Dois fatos no mês que passou deveriam ter levado a toda a humanidade a um processo de reflexão sobre a profunda transformação em curso. Em primeiro lugar, a gigante Google criou um algoritmo chamado “alpha-zero”[1], que em quatro horas aprendeu sozinho a jogar xadrez. Alpha-zero venceu os programas de computador criados e aperfeiçoados pelo homem nos últimos 20 anos. Não apenas venceu, mas ganhou por 28 a zero. Não perdeu nenhuma partida. Veja que não estamos falando apenas da capacidade de cálculo da máquina, pois os programas vencidos estavam também em computadores. Estamos falando de um algoritmo que literalmente aprendeu a jogar xadrez sozinho e bateu TODA a criação humana, seja da experiência acumulada do jogo e dos jogadores nos últimos 4000 anos, seja do crescimento e aperfeiçoamento de programas criados pelos próprios homens.

E fez isto em apenas quatro horas.

No mesmo momento, saiu o relatório de Philp Alston[2] para a ONU a respeito da pobreza nos EUA. O país mais rico do mundo e a única superpotência mundial tem o maior índice de mortalidade infantil entre todo o mundo desenvolvido, tem a menor expectativa de vida, e está na posição 35 de 37 países com respeito a pobreza e desigualdade. Na sociedade que supostamente atingiu o pico do desenvolvimento material no nosso tempo, um quarto dos seus jovens (25%) está vivendo na pobreza. Esta sociedade tem menos médicos e doutores por pessoas (do que os países desenvolvidos) e está em 36 lugar no mundo em relação ao acesso à água potável e saneamento básico de sua população.

Por qualquer nível humano de comparação, os EUA estão muito mais próximos das sociedades do século XIX do que de qualquer ideal de humanidade no século XXI. E estamos falando da sociedade mais rica e materialmente desenvolvida do planeta. Ainda assim, não satisfeitos em retornarem aos níveis de desigualdade do início do século XX, os norte-americanos estão para aprovar um corte de impostos que beneficia apenas o 1% mais rico da população deles. Todos os estudos mostram o desastre social que vai acontecer e diversos políticos, economistas, professores e artistas têm vindo à público chamar a atenção para o fato de que a imensa maioria da população será fortemente prejudicada. Assim como no Brasil, parece estar acontecendo um processo completo de torpor intelectual. Não se trata apenas do anti-intelectualismo quase medieval, se trata da incapacidade dos cidadãos atuais de se situarem no tempo e no espaço e de fazerem escolhas racionais para si.

Mary Shelley explicou isto. O desenvolvimento material do monstro de Frankenstein era imensamente superior a qualquer outro ser humano. O monstro era mais forte, praticamente imortal e inclusive capaz de raciocínios simples. A sociedade capitalista, onde o consumo gera demanda para o desenvolvimento econômico em níveis nunca antes vistos pelo ser humano, faz uma disparada de nossas capacidades materiais e, ao mesmo tempo, inibe o desenvolvimento humano. Somos exatamente o monstro de Frankenstein. Estamos privados de raciocínios mais aprofundados e, desde a queda do muro de Berlim, estamos sofrendo um processo de desconstrução do nosso passado. Aliás, de qualquer passado. O mundo do “Carpe Diem” é o mesmo mundo do “a terra é plana”, do “você tem que morrer por pensar isto” e do “eu faço porque o Pastor mandou”.

A Escola de Frankfurt explicou o surgimento do fascismo nestas bases. A sociedade de consumo desorientou o homem alemão, ofertando materialmente uma gama de capacidades sem que ele tivesse condições psicológicas, sociológicas ou mesmo históricas para compreender seu lugar no tempo, as relações com outros seres humanos e mesmo aceitar a sua finitude. Este homem desorientado procura um sentido para sua existência, procura alguém a seguir e age, a partir daí, como quem descobriu a única verdade do mundo. Todo o resto, todo aquele que difere é uma ameaça ao mundo como este desorientado entende. E aí a ignorância, o medo e a incapacidade de se compreender vira violência. É exatamente Mary Shelley.

