A globalização financeira

Enviado por: Luiz Horacio

Perdoem a extensão. O estágio atual do capitalismo no mundo incorpora certos dados que remetem a uma discussão muito interessante sobre a natureza das coisas, na cultura humana. Poderia parecer um efeito perverso, que redes de capitais andassem pelo mundo, arrematando a estrutura econômica viável, a despontar no cenário da produção mundial. Sem dúvida, esse foi um desenvolvimento da fome, ou de uma necessidade intrínseca, que se intensifica na dinâmica da própria acumulação de capitais. Faz parte da essência do dinheiro, digamos.

Mas é notável como a realidade plena das coisas está em constante espiral. Quando se poderia imaginar que o capitalismo financeiro enfim cumpriria seu destino monopolista, anunciado por Karl Marx, a “grande roda” gira os seus valores e a sua sorte, e eis que novos pontos de motricidade e apoio se revelam, redistribuindo naturalmente o que seria o pendor derradeiro das coisas, no destino do homem.

Se ocorrem esses movimentos altamente organizados e articulados de expansão do capital, adquirindo os bens de produção e assumindo as estruturas de produção, ocorre também que outras áreas e aspectos do sistema produtivo, que estavam em baixa cotação, elevam-se pela própria rotatividade do sistema, e isto também é intrínseco à riqueza produzida pelo homem, ou seja, se há um avanço linear comprando tudo, acompanha-o um avanço espacial, dispersando a concentração de valores e reequilibrando a percepção das formas de riqueza. Parece que enfim a economia natural é de fato auto-reguladora, não importando como se movimentam as forças dos conglomerados econômicos.

Quando se estabelece um controle muito grande dos ativos, o valor deles também segue a lógica mais básica da oferta e procura, traçando paralelas, e migra então da composição de ativos para o valor de gestão. E, se esta não basta para fazer a correção dos impactos financeiros, a substância da riqueza é transmitida então para os planos técnicos, e isto implica na valorização de outros ativos não adquiridos. E do plano técnico vai para o simbólico.

Para complementar esse ciclo regenerador do próprio sistema produtivo, estabelecem-se na sociedade inúmeras discussões de valor, que passam a transformar a percepção de riqueza em si, ou seja, a discussão ética, ideológica e, mais recentemente, ecológica, passam a produzir novas escalas de riqueza, reorganizando totalmente a posição e a atuação daqueles ativos que se distanciavam de seu pólo vivo e original, as forças produtivas que primeiro conceberam e organizaram aquela produção. E novos pólos estruturais nascerão desse debate. Pura força das palavras em movimento.

Mas como perceber esses pontos e contrapontos, esses cantos e contracantos, na complexa sinfonia econômica? Agradeço antes à exposição do Nassif, traduzindo em termos mais simples a complicadíssima evolução do cenário econômico, senão este nem seria visível. Os fenômenos de valorização ou desvalorização de papéis negociáveis em bolsa, sua potencialização através dos múltiplos – se não me engano foram bem visíveis nas cotações da Nasdaq, e mais os movimentos de manada, ao mesmo tempo em que coordenam o sistema capitalista em essência, que seria a aquisição e incorporação dos bens de produção, indica que nesse eixo, nesse caminho homogêneo, a economia não se reproduz, nem se fortalece, mas em determinados prazos irá se esgotar e saturar, a menos que se renove.

Não é difícil perceber que esse movimento das bolsas é insuficiente para cuidar dos aprofundamentos de pesquisa, do aperfeiçoamento das organizações, do surgimento de novas formas produtivas. Justamente por não cuidar dessas ramificações, torna-se um valor de observação, percepção, análise e apreciação “olhar para os lados”, ou “olhar adiante”, e, mais do que isso, inserir-se nas discussões do mercado, do conhecimento e da cultura. É esta composição tríplice que faz a rede produtiva primária, em qualquer estágio de um ciclo produtivo. É ela que criará o comportamento específico e singular, diferenciando-se dos comportamentos de manada. É essa a produção que se auto-regula e sustenta ou desenvolve as novas riquezas. E por que dizer tudo isto? Para que os investidores tenham diante de si um quadro de análises mais abrangentes e mais efetivos, antes de tomarem suas decisões, pois, em longo prazo, o comportamento de manada enfraquece a economia, ao se mover com tanta rapidez, não dando tempo para que os ciclos produtivos se desenvolvam plenamente.

