A entrevista do diretor do Casino

Do Estadão

Em 1999, o Grupo Pão de Açúcar era um negócio medíocre, diz Casino

Segundo Naouri, Abílio Diniz tentou por várias vezes negociar uma forma de não ter de entregar o controle

05 de julho de 2011 | 23h 00

Irany Tereza e Alexandre Rodrigues, de O Estado de S. Paulo

RIO – Com expressão quase serena, que raramente denuncia o tom indignado que pontua sua descrição da estratégia engendrada pelo empresário Abílio Diniz para unir Pão de Açúcar e Carrefour no Brasil, Jean-Charles Naouri, diretor-presidente do Grupo Casino, não hesita em classificar o movimento de seu sócio brasileiro como uma “expropriação” de sua empresa. 

Palavras fortes como “traição”, “manipulação”, “medíocre” e “insultante” fluem naturalmente no discurso em que lembra que pagou caro pelo direito de assumir o controle do Pão de Açúcar, em 2012. Mas, ele não altera o tom de voz. Na empresa resultante da fusão com o Carrefour, que Naouri define como um “erro estratégico”, o Casino teria seu poder de decisão igualado ao de Diniz.

A entrevista ao Estado ocorreu um dia depois do encontro com o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, no qual Naouri centrou sua argumentação no perigo de o governo brasileiro apoiar uma ação ilegal. Declara que seu sócio violou mais do que um acordo de acionistas e recorre ao Código Civil brasileiro para acusar Diniz de má-fé. Um sinal de que a disputa, que já está no segundo round de uma arbitragem internacional, pode terminar na Justiça.

PorqPor que o sr. veio ao Brasil?

Vim para encontrar o presidente do BNDES, ontem (segunda-feira). Dei a ele uma visão da situação e das minhas preocupações com um projeto que parece ter sido elaborado em contradição com os acordos (de acionistas) e que, em primeira análise, não está no interesse social (do banco). Encaramos isso como uma forma de expropriação do Casino, cujos direitos haviam sido estabelecidos em contratos em 2005. O senhor Luciano Coutinho manifestou a mesma posição do comunicado (que condiciona o apoio do banco a um consenso entre os sócios) que tinha feito há alguns dias. Saí muito satisfeito desse encontro.

O sr. pediu ao BNDES que não participe da fusão?

Não formulei a questão dessa forma.

O Casino ainda não se posicionou formalmente contra a fusão. Há chance de entendimento se a análise da proposta se mostrar positiva para sua empresa?

Eles ainda não formularam a proposta. O local adequado é o Conselho de Administração.

Há possibilidade de acordo ou o sr. manterá na reunião posição contrária à fusão com Carrefour? A posição formal do Casino será comunicada. Preciso fazer algumas observações, já que eles negam o direito de controle do Casino sobre as atividades. É uma negociação muito complexa a ser feita e nos parece que está sendo assentada numa base estratégica errada.

Assumir o controle é o seu principal objetivo?

Não é um objetivo, é o contrato. O objetivo é fazer o Pão de Açúcar crescer de maneira proveitosa e rentável, em favor dos acionistas, dos clientes e dos fornecedores, com grande respeito pelo Brasil. Nos comprometemos que a gestão continuará brasileira.

A reação do Casino foi muito contundente, inclusive recorrendo a arbitragem, sob acusação de negociação secreta. Mas Abílio Diniz nega ter havido descumprimento legal do acordo.

A negociação secreta foi um ato ilegal. Naturalmente, não está em conformidade com as boas práticas e a ética nos negócios. Contradiz a seção 2.1.1 do acordo, que diz que os acionistas não podem tomar nenhuma ação que resultaria em mudança do controle. Também é contrária ao Código Civil brasileiro, que diz que se deve agir de boa fé, o que foi violado nessa negociação bilateral (Diniz-Carrefour). Por isso pedimos a arbitragem.

Por que o sr. não recebeu Diniz em Paris na semana passada? Há a possibilidade de encontro no Brasil?

Diniz deu uma visão deformada sobre sua visita a Paris. Eu o vi dezenas de vezes, muitas a pedido dele mesmo. Na última vez que o vi, em 15 de abril, surpreso com sua presença em Paris, perguntei se ele estava negociando alguma coisa e, em caso positivo, com quem. E ele me respondeu formalmente que não tinha nada a dizer. Entre esse dia e o vazamento da negociação, em 22 de maio, houve numerosas discussões. Nas semanas que se seguiram até a segunda-feira antes do anúncio (da proposta de fusão), os assessores se falaram. Os meus pediram aos dele um encontro e os dele disseram que não tinham nada a dizer. Eu havia aceito, a pedido de Diniz, um encontro no dia 4 de julho. Havíamos acordado essa data em correspondência. Diniz alegou que não poderia ir a Paris antes porque estava muito estressado com as discussões, que precisava descansar. Eu soube que ele estava em Paris na segunda-feira (27/06) à noite para assistir à reunião do conselho do Carrefour aprovar essa negociação e entendi claramente que havia uma manipulação. Então disse que não era oportuno que nos encontrássemos na manhã seguinte, às 7h da manhã como ele queria, quando eu nem mesmo tinha conhecimento do projeto de negociação. Estou disposto a ver Diniz, mas na reunião formal do conselho.

O sr. foi procurado para rever o acordo que prevê a transferência de controle para o Casino?

Há dois anos, Diniz disse que gostaria de renegociar o acordo. Eu respondi que, entre parceiros, tudo é possível de ser conversado. Ele indicou, sem ser muito preciso, que era uma questão de “face saving” (manutenção de imagem), que gostaria de manter o seu status, a posição elevada que havia conquistado no Brasil. Eu disse que, nesse campo, diria sim a tudo. Há um ano, Diniz me disse finalmente que gostaria que eu não tomasse o controle em 2012 e que ficássemos como está. Eu lhe disse que seria muito difícil aceitar, depois de ter investido US$ 2 bilhões, esperado 13 anos e pago duas vezes o prêmio de controle. Disse que não era possível, mas que estaria aberto para conversar sobre todo o resto. Houve em seguida muitas reuniões entre os assessores, mas ele insistia sempre repetitivamente: diga sim ou não. Senão, em tom de ameaça e sem ser mais preciso, disse que teria outras alternativas. Mantivemos nossa posição. O clima ficou difícil até essa reunião do dia 15 de abril, quando pedi ao senhor Diniz que dissesse com quem negociava. Ele se negou e disse que não tinha outra escolha a não ser brigar.

Que contrapartidas Diniz ofereceu para que o Casino desistisse do controle?

Ele sempre evocou compensações e a ideia de comprar a nossa participação. Eu disse que essa proposta era insultante. Não somos um sócio financeiro. Somos uma empresa internacional de distribuição de alimentos, temos uma estratégia e queremos continuar com ela.

O sr. se sente traído?

Quando eu soube da questão da traição, do que ele fazia e negociava, fiquei muito desapontado. Ao longo dos anos, eu tinha me esforçado sempre em ser um parceiro impecável, inclusive nas menores coisas. E esperava o mesmo comportamento da parte dele.

O sr. se arrepende de ter feito negócio com Abilio Diniz?

Não. Considero que fiz muito bem em investir em 1999, quando o Brasil ainda não era o que é hoje em dia e o Grupo Pão de Açúcar era um negócio medíocre, que saía de uma quase falência. Quando Diniz procurou no mundo inteiro investidores, eu fui aquele que aceitou. Fiz essa aposta e estou muito contente com o desenvolvimento do Pão de Açúcar e do Brasil. 

Luis Nassif

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