Estamos no limite da criação de inteligências artificiais que alterarão – sem nenhuma capacidade nossa de previsão – toda a humanidade. Ao mesmo tempo, estamos cobrindo obras de arte nos museus por intolerância. Criamos mais informação em um dia, hoje no mundo, do que toda a informação criada pelos nossos ancestrais nos últimos milhões de anos. E ainda assim, pessoas gritam como se estivessem possuídas por um demônio em forma de galinha ou de macaco e um pastor cobra dinheiro para “salvar” esta “pobre alma” que se joga ao solo, imita o macaco, baba e revira os olhos em “cultos” nas nossas cidades.

A maior desigualdade humana não é, pois, entre ricos e pobres. Entre nações com muitas capacidades materiais e as desprovidas delas. A maior desigualdade humana é entre o desenvolvimento de suas forças produtivas e seu nanismo moral, histórico, político e social. Não deveria ser surpresa que pessoas que desconhecem sua história e seu papel na sociedade retomem ideias e medos do início do século XX. Não chega a surpreender que estejamos caminhando, no mundo todo, de volta ao fascismo. O monstro de Frankenstein também voltava para procurar o seu criador. E neste processo deixava um rastro de violência.

A nossa geração está vivendo a desorientação e violência da mudança. Mas se você tem filhos e netos, deveria estar preocupado por eles. A geração deles viverá a mais completa transformação humana de que se tem notícia desde o surgimento do Estado. E eu não sei se eles estão preparados para o mundo que surge. E não sei exatamente porque nossa educação foca naquilo que se tornará totalmente obsoleto em alguns anos, e deixa de lado tudo o que poderia dar ao monstro um sentido para sua existência. Se o mundo será das máquinas ou se será dos obtusos e violentos, eu não sei. Se eles viverão num universo ao estilo de Matrix ou num mundo como mostrado em Mad Max, me parece insondável. Seja como for, estamos abrindo mão, como espécie, daquilo que nos fez humanos e claramente não estamos preparando as gerações futuras para os desafios que elas enfrentarão.

O futuro me assusta muito.


 

Fernando Horta

Somos pela educação. Somos pela democracia e mais importante Somos e sempre seremos Lula.

12 Comentários

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  1. Parabéns!!!

    Finalmente um belo texto. Quem não conhece a Escola de Frankfurt e seus filósofos, provavelmente não o entenderá profundamente,  mas finalmente um texto perfeito!!

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

  2. Concordo e digo mais. No

    Concordo e digo mais. No Brasil o monstro de Frankenstein foi trazido a vida por um Judiciário neoliberal medieval que deveria ser visto como o principal arquiteto da derrota da Política e da Democracia. Os juízes criaram um regime que expande a desigualdade. Mas alguns líderes de esquerda se recusam a admitir esse fato. Lula, por exemplo, continua dizendo que acredita na Justiça. Ao invez de combater seu inimigo, Lula prefere alimentar o monstro com mingau.

    https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/uma-nova-idade-media-e-o-seu-fim-inevitavel
     

  3. Fica preocupado com o futuro

    Fica preocupado com o futuro não, prezado Fernando. Num passado bem recente tivemos a sorte de sermos agraciados por uma turminha, que virou uma turma, e juntos abocanharam o futuro. Cabou nossa preocupação, não tem porque ficar assustado, futuro não tem mais.

  4. Muito bom o texto.
    Mas a

    Muito bom o texto.

    Mas a questão do surgimento do nazimo na Alemanha se dá em um outro contexto. Crise econômica, desemprego, pobresa, humiliação pelas condições do tratado de Versalhes,etc

  5. bom post

    Bom post do Fernando como sempre.

    O futuro te assusta?A mim também. O que esperar de uma sociedade que tem como o unico valor o dinheiro.

    O resto só vale pelo fato que pode resultar em mais dinheiro (ou patrimonio, como queiram).

    Se vou para universidade, é porque quero mais dinheiro, e não cultura.

    Se estudo línguas, é porque quero mais dinheiro e não para aumentar meu conhecimento.

