Instituto Butantan foi vitrine de campanha desde governo Alckmin

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Know how dos pesquisadores e a capacidade estrutural do Instituto foram deixados de lado com parcerias público-privadas durante a gestão Alckmin, em importações que reduziram o grande centro de pesquisa a um envasador de vacinas

Foto: Raoni Maddalena/ RBA

Jornal GGN – Era dezembro de 2017 e o então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), preparava o seu nome para as eleições presidenciais do ano seguinte. Sem ainda prevêr a onda bolsonarista que elegeria o atual mandatário, o até então principal representante da direita usava o Instituto Butantan como uma de suas vitrines para se lançar em 2018.

Naquele mês, assinou com o BNDES um repasse milionário, de três parcelas que totalizavam R$ 300 milhões para pesquisas da vacina contra a dengue. Vinculado à Secretaria de Saúde do estado de São Paulo, a cena parecia repetir o que é visto hoje no Instituto Butantan, com o atual governador, sucessor de Alckmin e um dos principais nome da direita no país, João Doria (PSDB).

O que ocorreu de lá para cá, contudo, não foi a concretização da campanha política. Não somente a partir de 2017, como desde anos anteriores, o desmonte do Instituto pelo governo do Estado de São Paulo já vinha sendo incisivamente denunciado.

Centenário, o Butantan é referência em saúde pública e é responsável por fabricar parte da vacina contra a gripe das campanhas anuais distribuída em todo o país. Mas o know how dos pesquisadores e a capacidade estrutural do Instituto foram deixados de lado com parcerias público-privadas durante a gestão Alckmin, em importações que reduziram o grande centro de pesquisa a um envasador de vacinas. Foi o que ocorreu com as vacinas da Hepatite A, B e a quadrivalente HPV.

Também foram denunciadas desde 2014 a paralisação das produções de soros antirrábico humano, antitetânico, antibotrópico (contra o veneno da jararaca), anticrotálico (da cascavel), antielapídico (coral) e antiloxoscélico e antiaracnídico, contra veneno de aranhas.

Ainda assim, o GGN verificou nos relatórios do Instituto que, no ano de 2014, a produção de soros e vacinas ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) foi de 54 milhões de doses da vacina influenza trivalente, 18,9 milhões da vacina hepatite B, 5,6 milhões para a hepatite A, 15 milhões de vacina HPV, 115,3 mil de doses da vacina raiva e 10,9 mil ampolas de soro contra picada de aranhas.

Efetivamente, desde 2014, não há menção à produção dos demais soros. Contudo, no total, no que se refere às vacinas, isso significou mais de 93,6 milhões de doses ao PNI. Em 2018, a produção total fornecida pelo Instituto ao Programa Nacional foi inferior, de 77,139 milhões de doses de vacinas:

Já em 2014, o documento ressaltava, contudo, que parte dessa produção era de parceria com outras empresas:

Ainda, ao comparar os relatórios de atividades da Fundação Butantan, é possível verificar também que, na contramão do aumento da demanda por pesquisa ao longo dos anos, houve uma diminuição no número de pesquisadores, de 153 pesquisadores em 2014 para um total de 110 em 2018 (último ano em que foi divulgado relatório). Consequentemente, de 429 artigos científicos publicados entre 2013 e 2014 caiu para 179 artigos realizados pelos pesquisadores do Butantan em 2018.

Dados de pesquisa em 2014:

Dados de pesquisa em 2018:

Oficialmente, para justificar a redução, a pasta da Saúde do governo estadual alegava que as instalações não seguiam as normas de agências regulatórias, gerando reformas que, segundo denunciavam os próprios funcionários, nunca terminavam.

De acordo com reportagem da Rede Brasil Atual de 2014, que acessou a auditoria daquele ano, BDO RCS Auditores Independentes identificaram R$ 111.764.000 nas contas do Instituto que foram associadas a obras em andamento, sem contudo estarem realmente ocorrendo.

“As obras estão paralisadas há mais de um ano e as perspectivas para a retomada dependerão do sucesso da Fundação Butantan em conseguir captar recursos financeiros com terceiros para que haja possibilidade de término da obra em andamento da referida fábrica”, informava o documento.

Como mostramos, o documento de 2014 verificado pelo GGN confirma essas justificativas de obras.

E é essa falta de manutenção, relatada há 7 anos, que faz o laboratório e fábricas do Instituto reprovarem no controle da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), deixando a instituição restrita na atividade de envasar vacinas para entregar ao Ministério da Saúde.

Um ano antes de anunciar a candidatura presidencial, Alckmin fechava parceria com o Ministério da Saúde para “modernizar” fábricas do Instituto Butantan. O objetivo, em fevereiro de 2017, era investir na produção de vacinas de difteria e tétano. A Pertussis Low, como é chamada a vacina, está até hoje em status de “desenvolvimento” no Instituto.

Em fevereiro de 2018, ano eleitoral, o então governador anunciava mais uma parceria público-privada para o Instituto, junto à farmacêutica Libbs. “Por meio dessa nova parceria, teremos investimento privado na construção de uma fábrica para medicamentos de alto custo para câncer e doenças autoimunes, depois com a transferência de tecnologia para o Butantan por meio de PPP”, dizia o governador.

Cinco anos antes, outro acordo de parceria privada, junto à alemã Merck, Sharp & Dohme, era fechado com o Butantan para transferência de tecnologia, envolvendo ainda o Ministério da Saúde e o BNDES. Até hoje a parceria não foi concluída. Já no governo de João Doria, os investimentos tampouco partiam do estado. Mais de 60% dos recursos recebidos pelo Instituto Butantan são federais, pelo Ministério da Saúde.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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