A “nova” questão dos juros, por Paulo Kliass

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Da Carta Maior

A “nova” questão dos juros
 
Há décadas que a sociedade brasileira tem convivido com algo que chama a atenção de todos, a trajetória de nossa taxa de juros
 
por Paulo Kliass
 
Há décadas que a sociedade brasileira tem convivido com um fenômeno que chama muito a atenção de todos os que pretendemos compreender a economia a partir de uma ótica diferente daquela que a ideologia do financismo impõe como a suposta regra natural da economia de mercado.
 
Nesse caso refiro-me mais especificamente à trajetória de nossa taxa de juros. Já foi dito e repetido à exaustão que o Brasil tem proporcionado aos agentes econômicos locais e estrangeiros a maior taxa de juros do planeta. Com raras e pontuais exceções de um ou outro mês, ao longo dos últimos anos temos ocupado o primeiro lugar no pódio. Em alguns momentos, chegamos a ser ultrapassados pela Turquia ou pela Rússia. Mas, via de regra, para qualquer investidor capitalista que busque a maior rentabilidade financeira para suas aplicações, a opção Brasil tem despontado como a melhor alternativa isolada.

A principal causa para tal comportamento tem sua explicação na manutenção da política monetária arrochada. Desde a edição do Plano Real, em 1994, que a opção pelo chamado “tripé da política econômica” trouxe consigo o estabelecimento da taxa oficial de juros em um patamar bastante elevado. Assim, naquela época a intenção era justamente a de manter a SELIC na estratosfera, para obter o ingresso de recursos estrangeiros e assegurar alguma folga nas contas externas. 

Taxa de juros elevada: outra jabuticaba 

Ocorre que o instrumento excepcional – que deveria ser utilizado apenas nas primeiras etapas de consolidação do plano de estabilização da nova moeda – terminou por se acomodar como sendo “a política monetária natural” por excelência. Essa mentalidade exagerada do financismo fincou raízes e conseguiu se impor ao conjunto da sociedade como sendo um custo inescapável da luta contra a inflação e do progresso associado à condição da modernidade. Dessa forma, questionar o absurdo evidente da política monetária tupiniquim teria o sentido de sabotar a estabilidade de preços e não passaria de irresponsabilidade populista. 

Todo esse processo de mudança profunda na própria estrutura social e econômica trouxe consigo uma enxurrada de transformações retrógradas. Essa foi com a privatização, a liberalização comercial, a sobrevalorização da taxa de câmbio, o aprofundamento da financeirização e a desindustrialização que o País infelizmente experimentou ao longo das duas últimas décadas. Assim como a sociedade brasileira havia incorporado uma estratégia de convivência com processos hiperinflacionários por meio de mecanismos generalizados de indexação, na sequência houve um movimento de acomodação extensiva a um ambiente perverso de taxas de juros elevadíssimas.

 
Na verdade, tudo se passa como se o conjunto das forças atuantes por aqui se tivessem tornado dependentes – de natureza quase química – das taxas de retorno muito acima de qualquer patamar minimamente condicionado por algum grau de racionalidade. Por qualquer abordagem que se buscasse enfocar o fenômeno, a taxa de juros em nossas praias revelava-se como campeã absoluta.

Taxa de juros: nominal e real. 

A avaliação da taxa de juros permite algumas variações. A primeira hipótese refere-se à arbitragem da taxa oficial pura e simples tal como estabelecida pela chamada autoridade monetária. Nesse caso, toma-se como referência a SELIC. Essa taxa serve como indexador da remuneração dos títulos da dívida pública e serve como patamar mínimo para formação das taxas usadas pelos bancos em suas operações de crédito e empréstimo.