    Se faço viagens ao exterior é para satisfazer meu desejo de novos bens, mas não para conhecer novas realidades, culturas etc.

    Não há futuro assim.

     

  6. sociedade….

    É inacreditável !!! 1964 não acaba nunca para nossa Esquerdopatia. Facismo? Que Facismo? Aquele que os americanos ajudaram a acabar numa Europa destruída, antes mesmo das Grandes Guerras? 25% da sua população jovem está abaxo da linha da pobreza? Que pobreza? Que linha? Na régua deles, estaríamos com 95% da população abaixo da linha da pobreza. ‘Estamos no limite da criação de inteligências…’ Estamos quem, Cara Pálida? Somos a Nação Tupiniquim contra o desenvolvimento, o nacionalismo, a industrialização, o capital, a classe média. Nesta tecnologia e conhecimento todo, diminuiu nosso analfabetismo, para sabermos usar os computadores, internet’s e celulares que eles criaram. O burro que paga as contas é a nossa parte na tal criação. É escárnio esta sua afirmação, não é mesmo? Caro sr., vamos sair desta caixinha, desta prisão de 64, vamos esquecer os americanos. É muita autoflagelação e esquizofrênia. Como queremos comparar nossas desigualdades às dos americanos? Não podemos compará-las às dos argentinos ou dos chilenos ou uruguaios. Olhe o RJ? Olhe SP? Olhe nossas fronteiras, olhe nossas cracolândias? Nossa mediocridade é nossa. E é incomparável. Paremos de culpar aos outros. Veja o espetacular e grandioso país que temos e o que nós mesmos fizemos dele. A culpa não é de mais ninguém. Fora nossos fundamentalismos e ignorância. Perdemos o bonde da história em caudilhismos no inicio do século passado. Depois na grande reconstrução mundial do pós-guerra, e em imbecilidades ideológicas na Guerra Fria. Viremos a página, senão perderemos de novo. E agora não é o bonde. É Trem-Bala. abs. 

  7. POIS É, FÁBIO

    VOCÊ USA SEU COMENTÁRIO PARA, COM RAZÃO, LEMBRAR QUE JUÍZES SÃO O MONSTRO QUE PRECISAMOS ELIMINAR MAS APROVEITA PARA CRITICAR O LULA, JUSTAMENTE ELE QUE VEM SENDO A MAIOR VÍTIMA DESSE MONSTRO.  ORA, E VOCÊ QUERIA QUE O LULA PEITASSE O MORO NA SALA DE AUDIÊNCIA E O AFRONTASSE TANTO ATÉ SER PRESO…PARA DEPOIS FICAR VENDO ESSA MERDA TODA QUE SOMOS NÓS, QUE NÃO VAMOS PRAS RUAS DERRUBAR AS INJUSTIÇAS DA POLÍTICA E DA JUSTIÇA.   ORA, SE VOCÊ CONSIDERA MORO UM DOS MONSTROS, MATE ESSE MALDITO E NÃO FIQUE ESPERANDO QUE O LULA FAÇA ISSO.   ALIÁS, POR QUE ESPERAR QUE FAÇAM POR NÓS? POR QUE QUERER JOGAR TODA CULPA NUM POLÍTICO QUE, ALIÁS,FOI DOS POUCOS QUE DE FATO FEZ MUITO POR TODOS NÓS.?

  8. Mais bobagem de adolescente de classe média.

    Fernando Horta é uma piada! Pega uma obra que é literária, sem nenhum nexo com a realidade, e usa como modelo para analisar o presente. Deve ter sido adolescente de classe média, nunca conversado com pessoas nascidas e criadas na roça, ou visitado bairros populares e favelas. É um estranho no Brasil, somente assim para escrever tantas asneiras.

