A baixa produtividade como inimiga da economia sustentada

Por Rodrigo Medeiros

Retomando o debate da produtividade, a revista The Economist, na sua edição de 19/4/2014, traz uma nova matéria sobre o Brasil. Sob o título de ‘The 50-year snooze’ (a soneca de 50 anos), há na respectiva matéria certos elementos irônicos. Não convém ficarmos cegamente presos ao tom da revista, porém devemos aproveitar para refletir sobre um tema que nos interessa coletivamente.

Conforme apontou a matéria: “Poucas culturas oferecem uma melhor receita para aproveitar a vida. Mas a noção de custo de oportunidade inexiste para uma grande parte dos brasileiros” (tradução livre). Para que a economia brasileira cresça de forma mais vigorosa e sustentada, The Economist diz que os trabalhadores devem deixar o seu estado de estupor. A revista admite, porém, que existem questões do cotidiano urbano que afetam a produtividade do trabalhador brasileiro. Os trabalhadores se tornaram anestesiados a filas, engarrafamentos, os prazos raramente são cumpridos e os atrasos são onipresentes.

Apesar de um breve surto entre 1960 e 1970, o output por trabalhador encontra-se praticamente estagnado ao longo do último meio século, em um claro contraste com a maioria das outras grandes economias emergentes (cf. gráfico). De acordo com a matéria, a produtividade total dos fatores, que mede a eficiência com que o capital e o trabalho são utilizados, é menor agora do que em 1960. A produtividade do trabalho foi responsável por 40% do crescimento do PIB do Brasil entre 1990 e 2012, em comparação com 91% na China e 67% na Índia. O restante veio da expansão da força de trabalho, da demografia favorável, da formalização e do baixo desemprego.

Portanto, se a economia brasileira desejar efetivamente crescer mais rápido do que 2% ao ano, os seus trabalhadores terão de se tornar mais produtivos. Há algumas razões que explicam o baixo desempenho brasileiro. Vejamos um exemplo: o Brasil investe 2,2% do PIB em infraestrutura, bem abaixo da média do mundo em desenvolvimento, 5,1%. Os gastos do Brasil com educação em relação ao PIB cresceram para o patamar relativo de um país desenvolvido, porém sua qualidade não acompanhou essa evolução. Seus alunos estão entre os de pior desempenho nos testes internacionais padronizados.

Existem ainda outras explicações para o baixo desempenho econômico brasileiro. Segundo The Economist, muitas empresas brasileiras são improdutivas porque são mal geridas e o giro da mão de obra é elevado. O tratamento fiscal preferencial para empresas de menor faturamento ajudou a formalizar muitas firmas. No entanto, esse tratamento desestimulou o crescimento de muitas dessas firmas. Um protecionismo excessivo para a importação de bens industriais de alta intensidade tecnológica também integra as críticas da matéria, por ser algo que impacta nos preços e na qualidade dos bens disponíveis no mercado doméstico.

O Brasil terá que enfrentar o seu problema de baixa produtividade se desejar efetivamente crescer mais para além de 2020, quando sua população em idade ativa começará a cair. Se o País não o fizer, correrá o risco de cair em um sono cada vez mais profundo. Não creio que seja inteligente da nossa parte fechar os olhos para essas questões levantadas. O debate de qualidade é salutar.

Rodrigo Medeiros é professor do Ifes (Instituto Federal do Espírito Santo)

Rodrigo Medeiros

3 Comentários

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  1. variáveis macroeconômicas e produtividade

    Desconfio que a questão da produtividade do trabalho no Brasil é menos uma questão de produtividade física do que um mal arranjo de variáveis macroeconômicas.

    Diria que um nível de juros (Selic) absurdamente alto valoriza o câmbio. O Real acima do câmbio tem o efeito de um aumento dos salários (barateando os importados). Estimula-se o consumo, mas grande parte dele não é suprida por produção nacional, deixada de lado por importações.

    Por outro lado, os juros altos tornam caros os investimentos, uma vez que aumentam o custo de oportunidade dos projetos, desestimulando a incorporação de capital na produção nacional.

    A consequência direta desse panorama é a realocação da força de trabalho do ramo industrial, mais capital-intensivo, para o ramo da distribuição e serviços, mais trabalho-intensivos. E então há a queda na produtividade geral.

    Em outras palavras, não é que o trabalhador brasileiro está em “estupor”. Ao contrário, está trabalhando bastante – talvez até relativamente mais. No entanto, está empregado em serviços, setor em que, relativamente à indústria, cada unidade de trabalho gera menos unidade de produto.

  2. Mia Couto –

    Mia Couto – http://outraspalavras.net/destaques/mia-couto-e-seu-colar-de-micangas-incomuns/

     

    Isso que se chama realidade

    Uma vez você disse que os moçambicanos – assim como os brasileiros – concebem e aceitam a realidade de uma maneira pouco realista. Mais ou menos vivemos em uma história de realismo mágico?

    De fato, temos tipos de culturas misturadas, miscigenadas, e essa mestiçagem se fez com nações, culturas, sentimentos e sensibilidades olhassem essa categoria chamada realidade de outra maneira e não fizesse a fricção entre o que é certo ou não certo. Tanto o Brasil como Moçambique são países que resultaram dessa emergência, dessas sensibilidades diferentes. Essas culturas – vou falar no caso de Moçambique – têm uma diferente maneira de olhar essa linha de fronteira entre o que é verdadeiro, o que é falso, o que é mágico e o que é real. Isso, obviamente, impregnou nossos países a olhar a realidade com uma interrogação. Os próprios europeus, que têm essa filosofia que valoriza tanto essa chamada realidade, criaram isso que se chama “realismo mágico”. De qualquer maneira, nunca seria um brasileiro, um latino-americano ou um africano a inventar a categoria de realismo mágico porque nós temos outro olhar. Trata-se de uma filosofia – de um modo de estar de estar no mundo – de um povo que não leva muito a sério o chamado sentido da realidade e não se deixa intimidar por uma certa racionalidade que é muito normativa em relação à necessidade de festejar o corpo e a alegria de viver.

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