Na comparação internacional de alternativas de investimento, sua utilização permite comparar com as ofertas de outros países com suas próprias taxas oficiais de juros. Assim, surgem as planilhas contrastando a nossa com as taxas praticadas pelo FED norte-americano, pelo Banco Central Europeu, pela autoridade monetária japonesa, entre tantas outras. Em geral, na disputa pelos recursos especulativos que transitam pelo mercado internacional, os países em desenvolvimento são obrigados a oferecer melhores oportunidades e maiores ganhos para o investidor. E assim o fazem com taxas oficiais mais elevadas que os países centrais, além de oferecer garantias contra eventuais perdas provocadas por inflação e variação cambial. 

A segunda hipótese de análise refere-se ao ganho financeiro “real”. No jargão do economês essa avaliação tem o sentido de retirar a variação da inflação da taxa de juros. Assim temos a taxa “nominal” e a taxa “real” de juros. De fato, faz todo o sentido esse enfoque. Afinal, o ganho efetivo ou real de um rendimento tem que ser subtraído da perda do valor monetário provocado pela inflação. Ocorre que também medida por essa métrica a taxa de juros oferecida pelo Brasil esteve imbatível. 

Uma terceira maneira de avaliar o nível da taxa de juros praticada por aqui é por meio das taxas praticadas pelas instituições financeiras junto a empresas e indivíduos. Em razão da irresponsabilidade e da condescendência da ação do órgão que deveria regulamentar e fiscalizar o universo das finanças, os chamados “spreads” cobrados pelos bancos são incrivelmente elevados. Tanto que as filiais dos bancos estrangeiros aqui operando têm assegurado os ganhos dos conglomerados em escala internacional principalmente por meio dos resultados obtidos no Brasil. 

Austericídio: receita para recessão e desemprego.

Cada uma das hipóteses tem uma implicação específica em termos econômicos. Porém, em todas elas sobressai a relevância da alta taxa de juros como inibidora da atividade econômica, de forma geral. Em especial, esse fator desestimula o investimento e prejudica o crescimento sustentável e de longo prazo da economia. E o aspecto mais dramático de todo esse processo é que a atual recessão e o desemprego dela derivado são objetivos de política econômica que foram colocados como metas a serem atingidas. Ou seja, não se trata de “efeitos colaterais indesejados, mas necessários.” 

A implementação cuidadosa e meticulosa do austericídio desde 2014 apresentou a dramática fatura nos domínios econômico e social. O retrato é calamitoso: i) crise recessiva prolongada; ii) falências em escala recorde; e iii) destruição de empregos de forma ampla e generalizada. Com a economia cavando impiedosamente o alçapão no fundo do poço, em algum momento a situação “deixaria de piorar”, de acordo com o eufemismo criado pelos comentaristas da turma da finança nos grandes órgãos de comunicação.

 Ao que tudo indica, esse é o momento que começamos a viver por agora. A perversidade do quadro social e os riscos de revolta social generalizada parecem contribuir para que o nível de alucinação dos (ir)responsáveis pela política econômica seja um pouco atenuado por gente do próprio campo que apoiou o golpeachment. Assim, até setores do conservadorismo começam a apresentar a sugestão de salpicar pouco mais de pragmatismo no interior do receituário da ortodoxia radical. 

Como a recessão deliberadamente provocada pelo governo se encarregou de reduzir a inflação, agora parcela da elite do financismo e formadores de opinião do COPOM podem se dar ao luxo de aceitar uma redução nos níveis da SELIC. Assim foi que a taxa oficial de juros sofreu quatro reduções seguidas ao longo das últimas quatro encontros do colegiado desde outubro do ano passado. Ela saiu de 14,25% para os atuais 12,25% ao ano. Essa mudança é importante e não deve ser combatida. Na verdade, o problema é a sua insuficiência.

Reduzir a taxa real de juros. 

Isso porque apesar da diminuição da taxa nominal, verificou-se simultaneamente uma redução também dos índices de inflação. Assim, o fato é que a taxa real de juros sofreu um aumento durante esse mesmo período. Esse fenômeno é mais sutil e de difícil percepção para a maioria da população. Mas nada escapa aos olhares atentos dos profissionais do mercado financeiro, que nada mais fazem na vida senão buscar maiores ganhos para valorizar seu patrimônio e de seus clientes.