  9. A grama do vizinho

    Interessante o assombro do autor com as duas notícias, que revela um pouco da ingenuidade de todos nós progressistas diante das evidências materiais das idéias que abstratamente parecemos já ter assimilado no plano da reflexão crítica mas que quando se tornam reais, melhor, são realizadas, nos assustam pela ameaça do que significam – um pouco, em outro sentido, do que aconteceu com o “iluminismo” de fachada da Falha de São Paulo, que dava espaço para progressistas de esquerda  (não me parece redundante pois há retrógrados de esquerda, aos montes, gente de direita que se acha e se vende como progressista e de centro que realmente é … ) bradarem pelo combate à desigualdade até que se tornou horizonte de possibilidade. Gritamos que o retrocesso humano é a consequência lógica do sistema que está aí e quando acontece, quanta surpresa! E não é que as idéias têm poder mesmo! 

    Ao texto. Com todo o respeito aos enxadristas, a façanha dos robôs não me assusta porque não sei em que o xadrez transformou a sociedade além de sua importãncia, como outros jogos, para o desenvolvimento cognitivo, portanto, uma atividade corriqueira. Já há robôs reproduzindo características de obras de arte  (ver episódio 3 da primeira temporada da série Bill Nye Salva o Mundo, streaming), e só me parecerá assustador esse tipo de demonstração de poder cibernético mimetizante da natureza humana quando conseguirem produzir algo original em interação social, arte ou em ciência, sem a participação humana, portanto, de maneira livre e autônoma. 

    O mais grave da questão tecnológica não é, a meu ver, experiências repetitivas de demonstração do potencial de máquinas isoladamente, mas o que o sábio Leonardo Boff bem discute em seu artigo na Carta Maior, sobre a nova fronteira bélica, a guerra cibernética, como forma de alocação do excedente financeiro e controle da população, que, em breve, tende a se rebelar em defesa da própria sobrevivência. Autênticos jogos de guerra, em todos os sentidos possíveis.  (https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Midia/Guerras-ciberneticas-novas-formas-de-guerra/12/38964)

    Sobre a questão da desigualdade à americana, me surpreendeu num primeiro momento mas, pensando bem, estranho seria tal resultado em países escandinavos, historicamente de formação sócio-racial homogênea – a onda de imigração é recente – e que têm a igualdade social e o equilíbrio econômico como parte de seus pilares, pelo menos até agora. 

    Se raciocinarmos por outra perspectiva, depois do espanto instintivo decorrente da detecção da ameaça, é coerente com o estágio  atual de capitalismo exponencial ao qual sobrevivemos e do qual os EUA são os principais ideólogos e propagadores, na era da especulação máxima em que há desigualdades agudas e concentração de renda e riqueza até entre grupos mais ricos: é o bilionário da farra financeira “explorando” o milionário ou “apenas” rico da economia produtiva, que também participa do cassino, com menos fichas, e se revela que a nata do 1% é mais usurária e restrita per capita que os 10%. 

    E aí sim a capacidade aplicada de algoritmos, cuja experiência com robôs é apenas uma demonstração potencial da ferramenta, é algo gravíssimo que tem possibilitado ao capitalismo financeiro supranacional se tornar o demônio da Tasmânia com a experiência dos hedge funds no alto da pirâmide, vampiros da economia produtiva, e a automatização lucrativa das operações bancárias entre os mortais comuns, com a máxima redução de custo – e de empregos; com os aplicativos para celular, em breve não haverá agência, e  os custos da energia elétrica e do plano de dados para realização dos serviços, a cargo do cliente, não são abatidos do valor de manutenção da conta… e aí, Procon? – e máxima ampliação possível de lucros, em atividades certamente interrelacionadas na espiral da exploração e concentração financeira. 

    Portanto, os episódios que o articulista apresenta com assombro são apenas sintomas de doenças mais graves, crônicas e para as quais o único tratamento  é a reforma radical do sistema econômico e financeiro mundial – eu não entendo de teoria e história econômica mas o Nassif sempre comenta de uma tal mudança do padrão ouro para dólar. Pois bem, precisamos encontrar um desacelerador para o atual sistema capitalista, sem o qual uma sociedade socialista, a ser construída, será impossível sob qualquer aspecto; na verdade, qualquer sociedade será inviável. 

