Apesar dos vetos, Marco Legal é bom para pequenas empresas

Jornal GGN – Na primeira quinzena de janeiro, a presidente Dilma Rousseff sancionou o projeto de lei que ficou conhecido como Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação. A expectativa é que a legislação reduza a burocracia na relação entre agentes públicos e privados e facilite o desenvolvimento tecnológico e inovador no território nacional. No entanto, alguns pontos fundamentais previstos no texto inicial foram vetados.

O primeiro, e mais importante para as empresas como um todo, previa a isenção de tributos na importação de insumos essenciais para pesquisa e desenvolvimento. Ficou de fora por um receio dos ministérios da Fazenda e do Planejamento de abrir mão de qualquer arrecadação em um momento de crise econômica.

O segundo, específico para as atividades de micro e pequenas empresas, tratava da dispensa de licitação para compras públicas de companhias com faturamento de até R$ 90 milhões por ano. Alguns especialistas dizem que foi vetado por pressão das grandes empresas. Mas não há consenso nesse ponto.

Depois de ouvir entidades de classe, agências de fomento à pesquisa e o próprio governo, o Jornal GGN entrevistou o gerente da Unidade de Inovação e Tecnologia do Sebrae Nacional, Célio Cabral, para entender que proveito as micro e pequenas empresas podem tirar da nova lei, apesar dos vetos.

Para ele, o marco não deixou de representar um avanço em relação à institucionalidade que se tinha antes, especialmente no que diz respeito à segurança jurídica das parcerias público-privadas voltadas à pesquisa, desenvolvimento e inovação.

Sobre as críticas de privatização à pesquisa pública e precarização das condições de trabalho do pesquisador, Cabral saiu em defesa da legislação. “Em nenhum momento você está obrigando que esse pesquisador o faça”.  

Mesmo assim, ele entende o paradigma do acadêmico, que precisa se dedicar a escrever artigos e papers para ser reconhecido pelo método atual de avaliação da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Ao GGN, o executivo disse que a solução passa por uma equalização da avaliação da agência, “prezando também pelo ponto de vista da integração com o ambiente produtivo”.

Abaixo, os principais pontos da entrevista:

Jornal GGN – A presidente Dilma sancionou na primeira quinzena de janeiro o Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação. Ele foi celebrado por agências de fomento à pesquisa e repudiado por entidades de classe. Qual é a posição do Sebrae?

Célio Cabral – O marco não deixa de ser um avanço em relação à institucionalidade que nós tínhamos antes. Até porque ele foi construído de uma forma conjunta com várias instituições de apoio, representantes de entidades empresariais, de universidades e o próprio Sebrae.

Vários pontos que eram pleitos antigos da comunidade empresarial, sobretudo das micro e pequenas empresas, foram inseridos no texto final. Os vetos de fato deixaram a versão final bem aquém do que era nossa expectativa, mas o marco não deixa de ser um avanço em função de um ponto central, que é facilitar a aproximação e a interação, o desenvolvimento de projetos conjuntos entre empresas e universidades, sobretudo universidades públicas federais.

Esse é o cerne da legislação, ela tira uma série de inseguranças jurídicas que havia sobre esse processo. Sem dúvida vai facilitar muito a regulamentação interna desses centros de conhecimento e inclusive induzir que mais projetos cooperativos sejam desenvolvidos. Acho que esse é o principal ganho.

O texto coloca no artigo 3º que as entidades deverão ter programas específicos de apoio às micro e pequenas empresas. Então, isso nos traz uma expectativa bastante positiva que tenhamos esses programas dedicados e direcionados para micro e pequenas empresas. É algo que a gente vai estar sempre cobrando e buscando para que aconteça na prática.

Jornal GGN – Esses programas ainda vão ser criados?

Célio Cabral – Sim. Porque esse é um ponto, eu diria, bem generalista que está no texto final. Ele coloca que União, os Estados, os Municípios e as respectivas agências de fomento deverão manter programas específicos para as empresas de pequeno porte, observando o que está na lei complementar, que é a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa de dezembro de 2006.

Então, na prática, o que a gente espera disso é que um programa da Finep [Financiadora de Projetos], um programa de alguma entidade do governo federal de apoio à inovação, preveja condições especiais para micro e pequenas empresas.

Jornal GGN – Condições de crédito?

Célio Cabral – Não. Condições em geral.

Como, por exemplo, uma linha de financiamento à inovação com condições diferenciadas para micro e pequenas empresas; um edital da Finep que tenha recursos específicos dedicados a apoiar projetos com micro e pequenas empresas;  condições favoráveis nas universidades para licenciar uma tecnologia para micro e pequenas empresas. Enfim. Essas ações ainda não estão definidas, mas a gente espera que tenha um direcionamento favorável aos pequenos negócios.

