A inflação estrutural brasileira

Do Valor

Há uma inflação estrutural de 3% ao ano

Claudia Safatle
03/12/2010 

Nos últimos dez anos – que coincidem com a vigência do regime de metas para a inflação – identifica-se, no Brasil, uma forte inflação estrutural, de cerca de 3% ao ano. Definida como a presença constante de um movimento de preços derivado do modo de funcionamento dos mercados e de outros aspectos microeconômicos, a inflação estrutural e a decorrente da indexação, que subsiste, estão na raiz da resistência inflacionária da economia brasileira.

Esses são temas que precisam ser melhor avaliados para que o próximo governo tenha condições de reduzir a meta de 4,5%, estável há oito anos, e a margem de tolerância de dois pontos percentuais sobre o IPCA (para a acomodação de choques), a mais elevada dentre os países que adotam o regime.

EmtrEm trabalho intitulado “Estrutura da Inflação Brasileira: Determinantes e Desagregação do IPCA”, dois jovens economistas do Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada (Ipea), Thiago Sevilhano Martinez e Vinícius dos Santos Cerqueira, procuram avançar no tema e adicionam duas inovações metodológicas: uma desagregação minuciosa do IPCA, que gera a “classificação por segmentos”, e o “índice de pressão inflacionária”, que mede a contribuição de cada grupo de bens para o IPCA. 

Esse texto serve de embrião para a discussão que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, lançou na semana passada, sobre a possibilidade de eventualmente se mexer no regime de metas. Os técnicos da Fazenda falam em ampliar o prazo de convergência de 12 meses para 24 meses, a exemplo do Chile. Alternativa polêmica e politicamente inviável seria a adoção do “núcleo” como meta, excluindo do indice de inflação os itens de grande volatilidade que não são afetados pela política monetária, como os alimentos e bebidas não comercializáveis.

A dinâmica inflacionária mudou nos últimos dez anos. Nos primeiros cinco anos, foram os preços dos bens monitorados que pressionaram mais o IPCA: tarifas de transportes, habitação e comunicações. De 2006 a 2009, os monitorados passaram a subir menos que a meta de inflação, dando o lugar de liderança nos aumentos de preços aos alimentos e bebidas não transacionáveis (alimentação fora do domicílio, feijão, vegetais, pescados e ovos, entre outros) e às despesas pessoais (recreação, loterias, cartórios), pouco sujeitos à contração da demanda. Já os alimentos comercializáveis (exportáveis ou importáveis) têm comportamento errático, mas não raro se colocam ao lado do controle da inflação.

Algumas medidas foram importantes para moderar os preços administrados. No caso das comunicações, os vencimentos de contratos firmados a partir de 1999 foram seguidos da troca de indexadores, do IGP para o Índice de Atualização de Tarifas (IST), e os ganhos de produtividade passaram a ser pós-fixados. Alterações nos contratos de energia elétrica, a partir de 2004, também ajudaram a reduzir a variação do IPCA. Nos combustíveis, o que pesou a favor de um melhor comportamento dos preços foi a tributação variável sobre a gasolina e diesel nos períodos de alta dos preços internacionais do petróleo.

Depois dos alimentos e bebidas não transacionáveis e, a partir de 2007, também os comercializáveis, um terceiro elemento de pressão inflacionária são as despesas pessoais não comercializáveis. Nesse, o peso mais importante tem sido o empregado doméstico, muito provavelmente por causa do aumento real do salário mínimo durante o governo Lula, indica o estudo.

Quatro variáveis macroeconômicas foram testadas para estimar os determinantes da inflação: câmbio, commodities, demanda e expectativas, simultaneamente aos demais aspectos potencialmente causadores de inflação, como a inércia e o componente estrutural, explicam os autores. A área mais sensível à demanda, ao câmbio e às expectativas -, portanto, à política de juros – é a de alimentos e bebidas comercializáveis.

Os achados do estudo são bastante interessantes. A inflação estrutural nos preços monitorados na área de transportes (ônibus urbano e interestadual, avião, gasolina, trem etc.) é estimada em 2,78%. Ou seja, faça chuva ou faça sol, esse impacto ocorrerá.

Após 2005 houve uma queda importante na inflação estrutural dos preços administrados na habitação (energia residencial, água e esgoto, imposto predial, entre outros). Era de 8,42%, de 1999 a 2005, e a partir de 2006 caiu para 1,96%. É bastante elevado o fator estrutural de alimentos e bebidas (não comercializáveis). O aumento médio desse setor é de 9,92% ao ano.

A conclusão dos autores é que não se pode atribuir só ao regime de metas o controle da inflação de 2000 para cá. “Ele teve papel fundamental, mas há outras coisas acontecendo além da política monetária”, disse Martinez, referindo-se às políticas tributária e microeconômicas e à revisão de contratos de tarifas como elementos também relevantes.

O sistema de metas pressupõe que a política monetária é eficaz para segurar o aumento dos preços pela contenção da demanda agregada. Mas se seu efeito é limitado sobre um grupo de bens que aumenta mais do que a meta, os juros têm que exercer um impacto muito grande sobre os demais segmentos para que isso se reflita no IPCA. O que resulta em juros sistematicamente altos e pouca margem para redução, concluem.

Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação e escreve às sextas-feiras

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Luis Nassif

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