    Até porque algo muito mais grave que o robô enxadrista – que se tiver mesmo capacidade de emular habilidades humanas descobrirá o tédio pela falta de companhia para uma partidinha, hahaha – é o efeito da ganância capitalista e tecnológica sobre os recursos naturais, já escassos e mal distribuídos, e estes, irreprodutíveis por robôs ou mesmo em laboratório. 

    Cientistas sérios já apontaram que no ritmo atual de consumo e aumento populacional, no modelo capitalista de produção e sociabilidade, o planeta terá vida curta; não há recursos naturais em quantidade e  qualidade para todos – da água ao ar  saudáveis, passando pela terra para moradia, subsistência e produção de alimentos em escala – e, com as mudanças climáticas, a espécie humana corre o risco de desaparecer junto com o planeta, que já queima no fogo do inferno do aquecimento global. 

    Curiosamente ou não, em todos os filmes-catástrofe, como os citados pelo articulista, o principal cenário é a desolação das paisagens naturais, inabitáveis e desabitadas ou simplesmente inexistentes em realidades virtuais. 

    Mas tenho esperança no futuro porque as gerações se sucedem e as que estão vindo trazem consigo capacidades inimaginadas e insuspeitadas de transformação benéfica do mundo que lhes deixaremos. Diante do potencial humano para a invenção, e inexplorado pelas condições de miséria material da maioria da humanidade planetária, o robô enxadrista é fichinha perto de um Rei Pelé, semente de criatividade no genoma da espécie, jamais copiado por vivo ou por máquina (alguém se lembra da dificuldade, e da façanha, de produzir movimento do robô-exoesqueleto do Nicolelis na abertura da Copa do Mundo? essa uma das capacidades admiráveis  que os humanos têm e robô nenhum consegue simular, criar ou reproduzir por conta própria, infelizmente com dificuldade quando a aplicação pretendida é em proveito dos seres vivos e não do dinheiro autorreferente – não nos enganemos, a tecnologia também não é uma ameaça em si, mas a teologia do dinheiro a quem a vida humana e a própria ciência e tecnologia, separadas ou em comunhão de bens, estão sendo postos a serviço como escravos… por outros humanos, homem-lobo-do-homem. A este propósito, me lembro de uma passagem simbólica do filme O homem bicentenário, um dos meus preferidos, em que a robô-garota Galatea dança ao som de Respect, de  Aretha Franklin, graças ao “chip de personalidade”; ao final, o robô-idoso, já antropomorfizado, magistralmente interpretado pelo saudosíssimo Robin Williams, escolhe morrer com sua companheira humana porque  aceitar a Mortalidade é sua última forma de tentar alcançar, o que para ele era honroso, o título de ser humano. Enquanto os mais ricos e de habilidades intelectuais desenvolvidas entre os humanos privilegiados assistem, e muitos financiam,  a morte desumana diária e gastam seu tempo com joguinhos tecnológicos inúteis – daqui a alguns anos, como acontece com a memória dos chips, outro robô vai superar o atual e, quem sabe, ganhará uma partida, sem graça, em milissegundos… pra quê mesmo? -, os mais arcaicamente humanos, que lutam por utopias de carne e osso, farão as verdadeiras revoluções tecno-lógicas, as das técnicas e artes para a habitação inteligente da espécie humana no planeta. Não estarei aqui para ver, ou quem sabe, estaremos, entre outros? 

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=RwmrwHwxiKc%5D

     

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    SP, 17/12/2017 – 19:52

  10. A grama do vizinho

    Interessante o assombro do autor com as duas notícias, que revela um pouco da ingenuidade de todos nós progressistas diante das evidências materiais das idéias que abstratamente parecemos já ter assimilado no plano da reflexão crítica mas que quando se tornam reais, melhor, são realizadas, nos assustam pela ameaça do que significam – um pouco, em outro sentido, do que aconteceu com o “iluminismo” de fachada da Falha de São Paulo, que dava espaço para progressistas de esquerda (não me parece redundante pois há retrógrados de esquerda, aos montes, gente de direita que se acha e se vende como progressista e de centro que realmente é … ) bradarem pelo combate à desigualdade até que se tornou horizonte de possibilidade realizável nos governos progressistas liderados pelo PT a partir de 2003 a 04/2016, e então, para promover a ruptura antidemocrática que lhe interessa na prática mas que não assume como escolha ideológica, enrustidos déspotas “esclarecidos”, a famiglia, que é Frias dos pés às idéias, recrutou seus catacoquinhos de ontem, hoje e os de sempre. Gritamos que o retrocesso humano, e não apenas de determinadas classes sociais, é a consequência lógica do sistema que está aí e quando acontece, quanta surpresa! E não é que as idéias têm poder mesmo!

