Um presente do GGN: gravações caseiras de João Gilberto

Ai vai um presente especial para os leitores do GGN: as gravações de João Gilberto na casa de Chico Pereira.

Mais de dez anos atrás, Chico Pereira tentou lançar um CD com essas gravações, feitas em sua casa antes do lançamento do Chega de Saudade.

Nela está a síntese da formação musical de João, desde as composições incluídas mais tarde no LP Chega de Saudade, aos sambas-choros dos anos 40, como “Nos braços de Isabel”, às serestas, como “Chão de Estrelas”.

João proibiu a divulgação e Chico Pereira, em um momento de raiva, disponibilizou por meio dia na Internet. Consegui baixar antes que retirasse novamente.

Ai vai para vocês.

 

Luis Nassif

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  1. A Felicidade
    Corria o ano de 1959, antes, quase junto, o de 1958, A Felicidade chegava com João e nos alcançava, rodando na vitrola o pequeno 78 na sala da casa de vila do subúrbio da Central do Brasil. Extasiados, ouvíamos e sonhávamos e, assim, intuímos, com João, que poderíamos ser felizes. Poderíamos. O Brasil, com S, existia fora das amarras do dito Pan-Americanismo, com o velho Tio Sam – o mesmo que chegava na Revista do Pato Donald – ao centro do teatro de marionetes (república de bananas era como o Tio Patinhas, um dos personagens da revistinha, chamava nosso país), e ganhava o mundo com Orfeu Negro, lindo filme – e a França, berço da cultura ocidental, se curvara – e também às músicas lindas vindas de Vinícius, Tom, Bonfá, Agostinho. João. E já tínhamos Cartola, Nelson Cavaquinho, João do Vale, revelados somente após a bossa nova do asfalto abraçar o samba dos becos da favela, fazendo a síntese necessária do que hoje é nossa MPB. Prá que isso acontecesse foi preciso ter Opinião. Havíamos sido campeões do mundo, com meninos nascidos nos morros e nas varzeas dando show de bola e sendo cumprimentados por um Rei de louros cabelos e olhos azuis. O da Suécia. Um outro Rei – o do Futebol – nascia ali. E era negro e se chamava Pelé. E além dele havia Garrincha prá nos alegrar com suas pernas tortas de dribles perfeitos… porque nada é 100% cartesiano nesta vida e os gringos nada sabiam disto. Cesar Lattes já havia descoberto o meson pi no início da década e não levara o Nobel porque não se sabe. Se imagina. Juscelino governava. Tinha metas das quais nos falava na televisão de avançar cinquenta anos em cinco; era um dito CEO – como se diz nos dias de hoje dos gerentes modernos de grandes empresas multinacionais – de um país que se lançava, inovador. O petróleo já começava a brotar lá pela Bahia e Walter Link – geólogo norte-americano renomado – disse que não aqui, no Brasil, nada havia, mas havia e há e, além da Bahia, o ouro negro também já começava a escoar pra Sergipe; incontida riqueza que hoje se esparrama da terra ao mar. E disso se precisa cuidar, antes que o mar polua, antes que se acabe ou que nos roubem. Chateaubrian era o dono de tudo que falava, se via, se escrevia, que se ouvia. Bloch ameaçava com melhor qualidade, pela cerca externa, mas Marinho deu o golpe final e fechou a banca com os “três conhecidos macaquinhos” na qual “não se ouve, não se fala, não se vê” no Brasil o que a Rede Globo não quer que a gente ouça, que a gente veja, que a gente leia. Que a gente entenda, enfim. Crianças das escolas públicas visitavam a Radio Roquette Pinto como premio por bons estudos e de lá se via o mar. E este era azul na união com céu por mais azul e somente barquinhos de brancas velas podiam estabelecer os domínios do céu e do mar em seus movimentos lentos como os guiados pelos ventos, à tardinha como na música. Como a pluma. Como A Felicidade que não morava ao lado, mas já morava aqui. João nos falou que ela ( A Felicidade) é como a pluma – sempre foi e sempre será- linda e sabiamente como nos disse João. Livre, leve e solta, é A Felicidade em sua vida breve. Esta é sina. Obrigada, João, por você ter entrado em nossas casas de subúrbio, nos nossos tempos de criança, com sua voz desafinada, com o som de seu violão. Agora, João, chegou a hora de você contar novamente nuvens de carneirinhos pra depois dormir – e sonhar – nos galhos mais altos das árvores que sobem ao céu onde só as plumas chegam. Os passarinhos já estarão lá, esperando você, prá junto cantar.

    https://www.youtube.com/watch?v=8XKqpu7JODI

    Faixa 1 – João Gilberto ‎- Cantando As Musicas Do Film Orfeu Do Carnaval – 1959 A Felicidade (Antonio Carlos Jobim, Vinicius De Morais) Tristeza não tem fim Felicidade sim

    A felicidade é como a pluma Que o vento vai levando pelo ar Voa tão leve Mas tem a vida breve Precisa que haja vento sem parar A felicidade do pobre parece A grande ilusão do carnaval A gente trabalha o ano inteiro Por um momento de sonho Pra fazer a fantasia De rei ou de pirata ou jardineira e tudo se acabar na quarta feira Tristeza não tem fim Felicidade sim Tristeza não tem fim Felicidade sim A felicidade é como a gota De orvalho numa pétala de flor Brilha tranquila Depois de leve oscila E cai como uma lágrima de amor A minha felicidade está sonhando Nos olhos da minha namorada É como esta noite Passando, passando Em busca da madrugada Falem baixo, por favor Prá que ela acorde alegre como o dia Oferecendo beijos de amor Tristeza não tem fim Tristeza não tem fim Tristeza não tem fim Tristeza não tem fim Tristeza não tem fim Tristeza não tem fim

