A autocrítica da voz mais abalizada do capitalismo, por Luis Nassif

Para um dos papas da ordem capitalista global, Schwab surpreende ao defender a diversidade das origens, opiniões e valores entre cidadãos de todos os níveis.

É interessante a maneira como o capitalismo está se analisando. Nos últimos anos, além dos bilionários, um dos porta-vozes preferenciais do capitalismo tem sido Klaus Schwab, fundador e presidente executivo do Forum Econômico Mundial.

Em artigo recente, Scwab alertou severamente para a crise do capitalismo, exposta de forma fria pela pandemia da Covid-19. Ele admite as “profundas incertezas” dos dias atuais, mas sustenta que é hora de questionar velhas suposições e desenvolver um novo paradigma.

Suas propostas seriam consideradas marxistas pela troque Bolsonaro.

Segundo ele, a única resposta para a crise será buscar a “Grande Reinacialização” das economias, reavaliando as “vacas sagradas” anteriores e defendendo valores legítimos.

Entre os valores, está a cooperação e o comércio internacionais, que garantiram as melhorias no pós-guerra. Especialmente nas primeiras décadas do pós-guerra o mundo consquistou avanços sem precedentes em direção à erradicação da pobreza, redução da mortalidade infantil, aumento da expectativa de vida e expansão da alfabetização, diz ele. Depois, parou.

A ameaça ao mundo, diz ele, vem do fundamentalismo do livre mercado, da ideologia neoliberal que corroeu direitos dos trabalhadores e a segurança econômica, desencadeou uma corrida desregulamentadora e uma competição fiscal ruinosa, permitindo o aparecimento de novos monopólios globais, diz ele.

Vários conceitos neoliberais, como regras do comércio, tributação e concorrência, terão que ser revistos. Caso contrário, alerta ele, o pêndulo ideológico, já em movimento, oscilará de volta ao protecionismo em grande escala.

Schwab identifica os motores básicos de crescimento no empreendedorismo, na capacidade de criar riqueza assumindo riscos e buscando novos modelos inovadores de negócios. Defende a produção de bens e serviços de forma eficiente, para permitir enfrentar as mudanças climáticas.

Mas sugere repensar o que significa falar em “capital” em suas múltiplas iterações, financeiras, ambientais, sociais ou humanas. Identifica nos consumidores não apenas a busca dos melhores produtos e serviços por um preço razoável, mas a expectativa que as empresas contribuam para o bem estar social e o bem comum. Trata-se de um novo tipo de capitalismo, diz ele.

Ele faz uma releitura do pensamento de Milton Friedman. Este foi o pioneiro da doutrina da primazia do acionista na vida da empresa, diz ele. Mas considerava que uma empresa de capital aberto não seria apenas uma entidade comercial, mas também um organismo social. Daí a necessidade de investir no fortalecimento de sua vitalidade de longo prazo,.

A maior lição do Covid, diz ele, foi mostrar que governos, empresas ou grupos da sociedade civil, agindo por conta própria, não podem enfrentar os desafios globais sistêmicos. Propõe, então, “quebrar os silos que mantém esses domínios separados”, e passando a construir plataformas institucionais para a cooperação público-privado. E as gerações mais jovens devem ser envolvidas porque é para a definição sobre futuro a longo prazo.

Para um dos papas da ordem capitalista global, Schwab surpreende ao defender a diversidade das origens, opiniões e valores entre cidadãos de todos os níveis. “Cada um de nós tem sua identidade individual, mas todos pertencemos a comunidades locais, profissionais, nacionais e até globais com interesses comuns e destinos interligados”. É o lado humanizado da globalização.

A Grande Restauração, diz ele, deve procurar dar voz ‘aqueles que desejam co-moldar o futuro. O caminho não é uma revolução dou mudança para alguma nova ideologia, mas um passo pragmático em direção a um mundo mais resiliente, coesa e sustentável.

Arrisca-se a ser taxado de comunistas pelo pensamento médio bolsonarista.

Luis Nassif

14 Comentários

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  1. Ou de messias pelo reformistas-conservadores.
    A ideia de reinicializar o que está no fim serve apenas para manter a mesma hierarquia no que virá, o pós capitalismo.
    Claro, que ele deseja sentar na janela.
    Ai Nassif.
    Às vezes, na maioria das vezes, ler você é um exercício masoquista.