    Ao texto. Com todo o respeito aos enxadristas, a façanha dos robôs não me assusta porque não sei em que o xadrez transformou a sociedade além de sua importância, como outros jogos, para o desenvolvimento cognitivo, portanto, uma atividade corriqueira sem maior impacto civilizacional. Já há robôs reproduzindo características de obras de arte (ver episódio 3 da primeira temporada da série Bill Nye Salva o Mundo, streaming), e só me parecerá assustador esse tipo de demonstração de poder cibernético mimetizante da natureza humana quando conseguirem produzir algo original em interação social, arte ou em ciência, sem a participação humana, portanto, de maneira livre e autônoma.

    O mais grave da questão tecnológica não é, a meu ver, experiências repetitivas de demonstração do potencial de máquinas isoladamente, mas o que o sábio Leonardo Boff bem discute em seu artigo na Carta Maior, sobre a nova fronteira bélica, a guerra cibernética, como forma de alocação do excedente financeiro e controle da população, como repressão e redução do contingente, que, em breve, tende a se rebelar em defesa da própria sobrevivência. Autênticos jogos de guerra, em todos os sentidos possíveis. (https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Midia/Guerras-ciberneticas-novas-formas-de-guerra/12/38964)

    Sobre a questão da desigualdade à americana, me surpreendeu num primeiro momento mas, pensando bem, estranho seria tal resultado em países escandinavos, historicamente de formação sócio-racial homogênea – a onda de imigração é recente – e que têm a igualdade social e o equilíbrio econômico como parte de seus pilares, pelo menos até agora. 

    Se raciocinarmos por outra perspectiva, depois do espanto instintivo decorrente da detecção da ameaça iminente – “se entre os mais ricos está nesse (des)nível, que esperança há para os países em desenvolvimento?” parece a origem da preocupação – , é coerente com o estágio atual de capitalismo exponencial ao qual sobrevivemos e do qual os EUA são os principais ideólogos e propagadores, na era da especulação máxima em que há desigualdades agudas e concentração de renda e riqueza até entre grupos mais ricos: é o bilionário da farra financeira “explorando” o milionário ou “apenas” rico da economia produtiva, que também participa do cassino, com menos fichas, e se revela que a nata do 1% é mais usurária e restrita per capita que os 10%, e assim sucessivamente – apenas a pobreza se espalha e se distribui sem discriminação de qualquer natureza.

    E aí sim a capacidade aplicada de algoritmos, cuja experiência com robôs é apenas uma demonstração potencial da ferramenta, é algo gravíssimo que tem possibilitado ao capitalismo financeiro supranacional se tornar o demônio da Tasmânia com a experiência dos hedge funds no alto da pirâmide, vampiros da economia produtiva, e a automatização lucrativa das operações bancárias entre os mortais comuns, com a máxima redução de custo – e de empregos; com os aplicativos para celular, em breve não haverá agência, e  os custos da energia elétrica e do plano de dados para realização dos serviços, a cargo do cliente, não são abatidos do valor de manutenção da conta… e aí, Procon? – e máxima ampliação possível de lucros, em atividades certamente interrelacionadas na espiral da exploração e concentração financeira.

    Portanto, os episódios que o articulista apresenta com assombro são apenas sintomas de doenças mais graves, crônicas e para as quais o único tratamento  é a reforma radical do sistema econômico e financeiro mundial – eu não entendo de teoria e história econômica mas o Nassif sempre comenta de uma tal mudança do padrão ouro para dólar. Pois bem, precisamos encontrar um desacelerador para o atual sistema capitalista, sem o qual uma sociedade socialista, a ser construída, será impossível sob qualquer aspecto; na verdade, qualquer sociedade será inviável. 

