Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Xamanismo, viagem no tempo e fenômenos quânticos em “Tiempo Muerto”, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

O filme argentino “Tiempo Muerto” (2016) é mais uma incursão do cinema atual no tema da viagem do tempo, mas por um viés bem particular – loops temporais e paradoxos como obstáculos para a “segunda chance” que possa alterar a linha do tempo. Inconformado com a morte da sua esposa, o protagonista contrata um “tempo morto” – um estranho ritual que envolve xamanismo, ocultismo e fenômenos quânticos. Tempo, psiquismo e memórias são contínuos que esbarram em um traço da natureza humana: a compulsão a repetição. Sem conseguirmos seguir em frente, ficamos neuroticamente fixados em experiências de prazer ou dor no passado, repetindo a cena do trauma. Quem sabe pensando que um dia o Titanic não afunde.

Psiquismo, tempo e memória são conceitos indissoluvelmente conectados. São contínuos, ligados por uma mesma natureza: a repetição.

Lá na antiguidade grega, os filósofos estoicos propunham uma repetição do mundo – o mundo se extinguirá numa conflagração ardendo em fogo para tudo ser reconstruído para depois se repetir da mesma forma.

Nietzsche também incorporou essa ideia ao acreditar que estamos sempre presos a um número limitado de eventos: por exemplo, guerras e epidemias se repetiriam no futuro assim como ocorreram no passado. Como a História não tem objetivo e finalidade, tudo tenderia a se repetir. Nietzsche denominou isso como “eterno retorno”.

Além de médico psiquiatra, Freud também era um costumeiro leitor de filosofia: a ideia de eterno retorno nietzschiana está no centro da concepção de trauma e neurose concebidos pela psicanálise –  nossa vida inteira pode estar determinada por certos eventos traumáticos da primeira infância (localizados nas famosas fazes do desenvolvimento do psiquismo: oral, anal e genital). 

Simplesmente não conseguimos seguir em frente, condenados a viciosamente repetir experiências de prazer e dor pelo restante da vida, variando apenas as situações, narrativas e instrumentos – perversões, compulsões, impulsividades, obsessões etc.

Mas essa natureza viciosa humana ganhou seu ponto de viragem no século XX quando o seu sobrinho, Edward Bernays, transformou essa descoberta filosófica e psicanalítica em instrumento de manipulação de massas nos EUA através das relações públicas, publicidade e sociedade de consumo – repetição, compulsividade e vício instrumentalizadas para objetivos políticos (engenharia de opinião) e mercadológicos (exploração das fantasias no consumismo).

Na cinematografia recente o tema da repetição começa a ser desenvolvido no outro lado da moeda do psiquismo: o tempo. A repetição através de loops temporais, armadilhas do tempo, repetições entre universos alternativos, mas não como estrutura – mas agora decorrente da viciosidade neurótica (culpa, obsessão etc.) do protagonista.

A tendência do loop temporal

O filme argentino Tiempo Muerto se inscreve nessa tendência que mais ou menos podemos localizar o início com Os 12 Macacos (1996), e a retomada atual desse eterno retorno temporal com The Discovery (2017), Arq (2016), Donnie Darko (2001), série 12 Monkeys (2015-) entre outros. 

A pergunta que transpassa o filme e atormenta a mente do protagonista é: “Se você tivesse a oportunidade de rever a pessoa que você mais ama já falecida, o quê diria para ela?”. Aproveitaria a oportunidade para se despedir dignamente com palavras de amor e inspiração? Ou tentaria por todas as formas reverter a linha do tempo para impedir o dia da morte fatal? Permitiria a pessoa amada seguir em frente, assim como você mesmo?

Filmes como Efeito Borboleta já alertaram sobre a possibilidade da criações catastróficas de linhas do tempo alternativas infinitas. Mas Tiempo Muerto explora o risco de ficarmos prisioneiros em um loop temporal. Assim como nos tornamos prisioneiros em nosso psiquismo na compulsão e repetição neuróticas freudianas.

Nietzsche chamava de “eterno retorno” e Freud de “neurose”. No filme argentino chama-se “tempo morto”.

O Filme

A narrativa nos conta as desventuras de Franco (Guillermo Pfening). Para começar, como perda sua mulher, uma jornalista chamada Julia (María Nela Sinisterra), em um atropelamento logo após sair de casa para o trabalho. 

Em meio à comoção do funeral, Franco recebe um telefonema de outro jornalista, Luis Ayala (Luis Luque), que suspeita de que a morte de Julia não foi acidental – ela estaria envolvida com uma pesquisa sobre algo parecido com uma seita.

Mexendo nos pertences de Julia, Franco encontra um diário com estranhas descrições sobre ocultismo, conhecimentos arcanos e referências a um ritual chamado “tempo morto” que permitiria aos vivos reencontrar com os mortos em uma determinada etapa das suas vidas por meio de lembranças através de fotografias. Para, então, ter a breve oportunidade de dizer as últimas palavras e despedir-se do ente ou conseguir revelações sobre questões jamais respondidas em vida.

Através das pistas do diário, Franco chega a uma livraria especializada em publicações esotéricas que o conduzirá a um outro contato, uma senhora chamada Ada – ela é uma intermediadora para pessoas interessadas em contratar o “tempo morto”: um estranho ritual com toques indígenas xamânicos misturados com o fenômeno quântico da dobra do tempo e do espaço.

 

Por isso o diretor Víctor Postiglione rodou o filme na Colômbia com grande número de atores locais. Para ele, as raízes xamânicas daquela cultura enriqueceria bastante o projeto. 

A ideia do diretor para o filme foi autobiográfica: “tudo surgiu a partir de um sonho em que reencontrava com meu falecido pai, para quem dizia coisas que em vida não pude”.

Por isso Postiglione passou a pesquisar demonologia, astrologia, ritos pagãos e mesclar tudo isso com fenômenos quânticos – uma espécie de viagem no tempo xamânica através das memórias.

Memórias e viagem no tempo – aviso de spoilers à frente

Assim como o filme The Discovery (2017 – clique aqui) converge o tema da vida após a morte e a viagem no tempo, também em Tiempo Muerto há essa conexão, porém uma pista narrativa falsa para o espectador. O filme é essencialmente uma discussão sobre a possibilidade da viagem no tempo através das memórias.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

3 Comentários

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  1. adoro filmes do tipo……………………

    adoro duvidar se é o corpo que gera a………………………………………consciência

    ou que uma vez desagregado, como tudo no universo, ela migra para outra forma de expressão e continua

    se desenvolvendo cada vez mais sem tempo e sem espaço…………………………………..ou sem delimitações

    começo, meio e fim

    adoro esperar pelo filme que irá resgatá-la do ano santo de 2030 sem que seja humanamente possível posicioná-la em qualquer outro pelo qual já passamos…………………………………..ou não vivemos

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