Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Trem some em anomalia topográfica no metrô de Buenos Aires em “Moebius”, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Ao contrário dos filmes sci-fi que exploram os paradoxos temporais, o filme argentino “Moebius” (1996) explora os paradoxos espaciais, transformando-se numa espécie de thriller matemático. Inspirado na enigmática figura topológica da “fita de Möbius”, a narrativa interpreta-a como um portal dimensional, lembrando das origens sagradas da Geometria na antiguidade. Um trem desaparece no metrô de Buenos Aires. A rede do metropolitano ficou tão complexa que assumiu a forma da “fita de Möbius” – figura geométrica paradoxal que não possui o lado de “dentro” e de “fora”. Sem saber os engenheiros projetaram um portal por onde o trem passou. E ele continua viajando, invisível e prisioneiro de uma anomalia espacial.

Mais do que um filme de ficção científica, Moebius (1996) se inscreve na tradição do cinema fantástico argentino. O filme é baseado no conto de A.J. Deutsch de 1950 “A Subway Named Mobius” e no filme alemão homônimo rodado três anos antes, o que torna esse “Moebius” um remake. O que há de especial nesse filme é que, enquanto a ficção científica tradicional explora os paradoxos temporais, Moebius faz uma narrativa baseada no paradoxo espacial (topológico) da famosa “fita de Möbius”.

August Möbius (“Moebius” em espanhol) foi um matemático que no século XIX criou uma subdivisão na área da Topografia: a Topologia. Ele trabalhou com superfícies sem escalas ou dimensões, tratando superfícies elásticas que resistem a deformações de tal forma que todas as suas propriedades métricas e projetivas são perdidas. Sua principal contribuição foi o paradoxo espacial criado pela “fita de möbius”, uma figura paradoxal cujas propriedades abolem o principal de orientação (não possui o lado de “dentro” e de “fora” como uma fita normal). Sua convergência e continuidade formam um paradoxo espacial onde a torção cria uma fita de apenas um lado.

Essa figura espacial paradoxal e impossível de ser expressa por meio de uma equação inspirou trabalhos do artista plástico Escher e a exploração topológica do ego feita por Lacan (o descentramento do sujeito pela subversão do espaço explorado culturalmente pelas manifestações artísticas do século XX).

A Fita de Möbius ilustrada por Escher. 
Acima, numa versão animada para 
percebermos melhor o paradoxo espacial.

Além disso, a direção de Gustavo Mosquera e o coletivo de roteiristas (o filme foi produzido por alunos da Universidad Del Cine de Buenos Aires) acrescentaram o componente místico à narrativa: o neoplatonismo contemporâneo onde, ao contrário do platonismo clássico, cavernas, labirintos ou subterrâneos  não são mais vistos como alegorias da limitação da percepção humana. Ao contrário, são vistos como caminho para o contato com uma realidade superior separada da humana, isto é, o caminho para a transcendência (gnose).

O filme

Se no conto original de Deutsch tudo se passa na rede de metrô de Boston, em Moebius Mosquera transpõe a narrativa para o metropolitano mais antigo da América Latina: o de Buenos Aires. A rede de metrôs da cidade se torna tão gigantesca e intrincada que surge a necessidade da construção de uma linha perimetral para que todas as rotas se interconectem. Mas, em uma manhã, o trem UM-86 contendo entre 30 e 40 passageiros desaparece. Todas as tentativas de localizá-lo são inúteis.

A relação entre a construção dessa linha perimetral e o desaparecimento do trem é fundamental para a compreensão do paradoxo espacial e as suas implicações místicas e filosóficas. E, principalmente, o porquê dos funcionários nos túneis sentirem a presença e a vibração da composição fantasma, embora não consigam vê-la e nem para que direção vai.

O topógrafo Daniel Pratt, empregado da companhia responsável pela construção dos túneis, é enviado para resolver o enigma, o que o leva ao misterioso matemático desaparecido, o professor Mistein. Além de ter participado da construção da linha perimetral, deixou uma série de croquis, mapas e anotações com fórmulas e desenhos que conduzem à imagem da fita de Möbius. 

[spoilers a seguir] Em sua busca Pratt descobre que graças à linha perimetral a rede inteira passou a ter um grau de complexidade inusitada e que imita a estrutura de uma fita de Möbius. O trem fantasma está circulando em um plano dimensional indefinível e inconcebível, graças ao experimentalismo matemático de Mistein. 

O Platonismo Invertido

O texto narrado em off que abre o filme explicita o neoplatonismo ou platonismo invertido do pressuposto da narrativa:

“O metrô é sem dúvida o símbolo dos tempos atuais. Um labirinto onde em silêncio cruzamos com nossos semelhantes, sem saber quem são e de onde vêm. Centenas de plataformas no qual levamos para estabelecer um equilíbrio, analisar a situação e tentar olhar para além de um trem, uma mudança de vida. É um jogo estranho em que mergulhamos em túneis sem fim, sem perceber que cada transferência definitivamente muda o nosso destino. Com o metrô descobriu a máquina mais poderosa de olhar. Mas nunca imaginei que em breve ocorreria comigo”

Como já discutimos em postagem anterior (veja links abaixo) sobre a simbologia das cavernas, porões e metrôs no cinema, esses espaços sempre foram demonizados e apresentados como o espaço da manifestação do Mal: metrôs onde almas mortas se manifestam como hordas de sem-tetos (Ghost, 1990), porões e garagens como lugares de perigos e discórdia, onde sempre há um serial killer à espreita etc.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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