Jornal GGN – Então, pela força da lei, as agências vão ser obrigadas a criar esse tipo de programa que contempla micro e pequenas empresas?

Célio Cabral – Exatamente.

Jornal GGN – E tem um prazo para que isso comece a acontecer? Qual é a melhor expectativa de vocês?

Célio Cabral – Esse é um dispositivo da lei que nem carece de regulamentação. Então, eu acredito que já é de aplicação imediata.

Jornal GGN – Na sanção do projeto, a presidente vetou um artigo que dispensava de licitação compras governamentais de empresas com faturamento anual inferior a R$ 90 milhões. Esse foi um dos pontos que frustrou as expectativas das empresas de pequeno porte? Qual a posição do Sebrae sobre o veto?

Célio Cabral – Sim. Certamente frustrou porque era um dispositivo importante para induzir que de fato a pesquisa se transforme em negócio. Porque se a gente está falando de inovação sob o olhar da micro e pequena empresa, é fundamental que isso se reverta no curto e no médio prazo em negócio concreto.

Então, essa garantia que esse dispositivo nos dava era fundamental para que uma pequena empresa investisse recursos, se dedicasse àquele desenvolvimento, considerando uma expectativa bem real de que ali na frente ela tivesse demanda para aquele tipo de serviço.

A Petrobras poderia ser uma indutora desse processo. Isso foi criado mais para induzir que as estatais pudessem fazer essas encomendas tecnológicas e depois não tivessem necessariamente que fazer uma licitação.

Porque a gente corre o risco, por exemplo, de uma pequena empresa, que não tem tantos recursos para investimento em inovação, se dedique, dois, três, quatro anos para desenvolver um projeto de inovação em parceria com uma grande empresa, tenha todo o esforço de P&D [Pesquisa e Desenvolvimento] empreendido. E lá na frente quando a grande empresa vai ter a necessidade de aquisição desse tipo de produto, que a grande tenha que fazer uma licitação e por força da lei acabar tendo que importar isso da China.

Jornal GGN – Então, não é apenas uma questão de perder os projetos para a concorrência nacional, há um risco de perder para a concorrência estrangeira também?

Célio Cabral – É. Hoje em dia a concorrência é global. Então, realmente, esses processos de contratação envolvem empresas do exterior. Pode acontecer que você perca, inclusive, para uma empresa estrangeira. Isso é bem possível. Mas também para a empresa nacional.

Geralmente, quando você está desenvolvendo uma encomenda tecnológica é porque a grande empresa não identificou aquela necessidade específica já no mercado. Então, quando tem essas encomendas, geralmente, são soluções que não são amplamente disseminadas no país. E a oportunidade de fornecimento muitas vezes é para as empresas de fora mesmo.

Jornal GGN – E a lei não prevê nenhum mecanismo de proteção da indústria nacional? Conteúdo mínimo local? Algo que favoreça a cadeia nacional de valor?

Célio Cabral – Não. Isso não é tratado na lei.

Jornal GGN – Que outros vetos frustraram as expectativas do Sebrae?

Célio Cabral – Nós tivemos dois grandes vetos que impactaram diretamente nas empresas. E, claro, como o Sebrae representa as pequenas empresas, nos impacta também. A dispensa de licitação para encomendas de empresas com faturamento de até R$ 90 milhões é um ponto.

É importante deixar claro que a legislação coloca esse teto de empresas que faturam até R$ 90 milhões. E o Sebrae por lei atende empresas que faturam até R$ 3,6 milhões, que são as empresas consideradas de pequeno porte na Lei Geral.

Mas é importante que esse teto seja elevado para além desse limite porque geralmente a gente está falando de grandes contratações. Uma compra de um equipamento da Petrobras eventualmente significa um volume de recursos que vai fazer com que aquela atual pequena empresa rapidamente se transforme em uma média empresa.

Então, é bem plausível que esse limite seja elevado acima do que hoje é o limite das micro e pequenas empresas, em função disso: às vezes uma única venda que uma empresa faz, que geralmente envolve recursos substanciais, faz com que ela mude de patamar.

Então, esse ponto impacta diretamente. E outro é a questão da importação. O inciso segundo falava que ‘Nas importações de empresas com projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação aplicam-se as seguintes condições: a isenção de Imposto de Importação [II], Imposto sobre Produtos Industrializados [IPI], Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante [AFRMM] e importação de máquinas e equipamentos e aparelhos, bem como suas partes e peças de reposição destinadas à pesquisa científica, tecnológica e de inovação’.

