Paulo Henrique Almeida Rodrigues: ‘A destruição da ciência não é uma consequência, é um objetivo’

do CEE-Fiocruz

No dia 22 de abril foi realizada a Marcha pela Ciência em várias partes do mundo, a fim chamar a atenção da sociedade e dos governantes para a importância da pesquisa científica. No Brasil, os cortes no orçamento federal da Ciência (ver aqui e aqui) tem sido obstáculo na manutenção e no desenvolvimento das pesquisas, importantes tanto para economia do país, quanto para a expansão de políticas públicas voltadas à qualidade de vida da população. “Precisamos reverter essa situação trágica imediatamente”, diz, neste comentário ao blog do CEE-Fiocruz, o professor Paulo Henrique Almeida, do Departamento de Políticas do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/Uerj), que vive uma das maiores crises de sua história. “A opção do Estado do Rio é a mesma adotada pelo Governo Federal”, resume Paulo Henrique, que é também diretor adjunto do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes). “Para o governo a Ciência é absolutamente irrelevante. Basta importar as soluções científicas e tecnológicas do exterior. A destruição da ciência e da tecnologia não é consequência, é o objetivo dos atos deles” observa.

Leia a seguir o comentário completo.

“O que se impôs no país desde o governo Collor foi um modelo econômico exportador de commodities, e que importa tudo o mais, até as sementes da soja que planta. Torna-se um país que não precisa de ciência e tecnologia. Esse modelo econômico e político se agravou com o golpe no ano passado. O Brasil está atrasado em tudo, mas, para atual gestão, a ciência é absolutamente irrelevante. Basta importar as soluções científicas e tecnológicas do exterior. A destruição da ciência e da tecnologia não é consequência, mas o objetivo dos atos deles.

No mundo inteiro, ciência e tecnologia dependem menos do mercado e mais do Estado. É absolutamente necessário termos investimentos para ampliarmos nossa capacidade científica e tecnológica, para não sermos um país dependente e vulnerável. Já tivemos o melhor modelo de controle de vetores do mundo, quando adotávamos um modelo de gestão centralizada. Outros países, como China, Índia, países africanos e sul-americanos, vinham para cá aprender a fazer esse controle. Nós abandonamos isso e resolvemos descentralizar as ações e políticas de controle para municípios, o que é inviável.

Outro problema é que, sob a suposição de que o pesticida DDT causa câncer [DDT, inseticida de baixo custo, utilizado na Segunda Guerra Mundial para eliminar insetos e combater doenças como malária, tifo e febre amarela], decidimos trocá-lo por outro tipo de inseticida, que causa outros problemas e não controla os vetores corretamente. A descentralização e a troca do DDT desorganizaram o controle de vetores, e não é à toa que atualmente passamos a ter malária em Petrópolis, o que não acontecia há muitas décadas no Estado do Rio. E está voltando não só a malária, como a febre amarela, a leishmaniose, inclusive, em áreas urbanas. 

Temos um problema de opção política equivocada, que precisa ser investigada. Para isso precisa-se de tecnologia, de pessoas que estudam o assunto, que podem pesquisar e chegar a soluções adequadas para o país.

Temos um problema de opção política equivocada, que precisa ser investigada. Para isso precisa-se de tecnologia, de pessoas que estudem o assunto, que podem pesquisar e chegar a soluções adequadas para o país

Mas o governo está restringindo recursos. Estamos vivendo uma situação na qual o Brasil se torna mais dependente de soluções estrangeiras, muitas vezes duvidosas, como ocorre no caso da vacina contra o HPV [papiloma vírus humano], incluída [em 2014] no calendário de vacinação pelo Ministério da Saúde. É uma vacina pouco eficaz, que não é produzida aqui e que nos deixa dependentes de soluções científicas e tecnológicas importadas.

O atual governo agravou o cenário da pesquisa científica de maneira absurda, uma mentalidade pela qual não precisamos investir em ciência, somos produtores de boi, porco, frango, soja e mais uma meia dúzia de produtos agrícolas e minério. Estamos pagando as consequências dessa opção política. Temos o exemplo da indústria farmacêutica. O Brasil enfrentou os grandes laboratórios, porque desenvolveu a capacidade de quebrar patentes, com Farmanguinhos, na Fiocruz. Isso é capacidade científica e tecnológica. Investir em Farmaguinhos permitiu que o país pudesse fazer engenharia reversa [análise da estrutura e da forma de operar de um determinado dispositivo, um objeto ou um sistema, desvendando assim seu processo de produção]. Os laboratórios sabiam da nossa capacidade e, na maioria das vezes, recuaram. Se o Brasil não tivesse tido capacidade tecnológica para enfrentar os laboratórios, não alcançaríamos o sucesso que tivemos no controle da epidemia da Aids.