    1. Comentário perfeito, ele é fundador do Fórum Econômico Mundial, instituição que ao longo de sua existência só defendeu o que está aí, todo esse liberalismo e falta de regramento, hipocrisia (oportunismo) dele buscando surfar uma nova onda, quando percebe (não é burro) que as mudanças estão chegando, quais mudanças? Ninguém sabe como o mundo será daqui por diante.

  2. Tá td muito bom, tá td muito bem, mas isso não serve pruma sociedade PRIMITIVA como a do Brasil contemporâneo
    ..afinal, depois de tudo pelo que estamos passando, difícil imaginar a interação da dita sociedade civilizada com bolsominions ou evangélicos criacionistas, terraplanistas, dos contra vacina ..com os detratores da democracia e GOLPISTAS ..com exaltadores da violência e da tortura, com exploradores irracionais do meio ambiente ..ou com grupo seres abjetos ligados a familícia e as Forças públicas Armadas revisionistas.
    FATO – se houve uma “grande lição” com o COVID, com certeza o BRASIL faltou nessa aula.

    1. Fico intrigado, caro Romanelli… será que pode-se dizer assim, tão definitivamente, que SOMOS uma sociedade nacional primitiva? Ou será que mentiu a mídia quando divulgou que a aprovação dos governos Lula chegou a 80%. Olha que aqueles governos estimularam não apenas a iniciativa privada nacional – micro, pequena, média e grande – como estabeleceram políticas públicas orientadas aos mais vulneráveis, hein? Quantos desse 80% tornaram-se bolsominions? Quantos desses 80%, mesmo sem serem exatamente bolsominions, apoiam a “chilenização” – no sentido oposto às políticas social-orientadas – que se pretende implantar no nosso país?

      Bem… talvez sejamos primitivos no sentido de seguirmos a moda, a mídia: fazemos loas a Lula quando a mídia quer, a Bolsonaro, quando a mídia quer, será? Pedimos auto-crítica ao PT e criticamos Dilma, tudo de acordo com a moda… Mas será que isso é primitivismo ou é da natureza humana? Será que somos mais influenciáveis do que gostamos de admitir?

      Lembro de uma história, do tempo em que a mídia ainda não demonizara árabes nem chineses… um sufi (ou sábio chinês) disse que tinha em si dois cães sempre disputando sua ação, um honrado, corajoso e companheiro, e outro hostil, amedrontado e raivoso. Perguntado pelo discípulo qual deles ganhava o poder da decisão sobre a ação, respondeu: “O que melhor alimento.”

      (***)

      Venenos. Prestamos muita atenção no que ingerimos como comida mas pouca no que levamos para dentro de nossas cucas.

      1. Caro Renato, vou dar um desconto ..se somos, talvez, mas que ESTAMOS (num dos piores momentos da nossa história), com certeza.
        Amigo, o nível de desconstrução que estou assistindo, se me contassem em qq obra distópica sobre o BRASIL, até bem pouco, eu não acreditaria.
        O pior que analisando em retrospectiva, estavam todos ali, as FORÇAS, os personagens envolvidos, e nós não vimos (ou não quisemos ver ?) ..nem, no caso do Bolsonaro, apesar das ilicitudes e provocações de décadas, sequer tentamos impedir.

        1. Verdade, caro. Nem em pesadelos podíamos imaginar que aconteceria conosco o que está acontecendo. Principalmente depois dos governos Lula que, por mais capitalista que seja, enxerga o mal que a desigualdade de oportunidades traz em si. Parece surreal… só que não é, é real.