Ou seja, existia uma isenção para insumos destinados a P&D que foi vetada.

Jornal GGN – Quer dizer, os insumos continuam com Imposto de Importação e Imposto sobre Produtos Industrializados com as mesmas alíquotas, não mudou nada nesse sentido.

Célio Cabral – Exatamente. Isso tem um impacto grande, se a gente está pensando em Pesquisa e Desenvolvimento no país, mas quando nós consideramos esse volume no total de arrecadação do governo federal e estadual, é muito pequeno.

A gente entende que o momento não é adequado para pensar em deduções fiscais. Mas o benefício que a gente tem no longo prazo é muito maior do que o próprio custo fiscal. Porque isso significa novos produtos, novos equipamentos sendo desenvolvidos e futuramente colocados no mercado e pagando imposto na sua circulação.

Jornal GGN – E arrecadando na outra ponta, já com o valor agregado, ao invés de cobrar em cima do insumo.

Célio Cabral – Exatamente. O ganho disso lá na frente é muito alto. Porque via de regra quando você está importando esses insumos muitas vezes é para substituir equipamentos que hoje são importados. Então, você estaria fomentando o desenvolvimento da indústria nacional, que é a indústria que paga grande parte dos impostos.

Jornal GGN – Que indústrias poderiam ser beneficiadas por essa medida?

Célio Cabral – Todas. Todas as empresas que fazem P&D. Sem exceção.

Jornal GGN – O texto fala muito de fármacos, nanotecnologia, indústria aeronáutica…

Célio Cabral – Esses casos são passíveis de encomendas públicas. São aquelas prioridades estratégicas de governo.

Jornal GGN – Então, nessas áreas o governo está garantindo demanda?

Célio Cabral – Nessas áreas tem inclusive garantia das encomendas tecnológicas e compras públicas.

Hoje, isso funciona muito na área de fármacos. Você quer induzir uma empresa privada, um instituto privado, ou uma fundação e você garante que aquela nova vacina, aquele novo medicamento, vai ter uma aquisição do governo para o SUS.

A nossa ideia, a ideia do projeto de lei era que isso se estendesse também para equipamentos de P&D, de necessidade não apenas dessas questões de primeira ordem, questões estratégicas mesmo, de prioridade nacional, mas também para pontos estratégicos de prioridade de P&D das empresas.

Jornal GGN – Tem algum setor industrial brasileiro que é tipicamente ou majoritariamente composto por micro e pequenas empresas?

Célio Cabral – Quando a gente fala de empresa de base tecnológica, a grande maioria delas é micro e pequena. Porque a micro e pequena empresa tem uma flexibilidade, uma agilidade muito maior do que uma grande empresa. Então, boa parte das inovações acontece na micro e pequena e depois vai para a grande empresa.

Uma área que a gente poderia destacar, por exemplo, é a de biotecnologia. A grande maioria das empresas de biotecnologia do país que são inovadoras são de micro e pequeno porte.

Nanotecnologia também é outra área. Algumas empresas da área de tecnologia da informação também. Basicamente, empresas de base tecnológica, a grande maioria das que são inovadoras é de pequeno porte. Exatamente por essa facilidade e agilidade que a pequena empresa tem de desenvolvimento, coisa que a média e a grande às vezes não possui.

Jornal GGN – O texto do marco legal fala muito em empreendedorismo, inovação, cooperação, de forma bastante sincronizada aos princípios do Sebrae. Que iniciativas já existiam na entidade para fortalecer esses conceitos? Elas ganham mais força com a nova lei?

Célio Cabral – O Sebrae já atua com inovação e empreendedorismo há anos. Isso está na essência da nossa atuação, tanto incentivar o empreendedorismo de quem está pensando em abrir um negócio, de quem está finalizando uma carreira acadêmica e quer empreender, quanto apoio à inovação nas empresas diretamente.

O Sebrae tem um histórico bastante relevante de apoio à inovação. E a gente pode destacar alguns pontos. Como, por exemplo, o Empretec, que é uma solução do Sebrae para apoio ao empreendedorismo.

Nós podemos citar os programas de inovação que o Sebrae tem, como por exemplo o Sebraetec, que tem uma relação muito próxima com as questões regulamentadas no novo marco legal porque busca exatamente apoiar micro e pequenas empresas para que elas tenham acesso a serviços tecnológicos de inovação de universidades, de centros de pesquisa.

