A chegada dos novos tempos – 2

Coluna Econômica

Ontem apresentei o que julgo ser o cenário provável para os próximos tempos: o amadurecimento político brasileiro, a convergência para o centro, a inclusão gradativa da população aos bens da cidadania.

Alguns leitores julgaram a visão muito panglossiana.

De fato, busquei traçar o cenário otimista para o país, as grandes linhas que – acredito eu – conduzirão a política brasileira no longo prazo. Não se trata de uma linha reta, mas de um caminho sujeito a muitos percalços, a muitos assomos de radicalismo, mas conduzindo inexoravelmente à um aprofundamento da democracia brasileira.

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Vamos nos estender um pouco mais sobre o tema.

Há dois tempos na democracia: as eleições e o período entre eleições, aquele no qual os poderes efetivos se manifestam. Apesar de ser o regime que propugna, por excelência, a igualdade de oportunidades, historicamente o exercício do poder democrático sempre foi concentrado nos grandes acordos políticos, com grupos econômicos.

O modelo democrático ocidental fundou-se na relativa independência entre três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário -, no sistema de freios e contrapesos (isto é, cada poder ajudando a delimitar os demais poderes), teoricamente fiscalizados pela opinião pública, através dos meios de comunicação.

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Nos primórdios da democracia, o jornal impresso era o grande veículo de expressão da opinião pública. Com o tempo, passou a representar interesses de partidos ou grupos políticos e econômicos. Depois, os jornais tornaram-se empresas consolidadas, com interesses próprios.

A não ser nos primórdios – no caso brasileiro, na campanha da Abolição e da República -, a imprensa hegemônica (eixo Rio-São Paulo) sofreu da mesma estratificação de conceitos que imobilizava os demais poderes.

Por exemplo, os interesses particulares de Rui Barbosa, primeiro Ministro da Fazenda da República, quebraram o país, gerando uma dívida externa imensa. Os movimentos de capitais impediam a industrialização, devido à enorme volatilidade que imprimiam ao câmbio. O bom senso recomendaria controle estrito dos capitais, renegociação da dívida.

No entanto, antes de assumir a presidência, Campos Salles excursionou pela Europa para negociar com os credores, levando jornalistas a tiracolo. Eles se incumbiam de disseminar os elogios com que a Casa Rothschilds e outros credores saudavam a disposição brasileira de renegociar a dívida com o mínimo de perdas para os credores.

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Para um país provinciano, mal saído das fraldas, elogios de grandes banqueiros internacionais influenciavam toda a discussão pública. Mesmo com elevadíssimo grau de analfabetismo, jornais de baixa tiragem – no Rio e em São Paulo – pautavam a discussão pública e  apresentavam as receitas a serem seguidas.

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O novo quase nunca era encampado pelo establishment midiático. Não aceitaram Villa-Lobos, a Semana de Arte Moderna, as pinturas modernistas nem a ascensão da nova classe média urbana, os imigrantes e filhos de imigrantes que vinham inocular a sociedade brasileira com valores do trabalho – tão mal apreciados naquele início de formação do país.

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Foram o aparecimento do rádio e a disseminação do disco que abriram espaço para a manifestação e afirmação da nova cultura urbana, com os poetas populares, músicos, cantores que, ainda nos anos 20, ajudaram a formar a identidade nacional.

Porta de entrada

Novas classes surgiam. Mas a afirmação política, social e cultural dos novos incluídos depende fundamentalmente do acesso aos meios de informação, não apenas como consumidores de notícias, mas como protagonistas. É a exposição pública que confere protagonismo político dos novos atores. O rádio permitiu a disseminação dos novos tipos populares, assim como a televisão. Mas sempre como o pitoresco, o curioso.

Porta de entrada – 2

O movimento político civilizatório consiste em incorporar gradativamente todos os setores da população e todas as regiões do país. Sem a mediação da política, dos partidos políticos, instaura-se a selvageria. Rixas de grupos terminam em bala e busca de direitos em agitação. Com a redemocratização, especialmente com a excepcional Constituição de 1988, o país foi jogado na modernidade dos direitos civis.

Porta de entrada – 3

Embora consagrado na Constituição, direitos, formas de expressão e manifestação (como os conselhos municipais e as Conferências Nacionais) ficaram muito tempo na geladeira, justamente por não entrar na pauta da mídia. Tratava-se toda manifestação popular como agitação, em vez de interpretar como vestibular para  o grupo, no momento seguinte, ganhar voz e inserir-se no jogo democrático. Tratava-se o brasileiro não incluído ou como agitador ou como dependente.

Novos tempos – 1

Até então, quem quisesse se manifestar fora dos meios hegemônicos de comunicações, tinha que se valer do mimeógrafo, da pichação de muros ou de jornalecos distribuídos pessoa a pessoa. Criava-se, então, um enorme vácuo não apenas de cidadania mas de informação, já que era ignorado todo aquele imenso país que crescia à sombra do país formal. Boas experiências não eram compartilhadas, manifestações culturais ignoradas.

Novos tempos – 2

Com a Internet, todos os agentes passam a compartilhar a mesma plataforma tecnológica. Agora é possível a todo o país saber que a melhor música popular brasileira se faz em Minas, que Pernambuco é um manancial inesgotável de cultura popular, que existe uma geração riquíssima de jovens instrumentistas. É possível saber das experiências administrativas bem sucedidas, dos problemas econômicos regionais.

Novos tempos – 3

Em um primeiro momento, os novos tempos assustam. Há um volume imenso de informações disponíveis, sem a mão organizadora da imprensa tradicional – que entregava tudo mastigado para seu leitor, desde as notícias selecionadas, até o enfoque único, pasteurizado. Ou do partido político tradicional, que pretendia representar o eleitor em todos os temas. Tem-se um novo tempo, uma nova liberdade. E um belo processo de construção pela frente.

Luis Nassif

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