Viva Tom Jobim!, por Carlos Ernst Dias

Foto Agência Estado

Viva Tom Jobim, por Carlos Ernst Dias

Fosse vivo, Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim faria hoje 92 anos de idade. Trata-se não apenas de um grande compositor brasileiro, cujas canções ganharam o mundo pela sua “graça e originalidade”, como já disse alguém a respeito, mas também de um grande conhecedor do Brasil e de suas essências, pensador e intérprete das coisas profundas do nosso país.

Muitos o conhecem apenas como mais um dos compositores da bossa nova, que em março de 2019 completa 60 anos, desde que a gravadora Odeon lançou o LP Chega de Saudade em 1959, com João Gilberto na voz e violão e arranjos e piano de Jobim. O que muitos não sabem é que Tom Jobim veio de antes, e se projetou para muito depois da bossa nova, sempre se renovando e explorando sonoridades que viriam a marcar a sensibilidade musical de muitas gerações. O “antes” do qual apareceu Tom Jobim foi o extraordinário momento cultural vivido pelo país após a queda de Getúlio em 1945 e o golpe de 1964. Nestes 19 ou 20 anos, como se sabe, houve uma efervescência cultural e intelectual em nosso país, e na área da Música, uma vastíssima e dinâmica produção envolvendo maestros, arranjadores, instrumentistas, cantores e cantoras, empregados em rádios de diversas capitais do Brasil. Aí neste ambiente atuavam os maestros Radamés Gnatalli e Leo Peracchi, dois dos principais influenciadores do jovem Antônio Carlos Jobim.

Nos anos 1950, algumas pequenas gravadoras brasileiras exploraram discos de perfil mais cultural e menos comercial. Entre estas, havia o selo Festa, do jornalista Irineu Garcia, que resolveu lançar discos de poesia na voz dos próprios poetas, como Vinicius de Moraes e o chileno Pablo Neruda. Nessa toada é que apareceu em 1958 o disco Canção do Amor Demais, lançado pelo selo Festa e composto por canções de Jobim e Vinícius cantadas pela cantora Elisete Cardoso, no qual se ouve pela primeira vez o violão de João Gilberto em duas faixas, Outra Vez e Chega de Saudade. Ocorre que essas pequenas gravadoras como a Festa viriam a ser bombardeadas pela indústria fonográfica nmultinacional, muitas delas tendo sido literalmente saqueadas no que diz respeito ao registro de obras e recolhimento de direitos autorais. Muito dessas histórias ainda estão por ser pesquisadas e contadas, mas o fato é que o Brasil possuía um mercado fonográfico dinâmico e com pelo menos duas grandes gravadoras, Continental e a Copacabana, e diversas outras de pequeno porte.

Quando Jobim foi aos Estados Unidos pela primeira vez, em novembro de 1962, sua música já estava lá, e rendendo muitos dólares àqueles tantos que se apropriaram das canções brasileiras, culminando com o enorme sucesso de Garota de Ipanema, lançada em 1963. O compositor passaria quase toda a década de 60 nos EUA, e se consagraria com a participação em programa de TV ao lado do cantor Frank Sinatra em 1967.

Todo esse sucesso internacional não fez com que o artista abrisse mão do Brasil e de suas brasilidades. E este é o “depois” da bossa nova para Tom Jobim, quando o músico voltaria ao país e passaria a compor inspirado em bichos e florestas da Mata Atlântica, resultando em canções como Boto, Passarim, Urubu, Matitaperê, Correnteza, Chovendo na Roseira e muitas outras.

É importante lembrarmo-nos de Antônio Carlos Jobim e de sua obra neste momento em que o país parece se desconectar de suas essências, mais uma vez.  Sua obra traça um arco de continuidade nas muitas discussões acontecidas no século XX sobre a “música brasileira”, das quais fazem parte tanto Mário de Andrade e Villa-Lobos como Edu Lobo e Chico Buarque. Suas canções nos conectam com a terra, com os rios, com as praias e com as chuvas, não nos deixando esquecer que somos brasileiros.

 

Redação

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