  3. A autocrítica do Capitalismo…
    Ela se resume a uma frase:
    “Não posso evitar…é a minha natureza.”
    Reconhecem? É a fábula da rã e do escorpião.
    Nós, insignificantes rãzinhas, seguimos carregando o escorpião nas costas.
    Na metade do caminho…tome-lhe ferroada.
    Agora, com a pandemia, onda de calor global, o espectro da miséria rondando, de carne e osso (muito osso e pouca carne), esses faróis do humanismo (normalmente, fundadores e presidentes de fóruns econômicos mundiais) aparecem para fazer “autocrítica”…
    Claro, o que antes estava razoavelmente oculto – a exploração, a desigualdade – agora está aí, escancarada.
    A pandemia, que deveria fazer um favor a essa gente – eliminando um bocado dessas rãs inúteis – acabou insatisfatória; matou, até agora pouco mais de um milhão.
    E terminou sendo um tiro no pé – expôs essa gente à luz do dia como o que são: vampiros.
    Portanto, pessoal, vamos fazer uma autocrítica, não é mesmo? Não somos trão ruins assim.
    Engula quem quiser.
    Vão fazer uma transfusão, reanimar o semimorto, e quando ele voltar a ter forças para, ao menos, cambalear, eles voltam ao que eram antes.
    Apenas alguns bilhões mais ricos.
    Não há lado humano na globalização.
    Ela é, em si, exploração em larga escala.
    E só.

  4. A ocorrência da pandemia tem sido benéfica ao capitalismo. Se não fosse pelas restrições legais em função desse coronavírus – proibição de reuniões públicas, manifestações, o “fique em casa”, e até a ingerência sobre o indivíduo (uso obrigatório de máscaras) – talvez esse país já tivesse parado num grande apelo para arrancar os golpistas do estado à força de “impeachment”. Olha os absurdos que temos suportado: Damares, Onix (confesso), Salles, Queiroz, Michele Bolsonaro, Eduardo, Carlos e Flávio, milícias em geral, Moro, Dallagnol e turma judicial, universidades públicas sob intervenção, Regina Duarte, Sérgio Camargo e por aí vão tantos outros exemplos… é até difícil acreditar que teríamos uma capacidade tão grande para a frouxidão, o lasseamento, o arrobamento de nossa indignação cidadã. Mas vai ser mais difícil ainda acordarmos dos sonhos, fantasias e ilusões sobre as possibilidades do capitalismo terem se acabado…

    O evento COVID-19 serve tão bem para a repressão que me faz lembrar do uso da derrubada das Torres Gêmeas, na cidade de Nova Iorque, como desculpa para a barbárie dos EUA sobre quase todos os países do mundo. A pandemia é tão útil para o capitalismo que dá para pensar até que foi criada para isso mesmo (como se pensa que, por exemplo, Deus criou os figos, as maçãs e o resto da existência apenas para o desfrute humano).

  5. Caro Nassif,
    E se essa premissa de que o problema do capitalismo mundial são os excessos neoliberais, bastando uma volta a uma espécie de keynesianismo humanitário para resolvermos o problema do sistema? Este diagnóstico, bem como sua solução se assenta no pressuposto de que os rumos do capitalismo desandaram na década de 1980 por conta de más decisões (e más vontades) política em direção à financeirização e que a solução estaria em boas decisões políticas rumo a um capitalismo baseado na economia real e distributivista de renda, cujo modelo seria o estado do bem estar social do 1o Mundo dos 30 anos dourados (1945-1975).
    Você mesmo abraça essa teoria, caro Nassif, assim como nossos bons economistas desenvolvimentistas/progressistas, mas eu discordo dela. O problema do capitalismo, a partir da década de 1970, foi a queda da taxa de lucro, empiricamente demonstrada por vários autores marxistas, inclusive Michael Roberts, cujos artigos sobre isso venho publicando aqui no GGN. Sem lucro, os capitalistas e seus CEOs deixam de investir na economia real ou passam a superexplorar o trabalho, abocanhando o lucro que seria dividido com os trabalhadores.
    A financeirização, de acordo com essa lógica, não foi resultado de uma má decisão política, imoral e gananciosa, mas uma necessidade para salvar o capitalismo, fazendo o dinheiro se multiplicar sem a necessidade da produção de mercadorias, cujo lucro tende a ser cada vez menor.
    Por isso, não adianta tentar humanizar o capitalismo, voltando à economia real e ao distributivismo. A crise é uma questão de engano político, maldade, ganância ou imoralidade das elites, mas estrutural, inerente à própria lógica de funcionamento do capitalismo. A única saída, para se permanecer no capitalismo, é aprofundar o neoliberalismo e sua economia de bolhas, que provoca desemprego estrutural e desigualdades. Por isso o neoliberalismo não vai ceder lugar a um capitalismo humanista e de economia real: porque não depende de vontade política, mas se trata de uma impossibilidade sistêmica, que vai contra a lógica da acumulação do capital- principalmente contra o primado da lucratividade, Santo Graal do capitalismo. Ora para se ir contra a lógica do capitalismo, apenas saindo do sistema: a única solução “humanista” é, portanto, a emancipação do capitalismo.

