Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Videocassete, controle remoto e as oportunidades perdidas

O DVD passou e já estamos na geração do Blu-Ray. Mas parece que no Brasil ninguém entendeu as potencialidades de antigos dispositivos tecnológicos como o controle remoto e o finado videocassete. As promessas do controle remoto de “se livrar de comerciais chatos” graças à “magia negra da eletrônica”, como era divulgado o novo dispositivo na década de 1950, se equivalem às perspectivas de que o videocassete era a “libertação do vídeo” e que transformaria o espectador no “senhor da TV” na década de 1980. Muitas teorias conspiratórias sustentam que foi muito conveniente para o monopólio televisivo da Rede Globo que tais inventos não fossem compreendidos na sua plenitude pelo telespectador. Com a possibilidade de gravações programadas que o videocassete oferecia, certamente a grade de programação da Globo (introjetada tão profundamente no psiquismo do brasileiro que foi capaz de diminuir a taxa de natalidade) certamente sofreria grande impacto. Mas essa oportunidade foi perdida.

O ano era 1972. Após o sucesso editorial do Manual do Escoteiro Mirim (publicação infantil inspirada na atividade do escotismo dos sobrinhos do pato Donald, Huguinho, Zezinho e Luizinho), a editora lançava o Manual do Professor Pardal no qual eram contadas as histórias de muitas invenções, sempre ilustradas pela presença do simpático personagem da galeria Disney.

Folheando as coloridas páginas com várias curiosidades do mundo dos inventores e invenções, a certa altura deparamo-nos com um pequeno texto sobre o videocassete, até então uma invenção recente da Sony e introduzida no mercado norte-americano um ano antes. O texto sobre o novo dispositivo tecnológico tinha um tom futurista e revolucionário que prometia mudar a televisão tal como até então se conhecia:

“O videocassete é para a televisão a mesma coisa que a fita magnética é para o rádio. Ele permitirá que as pessoas escolham na hora seu próprio programa de TV: bastará que liguem os terminais adequados do aparelho a uma máquina (do tamanho da máquina de escrever) que gravará o cassete. Para se reproduzir as imagens faz-se ligação entre essa máquina e o aparelho de TV devidamente adaptado. Ao ser ligada a máquina, as imagens, que na fita cassete estão representadas por sinais magnéticos, aparecerão na tela do televisor. O equipamento servirá também para as pessoas gravem suas próprias videofitas em casa para passá-las no televisor. Em futuro próximo, o aparelho de TV poderá estar ligado a uma loja de cassetes. A pessoa então escolherá, entre milhares de títulos, simplesmente discando um determinado número, um teledial. A videofita escolhida aparecerá na tela, dentro de casa, e a conta virá no final do mês, junto com a do gás e da luz” (Manual do Professor Pardal, São Paulo: Editora Abril, 1972, p. 124).

Manual do Professor Pardal: o tom futurista
e otimista do videocassete

Na década anterior a TV Excelsior já havia introduzido na televisão brasileira o conceito de grade de programação horizontal (em que o programa é apresentado no mesmo horário todos os dias) e vertical (em que a atração que sucede a anterior visa manter o público fiel ao programa) e a TV Globo começava a construir seu monopólio através de telenovelas como Selva de Pedra que já alcançavam picos de 100% de audiência.

Nesse pequeno e ingênuo exercício de futurologia em uma publicação infantil já estava latente a possibilidade de mudança drástica na relação entre a TV e o telespectador – abandonar a passividade e tornar-se dono da sua própria programação, gravando os programas favoritos e determinando o melhor horário para vê-los. Uma mudança tão drástica que poderia ameaçar o precioso conceito de grade de programação (razão da existência comercial da TV e da inserção publicitária) e do próprio monopólio político da Rede Globo.

Controle remoto: a promessa
do espectador se tornar o “senhor da TV”

Com o controle remoto não foi diferente. Inventado mais de uma década antes com o primeiro modelo com fio chamado de “Zenith Space Lazy Bones” (“ossos preguiçosos”, numa referência à conveniência de trocar de canais sem se levantar da poltrona) já prometia “fugir de comerciais chatos” e o maravilhoso poder de “trocar os canais através do espaço da sala” através da “magia negra da eletrônica”.

A história dessas duas invenções que abriam a perspectiva do telespectador tornar-se “dono da sua TV” e libertar-se dos restritos horários das emissoras é interessante e curioso: demonstra como as décadas se sucederam e, principalmente no caso brasileiro, os usuários não compreenderam o alcance transformador e até político desses dispositivos tecnológicos. As pessoas se limitaram nas funções mais básicas como troca de canal e efeito zapping no caso do controle remoto e “play”, “stop” e “eject” no caso do videocassete – para desespero das locadoras, a função “rewind” (rebobinar) era simplesmente ignorada.

