A Academia e o Marco Legal, por Frederico Firmo

Por Frederico Firmo

A recente colocação do presidente da ANDES traz sem dúvida muitas questões pertinentes sobre o Marco Legal da Ciência e Tecnologia . Porem é importante deixar claro que este marco não foi engendrado apenas nos gabinetes do planalto e nem por membros de um partido. Este marco legal foi fruto de manifestações e consultas a membros renomados da comunidade científica e tecnológica. Isto não dá nem legitimidade nem lhe dá um caráter totalmente democrático, mas chamo atenção sobre isto pois a comunidade acadêmica tem que se responsabilizar pelo que faz.

Mas é importante frisar que muitas vezes parcelas desta comunidade utilizam a sua legitimidade científica para defender seus interesses mais pontuais. Muitos dos aspectos deste Marco Legal refletem os conflitos existentes hoje na Universidade e também refletem as relações de hoje entre Universidade e Indústria.

A Universidade tem crescido no entorno da pesquisa científica de qualidade. Para comprovar isto basta consultar os diversos relatórios de pesquisa das Sociedades científicas do CNPq, CAPES etc… Apesar da critica e do sempre presente muro das lamentações, a comunidade científica cresceu muito nos últimos anos e teve um aumento significativo nas suas verbas públicas. Por outro lado, nos setores mais próximos à tecnologia cresceu a pesquisa tecnológica de qualidade e também cresceu a prestação de serviços e a consultoria. A princípio, o contato com a produção e com a indústria pode ser vista como positiva e necessária, porém, o papel da pesquisa e desenvolvimento na indústria não cresceu como nas Universidades. Seria interessante se ter dados sobre as indústrias e empresas que investem em pesquisa e em inovação tecnológica, que é um termo pouco compreendido. Esta ausência de pesquisa e inovação nas indústrias cria uma lacuna muito grande.

Da pesquisa básica, à pesquisa tecnológica, desta à criação de algo inovador, e a posterior transformação disto num produto viável industrial e comercialmente, exige uma cadeia de conhecimentos e esta cadeia exige uma massa crítica nas universidades e na indústria. No entanto nossa indústria raramente possui setores de desenvolvimento e pesquisa. No momento muitas delas importam uma tecnologia sofisticada , criada no exterior. A falta de quadros preparados faz com que esta indústria busque na Universidade pessoas que compreendam estas novas tecnologias. Porém , em geral buscam apenas a consultoria ou a resolução de problemas de utilização ou adaptação desta tecnologia e ou resolução de problemas particulares da produção.

Em muitas ocasiões a indústria quer executar testes e ou análises de problemas específicos utilizando laboratórios equipamentos da Universidade. Equipamentos que em geral ela não compra nem mantém. Uma averiguação mostraria que pouquíssimos convênios e projetos firmados entre empresas e Universidade são de fato associados a pesquisa e desenvolvimento.( As exceções ficam com estatais que possuem em seus quadros pesquisadores, por exemplo a Petrobrás, Embrapa , Nuclebras, etc…)

Consultoria ou prestação de serviços não é pesquisa tecnológica embora, às vezes, possa trazer uma pequena inovação, ou uma melhoria na produção e ou na qualidade. No momento se vê um crescimento muito grande desta atividade dentro das universidades, isto tem inclusive gerado novos interesses e também novos órgãos como fundações. As exigências de uma indústria também têm gerado conflitos com atividades acadêmicas. A relação com a indústria gera naturalmente um conflito entre duas formas distintas de administrar. A administração pública com seus critérios de prestação de contas, rubricas e uma certa morosidade devido a todos os trâmites, como licitações e outras coisas exigidas pela prestação de contas do dinheiro público. Do outro lado a maior “agilidade” da administração na indústria nem sempre é tão transparente assim. Adicionado a isto existe a sempre delicada questão sobre o que é financiamento da pesquisa e o que é financiamento do pesquisador.

O crescimento desta atividade levou à criação de fundações que visaram sobretudo agilizar o processo administrativo, mesmo que burlando de forma “criativa” certas regras . As fundações cresceram tanto que em alguns casos se tornaram o sustentáculo de centros e institutos na Universidade. Isto gerou toda uma série de interesses, que nem sempre são acadêmicos. Algumas fundações são verdadeiras empresas, que utilizam fortemente a estrutura física e humana da Universidade. Algumas depois de algum tempo agem como sequer tivessem relações com a Universidade, e agem independente dos Conselhos Universitários. Mas mesmo assim funcionamento, a credibilidade e a infraestrutura continua vindo da Universidade, de seus laboratórios, de seus pesquisadores e de um forte financiamento público.

A existência destas atividades congregou na Universidade uma quantidade grande de pesquisadores e professores que tem interesse na manutenção destas relações. Isto é, numa flexibilização administrativa e numa forma de legalizar e normatizar uma série de atividades que nem sempre são acadêmicas e que muitas vezes conflitam com as obrigações e funções do serviço publico na Universidade. Estas ações normatizariam por exemplo o recebimento de dividendos, consultorias etc… Isto também satisfaria os interesses de alguns Institutos de Pesquisa cujos pesquisadores não tem as vantagens do cargo de professores da Universidade .