  6. Acho que Chomsky explica bem esse fenômeno aí, nesta breve entrevista:
    https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/chomsky-o-mundo-precisa-da-derrota-de-trump/
    Aqui o trecho específico
    “Podemos revisitar o meu filósofo favorito, David Hume. Seu livro Of the First Principles of Government [“Dos Primeiros Princípios do Governo”], um tratado político do final do século 18, começa dizendo que devemos entender que o poder está nas mãos dos governados. Aqueles que são governados são os que têm o poder. Qualquer que seja o tipo de Estado, militarista ou mais democrático, como a Inglaterra estava se tornando. Os chefes governam apenas por consentimento. E se esse consentimento for retirado, eles perdem. Seu poder é muito frágil.

    Devo dizer que os atuais mestres do universo, como eles modestamente se referem a si mesmos, entenderam isso muito bem. Todo mês de janeiro, em Davos, a estação de esqui da Suíça, os grandes e poderosos se reúnem para esquiar, se divertir e se parabenizar por serem maravilhosos. Os principais executivos-chefes, figuras da mídia e figuras do entretenimento, e assim por diante.

    Mas este ano foi diferente. O tema era: Temos problemas. Os camponeses estão chegando com suas forquilhas. Nas palavras que eles preferem, estamos enfrentando “riscos de reputação”. Eles estão vindo atrás de nós. Nosso controle é frágil. Temos que passar uma mensagem diferente. Portanto, a mensagem em Davos foi: Sim, percebemos que cometemos erros durante todo esse período neoliberal. Vocês, a população em geral, sofreu. Nós entendemos isso. Estamos superando nossos erros. Agora vamos nos comprometer com vocês, as partes interessadas e as comunidades trabalhadoras. Estamos realmente comprometidos com o seu bem-estar. Estamos nos tornando profundamente humanitários. Lamentamos nossos erros. Vocês podes botar fé em nós. Nós assumiremos a responsabilidade e trabalharemos para seu benefício.”

  7. Não só o Nassif, mas como também bons economistas caem na falácia que escrevi já a algum tempo (20/05/2019) no texto intitulado:
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    A falácia dos maus capitalistas rentistas versus os bonzinhos produtivistas. (https://jornalggn.com.br/blog/rdmaestri/a-falacia-dos-maus-capitalistas-rentistas-versus-os-bonzinhos-produtivistas/)
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    Há uma contradição básica de todos aqueles que acreditam no capitalismo como a forma mais eficiente de produzir que é dada pela aparente disputa entre os bons e maus capitalistas, os bons seriam os produtivistas e os maus seriam os rentistas.
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    Essa aparente divisão é advinda de uma visão de Hegel da história, ou seja, uma visão idealista em que a vontade dos homens podem e mudam a história.
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    Quem teve uma boa criação familiar, tem princípios éticos fortes e corretos tem a tendência em achar que São Francisco de Assis que estava com a verdade, ou seja, que os homens pelo seu caráter podem mudar a realidade. Eu diria que é uma visão linda, idílica e totalmente equivocada.
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    O capitalista só investe onde há possibilidade de lucro, logo qualquer coisa que saia dessa esfera é bobagem, o Wilton Cardoso coloca acima uma explicação lógica sobre a financeirização que leva aos capitalistas a não investirem em atividades produtivas e ganharem dinheiro exatamente onde eles podem.
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    Nos dias de hoje, por exemplo, quem quer investir está colocando em imóveis, fazer um investimento como proposto por Mark Twain: “Compre terras, eles não estão mais fazendo isso.”, já os mais burrinhos estão apostando na bolsa.

  8. Coloquemos em termos práticos: eles mataram o porco e o colocaram na máquina para moer. Agora ele quer colocar a carne moida na máquina e ressuscitar o porco. Então tá.
    A hipocrisia desses donos do poder…

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