No Sebraetec, o Sebrae subsidia os serviços tecnológicos para atender as necessidades das micro e pequenas empresas. Para você ter uma ideia, no ano de 2015 nós atendemos mais de 100 mil empresas no Brasil todo. Isso significou mais de R$ 350 milhões só no programa Sebraetec que visa subsidiar, como eu disse, os serviços de inovação tecnológica, que na grande maioria são prestados por universidades e centros de pesquisa.

Com o novo marco legal, a gente espera ampliar ainda mais a participação de universidades, de pesquisadores, na prestação de serviços tecnológicos às micro e pequenas empresas. Sendo que elas podem inclusive ter esses serviços prestados por meio de subsídios do Sebrae, pelo Sebraetec.

Jornal GGN – O trabalho do Sebrae é mais de conceder subsídios e fazer consultoria para o empreendedor chegar nas universidades e institutos de pesquisa, ou vocês têm uma rede de laboratórios também?

Célio Cabral – É mais nessa linha de fazer matchmaking mesmo. De dar oportunidade, de aproximar a pequena empresa dos laboratórios e centros de pesquisa. O Sebrae não é um centro tecnológico, nós não temos laboratórios. A gente faz isso por meio dessa rede de parceiros, como universidades, o Senai, algumas instituições privadas etc.

Mas nós temos várias outras atividades relacionadas a isso. Temos, por exemplo, um programa chamado Agentes Locais de Inovação (ALI), em que 1500 agentes, bolsistas do CNPq, visitam empresas. E a gente atende 50 mil empresas ao ano.

No Brasil todo, eles vão até essas micro e pequenas empresas, fazem um diagnóstico, identificam possíveis melhorias e elaboram um plano de ação identificando atividades que elas precisam introduzir para se tornarem mais inovadoras e melhorarem sua gestão e sua competitividade.

Jornal GGN – O foco é transformar isso tudo em negócio?

Célio Cabral – Isso. Exatamente. O foco é sempre pensando em negócio.

Jornal GGN – Sem falar dos vetos, vocês têm sugestões de iniciativas que ficaram de fora da lei que poderiam ter sido contempladas?

Célio Cabral – Tirando os vetos, eu acho que eventualmente poderia ter deixado um pouco mais clara essa questão de qual será o tratamento diferenciado para as micro e pequenas empresas. Apesar de isso estar na lei, não está claro como vai se dar, então, a gente fica na expectativa de como cada órgão, cada instituição vai tratar esse ponto.

As questões que foram vetadas também, infelizmente, são centrais dos interesses das pequenas empresas.

Jornal GGN – Além da necessidade de equilíbrio fiscal, tem alguma questão política por trás dos vetos? Algum lobby das grandes para não perder mercado para as pequenas?

Célio Cabral – Não. Eu não acredito que seja isso. A gente vê que é mesmo um receio por parte de órgãos como o Ministério da Fazenda e do Planejamento em reduzir futuras receitas. Em muitos casos, a gente sabe que na prática isso não se aplicaria, não teria redução de receita, se não houvesse o veto.

Mas não acredito que tenha uma dicotomia entre interesses de médias e grandes. São interesses comuns, na verdade. As pequenas empresas estão cada vez mais se inserindo nas cadeias das grandes empresas e é muito mais uma visão de parceria e desenvolvimento conjunto do que concorrência.

As grandes empresas precisam dessa agilidade e da facilidade que uma pequena empresa tem em desenvolver projetos de P&D. Eu acredito muito nisso.

Jornal GGN – O projeto de terceirização compõe essa nova dinâmica de mercado? Ajuda também na parceria entre pequenas e grandes?

Célio Cabral – Pode até ser que no limite tenha alguma facilidade para que isso aconteça. Mas hoje já não é um empecilho. Porque quando uma grande empresa quer terceirizar o desenvolvimento de uma atividade de P&D, você não tem nenhum empecilho trabalhista para que isso seja feito, você faz uma parceria com uma pequena empresa e executa aquilo. Hoje já não tem muita dificuldade. Essas parcerias dependem muito mais de uma visão de conjunto de interesses da pequena empresa com a grande do que de uma dificuldade trabalhista.

Jornal GGN – E essas críticas de “privatização da pesquisa pública”, “precarização das condições de trabalho do pesquisador”, qual é a opinião de vocês sobre isso?

Célio Cabral – Nós não concordamos com essa visão. É totalmente retrógrada. É, inclusive, uma visão que colocou o Brasil nesse cenário que a gente vê hoje: bem atrás da grande maioria dos países que começaram junto conosco, lá atrás, no desenvolvimento de pesquisa, tanto básica quanto científica.

