A Bolsa de Opiniões

Enviado por: Gustavo Conde

Por pura (i)reverência, tomei a liberdade de adaptar o seu texto para o mundo do discurso. É uma espécie de chiste, mas também uma tentativa de entender por que o discurso econômico pop é tão desagradavelmente unânime, quanto a crescimento e juros.

Bolsa de opiniões (ou a origem do efeito manada no mercado opinativo)

Há plena liberdade de entrada e saída de opiniões econômicas em quase todos os países. Essas opiniões se organizam, em geral, em forma de artigos assinados e se movem em duas direções: procuram adeptos (leitores, analistas que reproduzem seu conteúdo, fortalencendo-o) leigos para convencer; e repelem posições consideradas excessivamente otimistas.

Praticamente todas as opiniões econômicas internacionais estão nos grandes veículos de comunicação. Existe um mercado de adesão e propagação à vista; e outro mercado maior dos chamados “derivativos” – ou reformulações derivadas das opiniões em questão. Por exemplo, posso aderir à opinião de um determinado veículo para enunciá-la de fato daqui a seis meses. Nem a pessoa que adere tem a opinião; nem o veículo tem o texto adesivo. A cada dia, se o valor da opinião sobe ou desce, adesista e veículo repelem ou justificam argumentos. São os chamados ajustes diários, que o analista econômico que está na ponta perdedora é obrigado a fazer. Além dele, existe a chamada de margem, o aporte de garantias adicionais a cada baque maior de determinado discurso.

Na hora de aderir, os grandes veículos de comunicação espalham sua carteira por uma infinidade de opiniões no mundo todo. Suponha que estoure uma crise com determinado discurso – a defesa do crescimento sustentável no Brasil. Se o tamanho do tombo for muito grande, os analistas que estiverem na ponta perdedora terão que atender ao chamado de margem. Como fazem isso? Veiculam suas opiniões mais líquidas (as mais unânimes). Dependendo do volume de adesões, essa veiculação adicional derruba também a resistência a esse discurso. Dependendo da intensidade das quedas, ocorre o efeito-dominó, com um analista aderindo a outro sucessivamente.

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Tem mais. Os analistas econômicos trabalham com o conceito de “múltiplos”. Pegam a opinião genérica de determinada empresa de comunicação e multiplicam por determinado multiplicador. Quando muda o status do discurso – pela melhora ou piora da aceitação – imediatamente o mercado aumenta ou reduz o multiplicador, com resultados expressivos sobre a cotação da opinião.

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Veja bem que os dois primeiros tópicos – os mercados de derivativos e o sistema de múltiplos (que definem a “valuation”) do ativo podem provocar terremotos expressivos no discurso econômico da noite para o dia.

E aí se entram em características próprias do momento atual. Há muita opinião sobrando no mundo, que levou analistas a se comprometerem para a aquisição de outras, ou para re-adesão de suas próprias opiniões. Esses movimentos levam em conta a capacidade de adesão dos analistas, ou o valor das suas opiniões – dadas em garantia.

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Hoje em dia, os múltiplos estão elevadíssimos, especialmente para países como o Brasil, cujas opiniões são chamadas de “pró-cíclicas”. Esse termo significa que sempre que um discurso ganha força no quadro internacional, as opiniões do Brasil são as primeiras a aderir. Sempre que perde, são as primeiras a abandonar também.

Hoje em dia, em caso de efeito-manada nas opiniões econômicas internacionais, os primeiros analistas a sentirem serão os de países emergentes como o Brasil. São os mais fáceis de convencer, aqueles em que a volatilização opinativa será maior (daí a pressa do analista em passar sua opinião para frente).

Se ele começa a convencer e a tirar idéias da cachola, como não há limite para entrada ou saída, haverá efeitos sobre o mercado das opiniões, com a confiabilidade se desvalorizando.