Foi o crescimento desta atividade que mobilizou tantos pesquisadores e professores na feitura deste chamado Marco da Ciência e Tecnologia. Provavelmente veremos que este marco não foi feito por um partido mas sim por este conjunto de interesses representados por alguns pesquisadores.

Não tenho dados no momento, mas seria interessante levantar o quanto destas relações Universidade Empresa são de fato relações que vão produzir conhecimento novo. O quanto destas relações vão gerar tecnologias de ponta ou vão nos consagrar como consumidores de ciência e tecnologia.

Não me é claro que este marco da ciência e tecnologia, nos traga de fato um avanço. O avanço só virá se continuarmos, como a Universidade já vem fazendo, a criar uma massa crítica. Isto é, um conjunto muito maior de pessoas que tenham a capacidade de se apropriar do conhecimento e gerar novos conhecimentos. Os elos da cadeia só se formarão com pessoas qualificadas. Isto implica também que os nossos empresários deixem de falar tanto contra o estado e passem eles mesmos a investir na formação de setores de pesquisa e desenvolvimento . Seria interessante também diversificar a pesquisa acadêmica com a formação de mais Institutos Tecnologicos Centros de Pesquisa. Apenas quando isto ocorrer e se isto ocorrer teremos uma relação mais produtiva entre Universidade e Empresas . A universidade deve ter relações com todo o resto da sociedade, inclusive com setor da indústria, mas tenho sinceras dúvidas sobre as relações que querem agora consagrar nesta lei. Para se ter uma boa relação tem-se que ter parceiros no mesmo nível. No momento temos uma indústria essencialmente consumidora de tecnologia sem pesquisa e sem um corpo de pesquisadores , mas com dinheiro para cooptar pesquisadores e através deles utilizar os equipamentos e infraestrutura da universidade e com um potencial de gerar conflitos e um desarranjo imenso no funcionamento da Universidade.

Se faz necessário uma discussão mais aprofundada, poia o diabo se manifesta de diferentes formas , no momento chama atenção para os problemas da administração pública (que existem é claro) e para o grande problema do desenvolvimento de ciência e tecnologia, mas por traz disto existem interesses não tão manifestos assim e que podem transformar a Universidade num inferno acadêmico.

 

Redação

4 Comentários

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  1. Finalmente

    Finalmente um artigo aqui revelou qua ae críticas da academia ao marco são apenas pelo fato de que se buscará agora algum retorno econômico da pesquisa o que envolve melhor controle sobre a produtividade. Se a pesquisa hoje está totalmente dirigida à inovação tecnológica, como não exigir que as patentes geradas supram os gastos da pesquisa? Hoje a produtividade científica é medida só pela publicação de artigos, muitos irrelevantes. Patentes ficam para as empresas e institutos internacionasi, nos so arcamos com o custo. Espero que esse marco reequacione isso.

  2. Há ainda outras questoes

    A possibilidade de “receber por fora” leva os pesquisadores a priorizar pesquisas que interessam aos financiadores, mais do que as que seriam de interesse público geral. Além disso, o governo se utiliza disso para diminuir os salários, obrigando os pesquisadores a ser “criativos” na busca de compensaçoes. Mas nem todas as áreas têm possibilidades disso, ou têm, mas a custo de realmente privatizar seus serviços em detrimento do interesse público (na área de Educaçao, por ex….) e isso cria muitas tensoes dentro das universidades.

  3. O Marco Legal da Ciência e

    O Marco Legal da Ciência e Tecnologia é mais um artifício concebido para minar ainda mais as universidades públicas no Brasil. Quer-se reinventar a roda, colocando nesta algumas alegorias de modo altamente oportunista. No estado de São Paulo, por exemplo, antes do desmanche iniciado por Paulo Maluf, em 1979, os institutos de pesquisa do estado, como o Agronômico de Campinas, o Biológico, o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) e tantos outros faziam exatamente o que se pretende com o novo Marco, com a diferença fundamental que separa as universidades dos institutos de pesquisa, qual seja, a pesquisa científica realizada nas universidades tem como objetivo primordial o avanço do conhecimento sem compromissos de sua aplicação imediata na indústira, na agricultura ou em qualquer outro setor da economia, além, é claro, da formação de recursos humanos que possam atuar de modo crítico e competente na sociedade, enquanto os institutos de pesquisa têm como objetivo primordial realizar pesquisas que possam auxiliar, com novas descobertas advindas destas, o desenvolvimento dos vários setores da economia. Seria, portanto, muito mais relevante para a sociedade brasileira a concepção de um projeto que não apenas revitalizasse os institutos de pesquisa já existentes no Brasil, os quais no passado eram referências em pesquisa científica, inclusive no âmbito internacional, como o Instituto Agronômico de Campinas, mas que tivesse também como objetivo a ampliação do número desses institutos de pesquisa no país como um todo, conforme as necessidades regionais na agricultura, na indústira e nos vários outros setores da economia. Em última análise, o que se quer com o novo Marco é o desvio de parte dos parcos recursos existentes para a realização de pesquisa científica nas universidades públicas para o setor privado, o qual, por sua vez, não faz e nunca fez qualquer movimento para propor algo inovador nessa questão.

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