    Até porque algo muito mais grave que o robô enxadrista – que se tiver mesmo capacidade de emular habilidades humanas descobrirá o tédio pela falta de companhia para uma partidinha, hahaha – é o efeito da ganância capitalista e tecnológica sobre os recursos naturais, já escassos e mal distribuídos, e estes, irreprodutíveis por robôs ou mesmo em laboratório.

    Cientistas sérios já apontaram que no ritmo atual de consumo e aumento populacional, no modelo capitalista de produção e sociabilidade, o planeta terá vida curta; não há recursos naturais em quantidade e  qualidade para todos – da água ao ar  saudáveis, passando pela terra para moradia, subsistência e produção de alimentos em escala – e, com as mudanças climáticas, [o planeta, que já queima no fogo do inferno do aquecimento global. corre o risco de desaparecer junto com a espécie humana].

    Curiosamente ou não, em todos os filmes-catástrofe, como os citados pelo articulista, o principal cenário é a desolação das paisagens naturais, inabitáveis e desabitadas ou simplesmente inexistentes em realidades virtuais. 

    Mas tenho esperança no futuro porque as gerações se sucedem e as que estão vindo trazem consigo capacidades inimaginadas e insuspeitadas de transformação benéfica do mundo que lhes deixaremos. Diante do potencial humano para a invenção, e inexplorado pelas condições de miséria material da maioria da humanidade planetária, o robô enxadrista é fichinha perto de um Rei Pelé, semente de criatividade no genoma da espécie, jamais copiado por vivo ou por máquina (alguém se lembra da dificuldade, e da façanha, de produzir movimento do robô-exoesqueleto do Nicolelis na abertura da Copa do Mundo? essa uma das capacidades admiráveis  que os humanos têm e robô nenhum consegue simular, criar ou reproduzir por conta própria, infelizmente com dificuldade quando a aplicação pretendida é em proveito dos seres vivos e não do dinheiro autorreferente – não nos enganemos, a tecnologia também não é uma ameaça em si, mas a teologia do dinheiro a quem a vida humana e a própria ciência e tecnologia, separadas ou em comunhão de bens, estão sendo postos a serviço como escravos… por outros humanos, homem-lobo-do-homem. A este propósito, me lembro de uma passagem simbólica do filme O homem bicentenário, um dos meus preferidos, em que a robô-garota Galatea dança ao som de Respect, de  Aretha Franklin, graças ao “chip de personalidade”; ao final, o robô-idoso, já antropomorfizado, magistralmente interpretado pelo saudosíssimo Robin Williams, escolhe morrer com sua companheira humana porque  aceitar a Mortalidade é sua última forma de tentar alcançar, o que para ele era honroso, o título de ser humano. Enquanto os mais ricos e de habilidades intelectuais desenvolvidas entre os humanos privilegiados assistem, e muitos financiam,  a morte desumana diária e gastam seu tempo com joguinhos tecnológicos inúteis – daqui a alguns anos, como acontece com a memória dos chips, outro robô vai superar o atual e, quem sabe, ganhará uma partida, sem graça, em milissegundos… pra quê mesmo? -, os mais arcaicamente humanos, que lutam por utopias de carne e osso, farão as verdadeiras revoluções tecno-lógicas, as das técnicas e artes para a habitação inteligente [do planeta pela espécie humana]. Não estarei aqui para ver, ou quem sabe, estaremos, entre outros? 

    1.

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    2.

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    3.

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    4.

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    5.

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    6.

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=eH-cPqQVuSA%5D

    7.

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    8.

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=jWjfVk4pevU%5D

    9. 

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=LO5pq1Qz334%5D

     

     

    SP, 17/12/2017 – 23:09 (envio original às 19:52. Versão atual alterada: acréscimos nos trechos sublinhados, e inversão da ordem dos termos entre colchetes, vídeo 6 ausente na primeira versão). 

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