Luis Nassif

17 Comentários

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  1. Na verdade ela já não sabe o
    Na verdade ela já não sabe o que é diretoria do BC ou de partido… nem crescimento ou redução. A coisa é grave… deve ser a volatibilidade da bolsa…

  2. Fantástico!!

    A coisa anda
    Fantástico!!

    A coisa anda tão feia que a Miriam Leitão (em ato falho?) em seu blog confunde a diretoria do BC com partido político!!

    É pura ideologia mesmo! Que horror…

    “A inflação continua comportadíssima mas esse tremor das bolsas, moedas e risco deve dar o motivo que os dirigentes do partido terão para manter o ritmo do crescimento de 0,25 ponto pecentual.”

  3. Geralmente se acredita que a
    Geralmente se acredita que a paródia tem um poder destrutivo sobre o texto-objeto*. Contra os muitos que sustentaram essa opinião, temos aqui uma paródia que enriquece o texto primeiro e a partir dele também se enriquece.

    Muitos dirão: foi uma analogia, não uma paródia. E a analogia sempre gera imagens reveladoras.

    Mas o efeito de “graça” é próprio dos humores e não das analogias.

    Aqui a paródia incide sobre o objeto do texto de Nassif (o discurso do mercado financeiro), e não sobre o texto do jornalista. Mas ajuda o texto primeiro a revelar como é louco o movimento do mercado financeiro mundial.

    Sinceramente, ao reler o texto do Nassif, já o vejo com outros olhos.

    De certa forma descobre o que estava implícito, e que por isso não percebíamos: a paródia de Gustavo ensina como é débil a segurança dos mercado. Ao mesmo tempo que explica como é frágil o mercado das opiniões.

    Dá para rir. E você sai mais informado. Agora são textos siameses. Dignos de servirem como exemplos em livros sobre as artimanhas da linguagem..

    * Para mim a paródia mais sensacional é “O canto de regresso à pátria”, de Oswald, que destrói o romantismo de “Canção do exílio”.

  4. Me perdoem mas isso aqui
    Me perdoem mas isso aqui virou samba do criolo doido.

    Efeito manada implica em pânico irracional. Não foi isso que aconteceu. A bem da verdade, temos uma economia global onde Europa e Japão andam de lado a mais de 10 anos e a economia dos EUA é visivelmente débil e se mantem assim há alguns anos graças ao monumental déficit público e onde a economia “carro-chefe” é a China. Isso parece normal para alguém?

    Não é.

    Faz mais de 7 anos que se fala da possibilidade de uma grande receção nos EUA (talvez uma depressão). A pergunta que deve ser feita é: até quando o défit fiscal dos EUA irão postergar a recessão? Até quando a economia chinesa será capaz de cumprir o papel que outrara fora dos EUA, Europa e Japão?

    O contágio que vimos tem fundamentos reais, o mesmo talvez não possamos dizer da economia dos EUA. Se ocorrer a quebra do setor imobiliário nos EUA, o Japão deve quebrar por tabela, na qualidade de principal finaciador do mostruoso déficit comercial dos EUA. E segurando toda essa frágil armação a China. Tem mais é que estar em pânico!

  5. Nunca me senti tão
    Nunca me senti tão esclarecido na vida quanto agora, depois de ler esses três textos. Agora que todos meus problemas estão resolvidos vou seguir o conselho de outros colunistas econômicos e vou plantar árvores na cerca das fazendas do Blairo

  6. Gustavo,
    Estou repetindo meu
    Gustavo,
    Estou repetindo meu comentário, porque o postei há horas e vejo que não foi aproveitado.
    Genial sua paródia. Uma das mais inteligentes que já li. Vejo que é a mesma a opinião de outros comentaristas.
    Vou procurar ver a de Osvald, também citada em comentário, que eu não conheço.
    Veja como está certo o Nassif ao apostar mesmo na interação blogueiro/leitor/comentarista, enriquecendo a análise e o debate de idéias.
    Parabéns.