Se o Brasil não tivesse tido capacidade tecnológica para enfrentar os laboratórios, não alcançaríamos o sucesso que tivemos no controle da epidemia da Aids

Somos hoje o sexto maior mercado de medicamentos do mundo. Como não produzir medicamentos em um país de 210 milhões de habitantes? Nós importamos praticamente tudo, porque não produzimos nem os farmoquímicos, sais básicos na produção de remédios. Produzimos uma quantidade grande de remédios simples, sem patentes, os genéricos, com base nos sais importados. Os remédios mais complexos são importados e mais caros, o que dificulta o acesso, para as pessoas e para sistema de saúde que é obrigado a comprar em moeda estrangeira e a preços elevados. A sociedade brasileira paga com a vida e com sofrimento.

A situação dramática que vivemos hoje na Uerj é outro exemplo. A opção do Estado do Rio é a mesma adotada pelo Governo Federal. A Uerj é a quinta melhor universidade do Brasil e está funcionando de maneira precária, por conta da chantagem do governo do Estado, que ameaçou cortar o ponto dos funcionários, não tem água em todos os andares, a maior parte dos elevadores parados, a situação de energia elétrica é precária, o Instituto de Medicina Social está perdendo apoio administrativo porque não temos mais como manter pessoas pela falta de recursos, ou seja, o governo está inviabilizando uma universidade que produz ciência e tecnologia no Brasil.

A Uerj representa a Stalingrado da universidade e da ciência brasileiras: ou nós somos capazes de resistir e vencer essa pressão absurda, ou não é apenas a Uerj que estará em risco, mas todo ensino público universitário brasileiro e todo desenvolvimento científico-tecnológico do país

A comunidade acadêmica da Uerj está pagando um preço altíssimo, salários atrasados, pesquisas interrompidas por falta de recursos, é uma situação calamitosa. Se isso estivesse acontecendo em qualquer país um pouco mais organizado, haveria uma crítica nacional. Mas temos uma reação um pouco débil por parte da sociedade e da própria sociedade científica brasileira, que tem apoiado pouco.

A Uerj representa a Stalingrado da universidade e da ciência brasileiras, ou nós somos capazes de resistir e vencer essa pressão absurda que está sendo colocada sobre a universidade, ou não é apenas a Uerj que estará em risco, mas todo ensino público universitário brasileiro e todo desenvolvimento científico-tecnológico do país. 

A situação é difícil e estressante. Estamos em processo de avaliação; se pararmos, corremos o risco de sermos mal avaliados e perdemos recursos, como bolsas, e a situação ficar ainda pior. Dessa forma, somos obrigados a trabalhar em condições extremamente penosas, colegas em estado de estresse, à beira de crises nervosas, com dificuldade até para se deslocarem para faculdade, porque tudo isso custa dinheiro.

A sociedade brasileira, infelizmente, tem pouca consciência da importância da ciência e da tecnologia em sua vida, sua sobrevivência. Os cientistas precisam levar para população a importância do trabalho que fazem, precisamos sair da academia e ganhar as ruas, estimular a consciência social, no sentido de ganhar o apoio da sociedade para reverter esse processo. (Comentário a Daiane Batista/CEE-Fiocruz).

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Redação

7 Comentários

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    1. o….

      Ciência nunca foi o objetivo neste país. Raríssimas exceçõies, inclusive de nossos intelectuais. Mentes brilhantes que são cooptadas já nas escolas primárias na maioria dos países, aqui passaram até descriminadas ou deslocadas. Cérebros que são disputados num jogo pesado por Centros de Excelência ou Universidades por todo Mundo. Matemáticos sempre desprezamos. A Ideologia da Ignprância sempre foi o nosso norte. Algumas exceções e voltamos à estaa zero. Cachorro atrás do rabo. Voltar ao ponto inicial, modificando tudo para continuar tudo igual. O país que não avança. Agora nós enchemos de um falso orgulho nacional por um satélite francês, lançado por um foguete francês de uma base francesa, enquanto Alcantara e décadas de estudos foram jogados no esquecimento, juntamente com os cientistas brasileiros que permitimos serem incinerados. O Brasil se explica . E se lamenta. (P.S. Mas por muito pouco tempo, pois estamos virando este jogo).