  2. A Felicidade

    Corria o ano de 1959, antes, quase junto, o de 1958, A Felicidade chegava com João e nos alcançava, rodando na vitrola o pequeno 78 na sala da casa de vila do subúrbio da Central do Brasil. Extasiados, ouvíamos e sonhávamos e, assim, intuímos, com João, que poderíamos ser felizes. Poderíamos. O Brasil, com S, existia fora das amarras do dito Pan-Americanismo, com o velho Tio Sam – o mesmo que chegava na Revista do Pato Donald – ao centro do teatro de marionetes (república de bananas era como o Tio Patinhas, um dos personagens da revistinha, chamava nosso país), e ganhava o mundo com Orfeu Negro, lindo filme – e a França, berço da cultura ocidental, se curvara – e também às músicas lindas vindas de Vinícius, Tom, Bonfá, Agostinho. João. E já tínhamos Cartola, Nelson Cavaquinho, João do Vale, revelados somente após a bossa nova do asfalto abraçar o samba dos becos da favela, fazendo a síntese necessária do que hoje é nossa MPB. Prá que isso acontecesse foi preciso ter Opinião. Havíamos sido campeões do mundo, com meninos nascidos nos morros e nas varzeas dando show de bola e sendo cumprimentados por um Rei de louros cabelos e olhos azuis. O da Suécia. Um outro Rei – o do Futebol – nascia ali. E era negro e se chamava Pelé. E além dele havia Garrincha prá nos alegrar com suas pernas tortas de dribles perfeitos… porque nada é 100% cartesiano nesta vida e os gringos nada sabiam disto. Cesar Lattes já havia descoberto o meson pi no início da década e não levara o Nobel porque não se sabe. Se imagina. Juscelino governava. Tinha metas das quais nos falava na televisão de avançar cinquenta anos em cinco; era um dito CEO – como se diz nos dias de hoje dos gerentes modernos de grandes empresas multinacionais – de um país que se lançava, inovador. O petróleo já começava a brotar lá pela Bahia e Walter Link – geólogo norte-americano renomado – disse que não aqui, no Brasil, nada havia, mas havia e há e, além da Bahia, o ouro negro também já começava a escoar pra Sergipe; incontida riqueza que hoje se esparrama da terra ao mar. E disso se precisa cuidar, antes que o mar polua, antes que se acabe ou que nos roubem. Chateaubrian era o dono de tudo que falava, se via, se escrevia, que se ouvia. Bloch ameaçava com melhor qualidade, pela cerca externa, mas Marinho deu o golpe final e fechou a banca com os “três conhecidos macaquinhos” na qual “não se ouve, não se fala, não se vê” no Brasil o que a Rede Globo não quer que a gente ouça, que a gente veja, que a gente leia. Que a gente entenda, enfim. Crianças das escolas públicas visitavam a Radio Roquette Pinto como premio por bons estudos e de lá se via o mar. E este era azul na união com céu por mais azul e somente barquinhos de brancas velas podiam estabelecer os domínios do céu e do mar em seus movimentos lentos como os guiados pelos ventos, à tardinha como na música. Como a pluma. Como A Felicidade que não morava ao lado, mas já morava aqui. João nos falou que ela ( A Felicidade) é como a pluma – sempre foi e sempre será- linda e sabiamente como nos disse João. Livre, leve e solta, é A Felicidade em sua vida breve. Esta é sina. Obrigada, João, por você ter entrado em nossas casas de subúrbio, nos nossos tempos de criança, com sua voz desafinada, com o som de seu violão. Agora, João, chegou a hora de você contar novamente nuvens de carneirinhos pra depois dormir – e sonhar – nos galhos mais altos das árvores que sobem ao céu onde só as plumas chegam. Os passarinhos já estarão lá, esperando você, prá junto cantar.

    https://www.youtube.com/watch?v=8XKqpu7JODI

    1. ADEUS A JOÃO
      A morte de João Gilberto me entristeceu muito, não somente pelo que ele representa para a música, mas porque ele vinha da época de um Brasil da esperança. Mesmo com toda a pobreza e diferenças sociais, não se respirava o ódio que existe atualmente. Era a época da fundação de Brasília, do país do futuro, de um JK democrático. Claro que tínhamos enraizado o complexo de vira-latas, mas ansiávamos um futuro promissor. Agora, não. Somos desalentados, nos tornamos cada vez mais um país de desalentados, onde impera a mentira, a corrupção das ideias, a morte dos ideais, o abandono da ciência e da educação, um apreço pelo obscurantismo que não tem paralelo em nossa história. Vemos crescer a barbárie de forma assustadora e o monstro que a alimenta está ao nosso redor, em nossos familiares, no dono do boteco da esquina, nas igrejas, em toda a gente que acredita que esses dementes instalados no poder querem algo mais do que vantagens para si e para seu grupelho.
      Desculpem pelo desabafo, mas eu acreditava que daríamos continuidade ao progresso social sem retrocesso, que cresceríamos em consciência e conhecimento. Estamos reagindo, mas sem dúvida, fomos pegos de surpresa.

  3. Vai João Gilberto e deixa a sua saudade
    É com ela, que vamos te viver
    Vai, João Gilberto, sua partida é perdoada
    Porque tão linda assim, não existe
    E nem mesmo o amor existe
    Se o resultado é solidão

    Vou te contar João Gilberto
    Nós somos mais você e sua música
    E todos os nossos ouvidos são privilegiados
    Pelos ouvidos afinados que Deus lhe deu
    Nossos olhos já não podem te ver
    Porém, no céu é mais uma estrela a contar

    E é tudo apenas o que Deus lhe deu
    O resto é Terra, o resto é Mar

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