Privatização do satélite da Telebrás, por Márcio Patusco

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Projeto que visava oferecer banda larga em localidades de difícil acesso foi completamente desfigurado pelo governo Temer

do FNDC

Privatização do satélite da Telebrás

por Márcio Patusco

Depois da mudança do governo como consequência do impeachment, também a Telebrás teve sua gerência afastada, e o projeto do satélite SGDC (Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas), cujo projeto inicial visava prestar serviço de banda larga em localidades ainda não atendidas, escolas rurais, postos de saúde, de fronteira, interconexão de órgãos de governo, que estava sob sua responsabilidade de implantação, foi completamente desfigurado. A prioridade do atendimento social foi substituída por uma privatização da capacidade do satélite para grandes corporações, que sem grandes compromissos explícitos de atendimento, tarifas e regionalização, poderiam comercializar ou revender esta capacidade em todo o território nacional. Ou seja, sem nenhuma discussão importante com a sociedade, um governo impopular e ilegítimo muda totalmente a essência de um projeto que a irá impactar por décadas.

Nesta mudança acobertou-se até uma fraude pela inexigibilidade de realização de licitação para escolha de qual entidade iria ser responsável pela implantação do satélite, no caso a Telebrás, e por um pagamento apenas simbólico da posição orbital, já que na origem do projeto este posicionamento se fundamentava na alegação procedente da ênfase no atendimento social, o que na verdade não ocorre atualmente, tendo em vista que o projeto virou meramente uma fonte arrecadatória e um repasse de recursos públicos para a iniciativa privada. Estas inconsistências geraram inclusive uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, movido contra a Telebrás, ajuizada no STF e que se encontra em andamento.

Neste processo de tentar justificar as mudanças, em recente Audiência Pública do Senado Federal, entre as Comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional e de Ciência Tecnologia Inovação Comunicação e Informática, o representante da Telebrás afirmou, que “está apenas alugando as sobras do satélite”. Afirmação altamente descabida, pois, significaria dizer que o satélite foi concebido sem ter uma demanda apurada. Não levaria ainda em conta as sessenta mil escolas rurais não atendidas, cerca de dois mil e trezentos municípios sem infraestrutura de banda larga. Ignoraria trinta milhões de domicílios não atendidos e o abismo digital entre as diversas regiões do país. Em última análise representaria uma omissão do Estado em estabelecer políticas públicas de inclusão digital consistentes.  

Na oportunidade, os senadores presentes perceberam os posicionamentos antagônicos defendidos pela Telebrás e pelo Clube de Engenharia, que em sua apresentação evidenciou que mesmo que se utilizasse toda a capacidade do satélite haveria, na verdade, a necessidade de uma constelação de satélites para um atendimento adequado da demanda. No sentido de dirimir as dúvidas dessas posições diferentes, ficou registrado e encaminhada a necessidade de uma reunião entre o Senado, a Telebrás e o Clube de Engenharia, que, no entanto, inexplicavelmente, até o momento, não se realizou.  

Um outro ponto bastante sensível na discussão diz respeito à segurança da informação e à soberania nacional. Temos atualmente prestando serviços sobre o território nacional cerca de 50 satélites, todos pertencentes a entidades estrangeiras. Nenhum genuinamente nacional. Desde as evidências de espionagem reveladas por Edward Snowden, que atingiram especialmente o Brasil, colocou-se a necessidade de que as forças armadas e órgãos de governo fossem dotados de recursos de rede que pudessem conferir maior confidencialidade e segurança às nossas comunicações. Ora, com a venda da capacidade do satélite, continuaríamos a ter nossas comunicações ameaçadas.

Caso o atual governo e a Telebrás insistam em manter as condições estabelecidas no edital de licitação de venda das capacidades do satélite com a perda do sentido social do projeto, ao invés de implementarem políticas públicas de banda larga diretamente sob responsabilidade do Estado, para um serviço essencial ao exercício da cidadania, vislumbra-se que o déficit de atendimento do serviço será mantido, com uma tendência ao aumento das tarifas, um aumento da concentração na competição, continuidade na dificuldade da entrada dos provedores de internet na cadeia produtiva e finalmente uma maior vulnerabilidade à segurança e soberania nacionais.

Portanto, aproveitando que não houve propostas para aquisição das capacidades no leilão do SGDC realizado em 31/10, acreditamos ser essencial uma maior discussão com a sociedade para amadurecimento do projeto, de forma a torná-lo instrumento que efetivamente venha para diminuir as diferenças regionais e a promover a inclusão digital em nosso país.

Marcio Patusco é diretor do Clube de Engenharia e chefe da Divisão Técnica Especializada de Eletrônica e Tecnologia da Informação. Atualmente, é presidente do Conselho Consultivo da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e integrante do Conselho Deliberativo do FNDC.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

4 Comentários

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  1. A mão inútil do Livre Mercado não faz nada nesse país!!!

    Por que os liberais defensores do livre mercado não lançam satélites, não pesquisam Petróleo, não procuram minério, não constroem rodovias, não fazem pesquisa???

    Só querem privatizar… não criam nada!!!

    Tudo que o Estado faz que dá certo eles querem levar… e vão deixando a parte podre, que não interessa… depois enchem a boca pra falar que o Estado só da prejuízo!!!

    LÓGICO!!! A PARTE QUE DAVA LUCRO É USURPADA… A PARTE QUE DÁ PREJUÍZO ACUMULA NAS MÃOS DA BUROCRACIA… JÁ A PARTE DA INICIATIVA PRIVADA MAL ADMINISTRADA AINDA É SALVA PELO BNDES!!!

    Que venha o Comunismo Real… com essa iniciativa privada não há país que se desenvolva!!! Vivemos um pseudo-liberalismo-estatal-aristocrata-surrealista-imbecilizado.

  2. Ilegitimidade
    Vejo muito isso nos anúncios dos Pro PT…

    Não sou Pro PT… Não gosto do Governo Temer… Ta uma baita merda tbm…

    Mas… ilegitimidade isso não ocorre porque ele foi eleito junto a Dilma Rousseff…
    Pode ter sido golpe, no ponto de vista de vocês mas

    Ilegitimidade não e pois ele era o próximo na linha de sucessão ele foi ELEITO junto a Dilma…

    Obs a vida do povo com o PT no governo era mais fácil, o problema é que o povo tá cansado de ser enganado… E o brasileiro e acomodado com a situação…

    Apoio alguns movimentos como o movimento sul livre…
    Que deixaria a vida da galera aki do sul muito mais fácil….

    E isso q eu acho…

    Qro todos os que merecem na cadeia

    Lula, Temer e tudo farinha do mesmo saco

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