  7. Sensacional,

    Isso explica pq
    Sensacional,

    Isso explica pq não adianta nada ler opiniões antes de aplicar dinheiro.

    A ponta “perdedora” os leitores/apostadores/investidores ou analistas pequenos estão no fim do dominó.

    Resta nos cair

    parabéns, nassif, vc tá criando monstros

  8. Tudo não passa de especulação
    Tudo não passa de especulação barata, jogo mesmo, pior que cassino.
    Hoje a bolsa de Tóquio, e os demais mercados asiáticos reagiram (rá-rá-rá!) à tendência de baixa, não porque a economia japonesa vá bem, mas sim porque o secretário do tesouro dos EUA, que está lá, disse que a economia japonesa vai bem.
    Analistas financeiros com cerébro lavado (mestrado, PhD, pós doc) nos EUA definem e justificam…
    Já na bolsa de SP, manipulada por meia dúzia, sempre acompanha os patrõezinhos da bolsa de NY, com queda muito maior, é claro, sempre que àquela cai. Aliás, a bolsa de SP, não tem relação com o mercado e com as empresas nacionais, mais sim, reparem só, com os índices da Universidade de Michigam, com a inflação e a taxa de juros americana, com os índices de preços dos imóveis nos EUA, com a variação da bolsa de NY e da Nasdaq, etc, etc, (e põe etc. nisso, tudo, made in USA), como gostam a maioria de nossos (?!) analistas financeiros, todos com 20 ou 30 e poucos anos e, com carimbo em inglês no cérebro.
    Eu tenho que ganhar bem, entende?
    Como tem débil mental pensando em inglês….

  9. Gustavo,
    Ao ouvir, incrédulo,
    Gustavo,
    Ao ouvir, incrédulo, a Mirian Leitão responder ao Renato, no Bom dia Brasil de hoje, que é o Lula, e não o Bush, que está certo, resolvi visitar este Blog pra conferir se ainda estou no planeta, e eis então que encontro este seu satírico economês pra conforto dos que só pensam em /NEGÓCIOS DA CHINA/ Realmente, não tenho porque duvidar, as coisas estão mudando mesmo pois, alem do termômetro Miriam Leitão estar positivo, também se consegue produzir risos sobre os opinativos sombrios dos que só querem ganhar coçando

  10. Bom partindo do exposto,
    Bom partindo do exposto, gostaria de perguntar ao nobre onde se encaixa a posição da globo e de seus comentaristas quase independenetes sobre o déficit da previdência…..ficaram contra o mercado, comprados ou vendidos..?

  11. Gustavo, desde o início dos
    Gustavo, desde o início dos anos 90 costumei tratar a opinião pública usando essas ferramentas dos movimentos pendulares de mercado. Tinha um período em que FHC era o maior presidente da história. Ficava caro. Aí o mercado começava a ver que nao era essa Brastemp toda e havia um movimento de queda, que provocava um “overshooting” para baixo. Ele se tornava uma porcaria completa. Como ficava “barato” (isto é, abaixo do que ele realmente valia), o mercado percebia que, também, não era tanto assim, e o pêndulo se voltava, tornando caro novamente. Mas sua paródia foi completa, campeoníssima. E se quiser mandar em cordel também, está aceito.

  12. Só um esclarecimento. Na
    Só um esclarecimento. Na verdade existe mesmo uma teoria do discurso e chama-se análise do discurso: está formalmente vinculada à lingüística, mas na verdade encontra-se entre a lingüística, a história e as ciências sociais. Foucault, por exemplo, é um pensador incorporado à disciplina, que lida com todo tipo de discurso (científico, cotidiano, midiático etc). O que Conde fez não deixa de ser uma análise, muito perspicaz por sinal, do discurso econômico (entre midiático e científico) da atualidade.
    Os discursos realmente não são individuais e têm cotação ou, numa acepção foucaultiana, estabelecem, defendem ou resistem ao poder.

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