Se nos EUA o controle remoto e o videocassete resultaram em grandes mudanças nos hábitos televisivos prejudicando a audiência das três grandes redes de TV que eram as únicas opções da telinha (CBS, ABC e NBC), no Brasil as coisas foram muito diferentes.

Desde o Golpe Militar de 1964 era evidente que o projeto político do novo regime envolvia a concentração midiática televisiva. Este monopólio implicou na decadência de outras mídias (inclusive mais críticas ao regime militar) como cinema e teatro, tornando a TV a única mídia formadora da identidade e consciência nacionais. No caso dos jornais, revistas e livros, as conseqüências foram perniciosas para a cultura: com o monopólio televisivo não só no mercado publicitário, mas também no psiquismo do brasileiro, o hábito de leitura torna-se cada vez mais rarefeito nas gerações pós-64.

E apesar das novas tecnologias como a Internet, a TV continua sendo a principal fonte de informação para o brasileiro segundo a Pesquisa Brasileira de Mídia 2014 realizada pela Secretaria da Comunicação da Presidência da República (Secom) e Ibope – sobre essa pesquisa clique aqui. Por que no Brasil dispositivos como o controle remoto e o videocassete não foram assimilados em toda a sua potencialidade? Se fosse o contrário, certamente resultaria em sério abalo a esse projeto brasileiro de concentração midiática e comercial na TV.

Controle remoto e zapping

Quando surgiram os primeiros modelos de controle remoto na década de 1950, havia uma expectativa positiva em relação aos benefícios que traria à evolução da televisão. Acreditava-se que o aumento de poder de comutação nas mãos do espectador o tornaria mais exigente em termos de qualidade. Isso forçaria os canais concorrentes a melhorar a qualidade das suas atrações para manter a fidelidade do espectador. Mas não contavam com um efeito colateral imprevisto: o chamado “efeito zapping”.

Mudou-se para sempre a relação do espectador não só com a televisão, mas com todas as mídias (o diretor inglês Peter Greenway, por exemplo, sempre afirmou que “o cinema morreu em 1983 com o início do efeito zapping”): a relação passou de referencial (a busca e escolha de uma atração ou narrativa para assistir) para lúdica – não se trata mais de buscar uma narrativa para ser contemplada do começo ao fim, mas de muda de canal sob qualquer pretexto (comerciais, queda de ritmo etc.). Não mais assiste a programas inteiros, nem acompanha mais histórias completasEle salta continuamente, em pouco tempo ele aprende a assistir qualquer coisa por amostragem.

O efeito zapping fez a TV alterar seu ritmo e linguagem para manter a atenção do espectador, revertendo os supostos benefícios do dispositivo. Por isso, o comportamento zapeante foi um duro golpe na exatidão dos índices de audiência.

Mas no Brasil uma série de fatores minimizou esse impacto: o monopólio televisivo da Rede Globo implementado pelo projeto político do regime militar, a forma como a grade da programação da Globo enraizou-se no dia-a-dia do brasileiro (em muitos lugares, até hoje, compromissos são marcados antes ou depois das novelas ou ainda a queda da natalidade dos brasileiros na medida em que a grade horária se impôs ao bioritmo do brasileiro – sobre isso leia “Novelas provocam queda de natalidade no Brasil”, diz estudo). Ou ainda a entrada tardia do controle remoto no mercado nacional, que além de tudo encarecia o custo dos televisores.

Muitas teorias conspiratórias ainda sustentam que propositalmente a TV Globo não veiculava anúncios de TVs com controle remoto ou, pelo menos, omitia a presença desses dispositivos nos novos aparelhos. Corrobora com essas teorias o fato de que com a entrada da TV por assinatura no País (que poderia incentivar o efeito zapping com a multiplicação do número de canais disponíveis) a Rede Globo praticamente “sentou” no mercado para evitar sua expansão. Era necessário garantir a concentração das verbas publicitárias na TV aberta, que ainda podia contar com fidelidade psíquica do espectador à grade tradicional de programação – novela das 7 / Jornal Nacional / novela das 9 /entretenimento / futebol ao vivo.

Por isso, pelos menos duas gerações se passaram sem compreender a oportunidade oferecida pelo controle remoto de, pelo menos, ameaçar um projeto midiático que ainda persiste, herança do regime militar de 1964 a 1985.

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

3 Comentários

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  1. E precisa-se de contrôles remotos ?

    A invenção da Zenith, bem como a entrada no segmento televisivo, das operadoras de canais fechados, que em alguns casos, nem veiculam comerciais, foram insuficiente porem, para que estas duas gerações citadas pelo comentarista, que teriam perdido a grande oportunidade de “livrar-se” do monopólio da Rede Globo, que ao contrário do que deveria fazer, informar, formar opiniões e distanciar-sede tomar partido, vem tentando a cada dia mais, escravisar os telespectadores, à sua programação, que se não é de toda deseducadora, está porem a kms. de distancia, de ser uma emissora responsável, muito pelo contrário.

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