Nós ficamos atrás na parte da inovação, da transferência desse conhecimento para o ambiente produtivo, de transformar todo esse conhecimento que tem nas universidades em PIB, em vendas, em projetos concretos. A nova legislação é um salto, nesse sentido de facilitar a aproximação e interação.

No mundo todo, é muito comum pesquisadores de instituições públicas terem parceria com empresas. O grande avanço da legislação é que ela garante que mesmo o pesquisador de dedicação exclusiva possa ter até oito horas de serviços dedicadas a um projeto em parceria com uma empresa.  Em nenhum momento se está falando em privatização da pesquisa pública.

Jornal GGN – A lei aumenta a liberdade do pesquisador de trabalhar para a iniciativa privada?

Célio Cabral – Aumenta a liberdade. Em nenhum momento você está obrigando que esse pesquisador o faça.

Hoje qual é o problema que nós temos? Tem muito projeto de P&D nas prateleiras das universidades e isso não chega ao mercado, não se converte em produto e PIB. O grande desafio é transformar isso em produto, em venda, em resultados mesmo para a sociedade.

Jornal GGN – Os projetos existem mesmo?

Célio Cabral – Os projetos existem. Só que o grande problema é que muitos deles se iniciam não como uma visão de mercado, mas a partir do interesse de um pesquisador ou grupo de pesquisa.

Então, lá na frente, quando isso se transforma em uma tecnologia, a chance de ter mercado é muito menor do que quando você já inicia um projeto de P&D em parceria com uma empresa. Quando você já concilia as duas coisas, tanto o interesse acadêmico de pesquisa quanto o interesse de mercado, a chance de você ter um projeto lá na frente com uma visão de mercado é muito maior.

Dados de produtividade dos centros de pesquisa do mundo demonstram que as universidades que têm a maior produtividade científica são aquelas que têm o maior nível de interação com as empresas.

Jornal GGN – A presidente Dilma, no discurso dela, falou em reduzir a burocracia nas parcerias público-privadas. É justamente essa questão de permitir ao pesquisador de dedicação exclusiva participar desses projetos, ou tem outras burocracias que a lei minimiza?

Célio Cabral – Tem vários pontos. Um ponto central é esse. Você desburocratiza e muito a realização das parcerias de empresas com universidades. E dentro disso também tem alguns outros pontos que facilitam, como uma flexibilidade maior para o pesquisador de mudar alguns pontos da pesquisa dele, a parte orçamentária do projeto aprovado.

Deixa mais claro que a propriedade intelectual pode sim ser cedida à empresa. Então, isso era uma burocracia a ser superada em muitas universidades. Algumas universidades já tinham avançado nisso, mas eram poucas. A lei veio para de fato regulamentar e retirar a incerteza que tinha nesse aspecto.

Jornal GGN – Nós ouvimos uma preocupação maior com a questão das cláusulas de confidencialidade e sigilo das pesquisas do que propriamente com a questão do direito intelectual. As empresas podem se apropriar dessas pesquisas e torna-las confidenciais?

Célio Cabral – Aí cada início de projeto de pesquisa tem o seu contrato. É importante a gente entender que tem uma dicotomia aí a ser vencida. O interesse da universidade é produzir papers. Inclusive as universidades são avaliadas em função disso.

Esse é um ponto, até voltando à sua pergunta de algo que tenha ficado descoberto no projeto de lei, esse é um ponto, a forma de avaliação dos pesquisadores pela CAPES.

Hoje, o principal critério é a produção científica, ou seja, artigos e papers que são produzidos. E projetos de pesquisa de interação com empresas são quase desconsiderados, têm uma pontuação muito baixa nessa avaliação.

Isso desestimula às vezes o pesquisador de deixar de ficar escrevendo e elaborando papers para interagir com empresas, porque ele vai ser mais bem avaliado pelos seus pares, vai ter reconhecimento acadêmico pelos papers que ele produz.

Jornal GGN – E aí se a empresa impõe sigilo, ele não pode fazer um artigo sobre o assunto…

Célio Cabral – Exatamente. Quando tem sigilo, a empresa não quer que aquilo seja divulgado, claro. O segredo industrial é uma forma muito importante de proteção para a empresa.

Jornal GGN – Então, de repente, é uma solução mudar a forma de avaliação e fazer com que essa integração com as empresas também valha pontos?

Célio Cabral – Exatamente. O montante de recursos que você captou junto com as empresas, projetos em conjunto, tecnologias que foram produzidas e patenteadas em conjunto com empresas, enfim. Você consegue equalizar melhor essa avaliação prezando também pelo ponto de vista da integração com o ambiente produtivo. Isso é muito importante.

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