Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Toda a democracia que o dinheiro pode inventar em “Terra Prometida”, por Wilson Ferreira

Era para ser mais uma operação comercial de rotina: convencer os moradores de uma pequena cidade a venderam suas terras para uma grande corporação extrair gás natural sob a cidade, por meio de uma técnica de alto risco ambiental. Mas tudo se complica quando um professor mostra para os moradores evidências de catástrofes ambientais ocorridas anteriormente: envenenamento do gado e das águas. E para complicar, chega na cidade um ativista ambiental que rastreia as atividades escusas da empresa. Além disso, a tensão cresce com a proximidade do dia da eleição na qual os moradores devem decidir se aceitam a oferta de compra. “Terra Prometida” (Promised Land, 2012) de Gus Van Sant discute até que ponto a opinião pública se confunde com propaganda – as modernas estratégias de engenharia de opinião pública na qual as grande corporações têm gigantescos interesses financeiros. Muito dinheiro para ficarem à mercê do imponderável dos resultados eleitorais. Quanto dinheiro é necessário para simular uma discussão pública e democrática? Confrontado com a atual crise política brasileira, fruto da guerra hibrida e geopolítica do petróleo, “Terra Prometida” dá no quê pensar…

Terra Prometida (Promised Land, 2012) de Gus Van Sant é um daqueles filmes difíceis de serem resenhados sem incorrer em um grave spoiler. Isso porque, ao lado do filme Obrigado Por Fumar, é um indispensável e didático manual sobre engenharia de opinião pública. Um filme inadiável, principalmente na atual crise política brasileira e proximidade das eleições (?) desse ano.

Gus Van Sant nos mostra toda a democracia que o capitalismo pode inventar.

O principal indicativo da crítica e virulência de Terra Prometida foi a reação da crítica tanto internacional quanto brasileira: foi recebido como “um conto de fadas sentimental”, “fábula de valores”, uma estória sobre um “herói moral” na linha do otimismo dos filmes clássicos de Frank Capra. 

E nada sobre o cerne explosivo da narrativa: a manipulação da opinião pública de uma pequena cidade no interior dos EUA por uma gigantesca empresa de gás natural. Como uma estratégia de engenharia de opinião pública é capaz de criar os próprios interlocutores de um debate, para direcionar as opiniões no limite do horizonte de propósitos do manipulador. 

E o principal: como um debate público que deveria ser técnico-racional transforma-se em propaganda.

O problema é que discutir esse tema central de Terra Prometida faz a crítica incorrer num spoiler do tipo “o herói morre no final…”. Portanto, o leitor deve encarar o filme não apenas como uma narrativa ficcional, mas como aquilo que Umberto Eco chamava de “verdade parabólica” – enunciados que têm uma relação indireta com o mundo real, seja pelos simbolismos, metáforas ou alegorias.

 

Assim como em Obrigado Por Fumar. Mas como uma diferença na forma indireta de tratar o real – lá tínhamos uma paródia cínica sobre as estripulias de um relações públicas da indústria de tabaco. Em Terra Prometida, a alegoria dramática sobre o que é capaz de fazer uma gigantesca empresa do setor energético para criar um falso debate público para induzir o público a aceitar como fato consumado de que a cidade inteira vive sobre uma imensa fortuna em gás natural.

De que o gás é uma forma de energia limpa e sustentável. E de que a melhor coisa a fazer é aceitar o dinheiro oferecido para empresa e cair fora dali. Deixando para trás suas fazendas e memórias de uma vida inteira. Enquanto a empresa lucra numa arriscada técnica de prospecção que potencialmente pode envenenar as terras e rios de toda a região.

O Filme

Escrito pelos próprios atores protagonistas (Matt Damon e John Krasinski), a narrativa acompanha um predador corporativo chamado Steve Butler (Matt Damon), representante da gigantesca empresa Global Cross Power Solutions. Seu trabalho é correr pequenas cidades no interior dos EUA (cujas análises técnicas apontam a existência de jazidas de gás natural) para oferecer irresistíveis contratos de indenização.

Butler e a empresa sabem que essas cidades estão morrendo, incapazes de sobreviverem somente da agricultura. E de que a oportunidade de se tornarem milionários em troca das suas terras é irresistível. Mas a Global lucrará infinitamente mais, porém arriscando todo o meio ambiente com a polêmica técnica de “fracking” – faturamento hidráulico que extrai o gás com perfuração de alta velocidade aplicando água e produtos químicos. Mas com consequências potencialmente terríveis: gado envenenado ou, de repente, chamas jorrando da torneira da cozinha.

 

Mas, como Butler costuma dizer, “não sou um cara mau”: ele tem sentimentos contraditórios. Afinal, sua família perdeu tudo em uma pequena cidade que também faliu. Por isso, acredita nas supostas boas intenções da Global Solutions. De que na verdade é o mensageiro de boas novas para pessoas humildes endividadas e à beira de perder suas fazendas para os bancos.

Acompanhado de sua colega pragmática e cínica chamada Sue (Frances McDormand), partem para a cidade de McKinley no interior da Pensilvânia. 

Tudo seria mais uma missão de rotina de no máximo três dias: acenar com alguns milhares de dólares para caipiras endividados, ocultando a batata quente política e ambiental do “fracking”. Mas não esperavam encontrar em uma reunião pública com os moradores e o prefeito um professor de Ciências do ensino médio de uma escola pública chamado Frank Yates (Hal Holbrook): ele denuncia os riscos do fracking, levantando informações de uma simples busca no Google.

Butler tenta menosprezá-lo. Afinal, toda pequena cidade tem o seu cidadão mais bem informado. Mas, no fundo, são todos caipiras em suas botas e camisas xadrez flaneladas. 

Porém, Yates cria a dúvida, empurrando a decisão final para uma eleição após alguns dias para a cidade refletir. Aturdidos com a reviravolta, Steve e Sue voltam para o hotel para serem informados pela Global que Yates não é apenas um simples professor. Ele é um engenheiro e pesquisador do MIT (Massachussets Institute of Technology) aposentado, e que dá aula apenas por diversão.

 

Uma eleição era tudo o que não queriam – é mais fácil aliciar cada morador individualmente. E para piorar, chega na cidade um ativista ambiental chamado Dustin Noble (Johnny Cicco), representando uma ONG que parece seguir de perto as atividades escusas da Global.

Folhetos e cartazes mostrando o gado morto denunciando os prejuízos ambientais que a Global já causou em outros locais aparecem por toda cidade. E o pior: ele parece compartilhar o interesse de Steve em Alice (Rosemarie DeWitt), uma bonita e solteira professora.

Um espelho invertido

Dustin se transforma no espelho invertido do rival Steve: ele é o “cara mau” que representa um gigante corporativo. E Dustin é o “good guy” encantador, idealista, com uma mistura de conversa franca e blefe.

Terra Prometida deixa claro quem são os protagonistas do debate: o representante da Global Cross Power Solutions, o conhecimento técnico do professor Yates e o discurso ambientalista de Dustin. 

Quais as fronteira entre a opinião pública e a propaganda? Principalmente às vésperas de uma eleição decisiva não só para o futuro da cidade. Mas também para o emprego de Steve Butler.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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