    2. A turma do “Fora Todos”

      A truma do “Fora Todos”  perderá não somente o direito de pesquisar e estudar, como também o próprio emprego e a aposentadoria…lamento que a maioria dos bem intencionados pesquisadores e cientistas, aliás, com certeza a maioria deles, sofrerá as consequências dessa ignorância coletiva de grande parte da nossa bizarra classse média que atendeu a grupos de direita e saiu às ruas  usando camisa amarela da CBF e carregando um pato nas costas,  atendo assim às convocatórias dae corporações golpistas como Ambev, Globo, FIESP e cia interessadas no cofre da República: triste assistir  à destruição de nosso pais por uma quadrilha levada ao poder com a ajuda da Lava Jato e suas marionetes teleguiadas.

      O apoio do PSTU ao golpe de Estado

      http://www.pstu.org.br/csp-conlutas-%E2%80%9Cbasta-de-dilma-desse-congresso-do-pmdb-psdb-e-demais-alternativas-de-direita%E2%80%9D/

      1. Patético!!!

        Meu Deus! Que patético! A petelhagem que se prostituiu, que encenou a mais bestial lorota da história política do Brasil, que escangalhou o país e que caiu de podre agora está buscando bodes espiatórios microscópicos!!????

        Será que tudo isso não é apenas medo de uma crítica política consequente, cuja refutação pela petelhagem se basta agora em tomar para espantalho uma formação minúscula e de baixíssima reverberação discursiva?

        O PT tornou-se definitivamente patético!!! (e dá sinais de que está sendo definitivamente ultrapassado pelo bonde da história).

    3. Cientistas: bodes expiatórios da mistificação lulista?

      A única coisa que os cientistas apoiaram foi a desmistificação da grande lorota do lulismo.

      Aliás, desmistificar é tão simplesmente o ofício profissional trivial dos cientistas.

  1. Culpa da inércia de muitos
    Culpa da inércia de muitos intelectuais e céticos,das áreas de pesquisas e universitários que devem começar a se movimentar buscando apoio das outras áreas que estão sofrendo com as consequências de um sistema corrupto,é muito a quem dos interesses sociais.

  2. Política científica partidário-desportiva
    Nassif, a frase “a destruição da C&T não é consequência; é o objetivo deles” sintetiza bem a situação. Afinal, só em um país sem História Contemporânea é possível esquecermos que o golpe de 64 só foi superado graças às marchas pela ciência capitaneadas pela SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), uma ongue quase septuagenária que, presidida à época por um diretor do Instituto de Física da USP tinha passe livre ou imunidade garantida por militares interessados em nossa autosuficiência nuclear (e na criação de bombas atômicas, claro). Essas marchas eram as suas reuniões que atraíam milhares de pessoas aos campus universitários de todo país, eram as campanhas em defesa do Estado democrático e cidadão. Infelizmente, tinha um conselheiro que, eleito presidente da República, condenou a entidade ao ostracismo: sua transferência de SP para o RJ marcou seu progressivo declínio e esquecimento, principalmente depois que a guerreira Ruth Cardoso faleceu, deixando o marido à vontade para desmantelar essa instituição que havia dado guarida em seus encontros até para aquele metalúrgico semi-aleijado, nos anos 70. A direção da SBPC retornou há pouco tempo para SP, mas o hiato de uma geração é difícil de ser superado, principalmente quando o governador paulista conhece bem essa história, até pelo fato de ter sido coordenador de C&T e Meio Ambiente durante a Constituinte, e seu progressivo desmonte da área demonstra que os tucanos não querem correr riscos. A venda das fazendas experimentais, florestas e o sucateamento do sistema FAPESP demonstram sobejamente tal intento, seguido à risca em outras unidades da Federação, como o RJ em tela. Um intento até agora bem sucedido, pois o desafio científico-tecnológico perdeu o primado e jaz convertido a embate político-partidário-desportivo, tipo “petralhas versus coxinhas”, uma vez que ninguém se lembra mais do significado de um Estado soberano e democrático e a História – devidamente banida do curriculo escolar – faz vista grossa aos fatos que culminaram com a “suposta” redemocratização brasileira. Como quem não a conhece está fadado a repeti-la, resta aguardar o surgimento de novos Oscar Sala, Crodowaldo Pavan, Aziz Ab’Saber, Warwick Kerr, Carolina Bori e outros nomes que se empenharam em defesa da Ciência brasileira, se até lá ainda restar o que defender, uma vez que a privatização do público pelo privado prossegue, esperando-se para breve, inclusive, a transferência da USP para as franjas do Rodoanel e a transformação de seu campus em edículas e mansardas estilo “sua casa, nosso lucro”. Afinal, universidade serve mesmo para o quê? – se perguntam os historiadores contemporâneos, à falta do que fazer…

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