Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Tricô, lã e Alquimia no filme “Wool 100%”, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Um filme para os cinéfilos amantes do surreal e do estranho. “Wool 100%” (“100% Lã, 2006) do escritor/diretor japonês Mai Tominaga é uma curiosa comédia que combina a fábula gótica e fantástica com o humor negro repleto de simbolismos: duas irmãs idosas passam os seus dias acumulando objetos e sucatas em seu casarão, recolhidos e catalogados diariamente em uma pequena cidade japonesa. Até que encontram um cesto cheio de novelos de lã vermelha. Do emaranhando de fios surge uma jovem que tricota sem parar o próprio suéter que veste, para depois desfiar e recomeçar tudo de novo. A jovem intrusa dará início a uma complexa simbologia de transformação alquímica envolvendo a cor vermelha, tricô, infância, sexo e amor – simbolismo de libertação das protagonistas presas nas memórias do casarão, como fosse a cartografia das suas próprias mentes.

Como o leitor do Cinegnose pode ter percebido, o conceito de filme gnóstico muitas vezes tangencia com os “weird movies”, “filmes estranhos” – a combinação das ideias do maravilhoso e do fantástico com aquilo que é excêntrico, estranho ou incomum. Filmes que fogem na narrativa realista (verossimilhança) e que muitas vezes fundem live action, animações e iconografias surreais.

Enquanto o filme gnóstico mostra protagonistas em situações nas quais a familiaridades do cotidiano comum repentinamente se transforma em algo não-familiar, estranho e hostil, mostrando que por trás da conformidade cotidiana existe a paranoia e forças que não nos amam. Por isso, muitas vezes elementos do “estranho” (o maravilhoso, o fantásticos, o surreal e o bizarro) se cruzam com a ilusão que esconde a verdade.

O filme japonês Wool 100% (“100% Lã”, 2006) do escritor e diretor Mai Tominaga é um bom exemplo desses momentos de tangência entre o estranho e o gnóstico – uma impressionante e intrincada sequência de live action, animações e marionetes com desconcertantes efeitos, além de explorar elementos arquetípicos do gnosticismo alquímico.

Enquanto filmes gnósticos como Beleza Americana (1999) exploram simbolismos alquímicos dentro de uma narrativa realista (sobre o filme clique aqui), Wool 100% também explora essa simbologia, mas combinada com uma narrativa e visual mágico, surreal e muitas vezes bizarro.

 

Duas irmãs idosas vivem em uma mansão que mais parece uma casa de bonecas de um conto de fadas. Cada quarto transborda de tanto lixo e objetos que diariamente as velhinhas pacientemente colecionam – saem todos os dias para inspecionar os lixos das casas da localidade, selecionam e limpam meticulosamente os objetos para depois serem catalogados, um a um, em livros de contabilidade ilustrados.

O visual e atmosfera transitam entre o conto de fadas, o gótico, o fantástico e a comédia. Se Tim Burton fosse japonês, certamente faria um filme assim.

Até que em um belo dia, encontram uma cesta com novelos de lã vermelha e levam para casa. A partir daí, inicia-se a série de simbolismos alquímicos que transformará para sempre a vida daquelas irmãs.

Wool 100% é o típico filme para cinéfilos que amam o estranho e surreal. Além de somente ser encontrado em arquivos torrentes na Internet, principalmente em sites japoneses como o Xiepp. E legendas em inglês no site OpenSubtitles.com

O Filme

As irmãs idosas Ume-san (Kyôko Kishida) e Kame-san (Kazuko Yoshiyuki) vivem sozinhas desde pequenas quando a mãe as abandonou. Desde então, passam os dias acumulando no casarão onde moram objetos de toda sorte: relógios de parede, bonecos, abajures, futons e tudo o que se possa imaginar.

 

O filme abre com poucos diálogos, mostrando o cotidiano das irmãs: saem com carrinhos de feira e caminham pelas ruas, vielas e becos remexendo o lixo em busca de objetos significativos, interessantes ou raros. Levam para casa, limpam e pacientemente catalogam cada objeto numa espécie de livros-catálogo ilustrados onde desenham cada item encontrado.

A paz da rotina das velhinhas acaba quando levam para casa um cesto com vários novelos de lã vermelha. Repentinamente, em meio ao emaranhado dos fios, surge uma jovem mulher (Ayu Kitaura), tricotando um suéter. Desapontada com o resultado, dá um assustador grito, reclamando que terá que tricotar novamente: impacientemente desfia o suéter e começa a tricotar de novo diante das irmãs incrédulas.

Dão para a jovem o singelo nome de “Tricotar-Novamente”. Ela passa os dias tricotando sem parar. Ele a veste o próprio suéter que tricota, como se tricotasse a si mesma em um infinito ciclo vicioso. 

Quem é ela? Um fantasma? Uma garota perdida em busca de refúgio? Algo sinistro? Muitas ambiguidades marcam o início do filme – suspeitamos que até as próprias irmãs possam ser fantasmas presos naquele casarão em uma rotina compulsiva. 

Tudo o que podemos saber é que a chegada dela naquele casarão desencadeia uma série de flashbacks para as irmãs que têm seus próprios obscuros segredos envolvendo a mãe que as abandonou e um jovem por quem se apaixonaram na juventude.

 

Esses segredos foram profundamente enterrados naquele casarão desordenado. Será que a montanha de objetos e lixo acumulados foi uma forma das irmãs tentarem soterrar os traumas do passado?

Simbolismo PsicoGnóstico

Wool 100% vive inteiramente em um mundo de metáforas e simbolismos complicados. O tricô conecta a temas do sexo e do amor. Na infância ouviam falar que quando uma mulher faz tricô está invocando uma gravidez. Em um dos vários flashbacks vemos as irmãs se confrontando com a realidade biológica do sexo ao ler um livro que acham, solitárias após o abandono da mãe, no casarão.

O choque em saberem que a pequena história do tricô era uma mentira, faz elas viverem solitárias e soterradas por objetos na esperança da volta do jovem amado – na verdade ele era um negociante de objetos antigos porta-a-porta. Ele nunca mais voltou (provavelmente porque foi convocado a lutar na Segunda Guerra Mundial). Por isso, na esperança de um dia o jovem voltar, recolhem sucatas no lixo da localidade.

Solitárias e vivendo em uma rotina viciosa e compulsiva, o filme apresenta o casarão como fosse o próprio psiquismo das irmãs: estão presas dentro das suas próprias mentes, em seus traumas. Nesse aspecto, Wool 100% desenvolve esse elemento PsicoGnóstico: o protagonista prisioneiro em uma realidade criada pela própria mente.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

2 Comentários

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  1. Boa dica

    Nunca tinha ouvido falar do filme (adoro filmes asiaticos, principalmente os japoneses e coreanos), vou tentar ver esse ai. Valeu, Wilson. Bem provavel que o eterno tricotar tenha a ver – também – com as coisas mal resolvidas em nossas vidas. Eita!:)

    1. Dia desses, tava zapeando alguns canais

      e me deparei com o filme tailandês Mary está felz, Mary está feliz. Cinema experimental que pode parecer chato para alguns, mas que prende a atenção (pelo menos a minha) pelo inusitado e pela forma narrativa diferente do habitual. Como descoberta, vale a pena dar uma conferida.

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