Exemplo: os “Zaibatsu” japoneses, reorganizados com ajuda americana após a Segunda Guerra. Muitos trabalhadores foram pagos com papéis, com ações de suas companhias, e naquela época não valiam praticamente nada, além da confiança que tinham no próprio trabalho, apostando fortemente também no seu país. Após algumas décadas, essa geração que reconstruiu o Japão tornou-se acionista da Mitsubischi, Honda, Toyota, Suzuki…, e ficaram ricos por causa desses “papéis” – do que eles historicamente representam. Isto também é historicidade econômica. Algo semelhante também garantiria a estabilidade da moeda e o controle da inflação, através do desenvolvimento.

Luis Nassif

5 Comentários

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  1. Pelo jeito, não foi só você
    Pelo jeito, não foi só você que não entendeu “uma parte”.

    Para compreeder o que foi dito é preciso considerar absolutamente tudo que concorre para a produção de qualquer coisa como “fator produtivo”, e não apenas o que é convencionalmente considerado como tal.

    O que é a riqueza em essência? Um valor! Mas quem lhe atribui esse valor? A sociedade, mediante o processo de sua própria construção. A sociedade é feita de riquezas, mas o meio ambiente passa a ser também valorizado, na sociedade humana. Tudo passa a ser valor, ou riqueza, mesmo o ar, a água ou a terra.

    Qualquer produto é sintetizado pela combinação de 3 campos principais, em nossa sociedade: o mercado, o conhecimento e a cultura.

    Quando se estabelecem essas referências muito amplas, pode-se falar de uma economia natural, e tudo se torna econômico: respirar é econômico, andar é econômico, falar é econômico, fazer a disgestão é econômico. Faz parte desse processo amplo de produção de riquezas, em que a história da comunidade é a maior riqueza, por ser o conjunto de todas.

    É nesse nível econômico que os impactos financeiros e os “efeitos perversos” do progresso se mostraram reguláveis, na tese apresentada, através, por exemplo, do mecanismo descrito lá.

    Através do próprio debate social, que classifica, mede e pesa as coisas, os valores se reequilibram apesar de uma ação financeira que poderia monopolizar tudo, pois esta é a dinâmica “natural” da concentração e acumulação de capitais.

    Antes que isso ocorra, porém, a percepção da comunidade vê que outros valores se tornam maiores do que a monopolização de tudo. E isso corresponde a aumentar a cotação de um outro aspecto ou produção, que até aquele momento não tinha despontado.

    Não adiantaria, por exemplo, que um mesmo grupo comprasse todas as fábricas de automóvel, pois a própria economia em sua dinâmcia faria com que outros modelos, marcas e concepções se tornassem mais atraentes e valiosas.

    Um caso parecido ocorreu com a cerveja no Brasil, quando muitas marcas ficaram sob o controle de um mesmo capital. Isto criou espaço para que novas marcas despontassem ou ganhassem destaque: a Itaipava e a Nova Schin, ganharam terreno no mercado. Mas outras coisas poderiam ter ocorrido, como outras concepções de cerveja, com mais malte, ou com outra história. O caso é que a tendência monopolista não se efetivou e, em vez disso, abriu terreno para a concorrência, desde que esta apresentasse um produto de qualidade. A discussão seria muito mais longa, mas é mais ou menos isso. Com essa “receita” de processos e fatores de produção mais amplos, os japoneses derrubaram a “imbatível” indústria automobilística de Detroit, nos anos 80. Eles não fizeram o que era esperado, nem o que era homogêneo, não seguiram a manada, mas através do conhecimento criaram uma trajetória econômica singular.

  2. Caro Luiz Horácio

    Sua
    Caro Luiz Horácio

    Sua análise mostra bem como o capital ou a riqueza (num sentido, que vai além dos ativos) não tem pontos de apoio e que o ambiente capitalista é fluido, no qual predominam os movimentos contínuos de fluxos – de ativos, de conhecimento, de cultura, de discursos…

    É como se o capital não tivesse essência e se encontrasse em permanente regime de mutação e adaptação, quase como na biologia. Veja as mutações da riqueza que você vislumbrou: ativos; gestão, técnica, simbólico…

    A compreensão desse regime fluido extrapola, na verdade, a economia ou, o que dá na mesma, a economia extrapola as ciências econômicas. Creio que um pensamento original e bastante amplo dessa dinâmica do capital encontra-se em Deleuze e Guattari no “Antiédipo” e no “Mil Platôs”, livros nos quais os autores vão tratar o capital como fluxo que forma/molda os fluxos do desejo – que é a boa e velha libido Freudiana. O capital seria o descodificador geral dos fluxos (uma espécie de des-medida de todas as coisas).

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