Por outro lado, o Banco Central continua fazendo cara de paisagem aos abusos praticados pelas instituições financeiras em termos de seus spreads. Assim, o custo financeiro para os tomadores de crédito continuam muito elevados.

Esse é o quadro mais geral desse novo momento da economia, que exige uma outra postura frente à “nova” questão da taxa de juros. Como sempre havíamos lutado e denunciado, mais do que nunca urge uma redução efetiva da SELIC. Mas de forma a promover uma redução significativa da taxa real de juros. Ou seja, ainda há muito espaço para que o COPOM diminua ainda mais sua taxa referencial. Afinal, essa é condição “sine quae non” para reverter a tendência recessiva e se alcance a rota do crescimento da atividade econômica.
 
Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.

 
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Redação

4 Comentários

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  1. A imensa maioria dos

    A imensa maioria dos comerciantes brasileiros são dignos de estudo. Por má fé ou ignorância mesmo é assim que funciona :

    Uma garrafa de vodca chuleira custa uns 35 reais; Ela passa a custar 38 reais.Aumento de uns 10 por cento.

    O que faz o comerciante ? Aumenta 20 cento ou mais por dose.

    A garrafa tem em média 23 doses.

    Sacou ?

    Em quase tudo é assim.

    1. O engraçado é que eles dão

      O engraçado é que eles dão como justificativa produtos vendidos em dólar para aumentar o juros… Dizem que houve uma inflação nos produtos comercializados em dólar como o trigo… ENtão, é preciso aumentar o juros e desvalorizar a moeda… Interessante… E porque não fortalecem o mercosul e passem a comercializar estes produtos nas moedas locais? O trigo é produzido na Argentina… O petróleo é extraido pela Petrobrás! POrque eles preferem vender a Petrobrás e acabar com o Mercosul? A resposta seria estados unidos da américa do norte?

      1. A desvalização do valor da

        A desvalização do valor da moeda tem como objetivo a exportação de commodities… E aí está todo o problema de subdesenvolvimento do país… Quando o país está quase que totalmente voltado para exportação de commodities, nada desenvolve mais do que a exportação de commodities e produtos agropecuários… Não é mal ser um dos maiores exportadores de commodities e produtos agropecuários do planeta… Muito pelo contrário… Mas não é só disso que um país se fortalece… Criaram bancos de desenvolvimento para fornecer créditos com baixos juros… Mas, surpreendetemente, este método tem sido combatido pela oposição… Criou-se o mercosul e os Brics, mas supreendentemente este também vem sendo combatido… Se analisarmos que nossa elite economica sobrevive praticamente de venda ou exportação de produtos agropecuários e commodities… E também da rentabilização de títulos públicos com os maiores juros do mundo… Além, é claro, de um dos créditos mais caros do planeta que proporciona aos bancos uma horda de endividados que possibilitam a estes mesmos bancos os maiores lucros do planeta… Podemos entender que… O país pode ser resumido em… Commodities, produtos agropecuários, bancos e rentistas… Como bem sabemos… Estes, pertencem a elite economica deste país… Sâo poucos aqueles que recebem, ou ganham alguma coisa, com estes tipos de atividades… Depois disso tem as áreas de serviços que estão praticamente o maior volume de empregos… POr enquanto também… Pois, com as facilitações para as multinancionais, e abertura do mercado para os estrangeiros… As terras brasileiras estão sendo compradas por dinheiro de origem duvidosa… As emprsas brasileiras vem sendo compradas por conglomerados, além de dinheiro também de origem duvidosa pelos barões de todo o tipo de tranqueira… Este é o neoliberalismo… Aliado a isso… Há as privatizações dos bens públicos como a água, energia elétrica, estrados, rodovias… Que conseguem extorquir mais dinheiro do povo… Ainda mais, eles financiam grupos de minorias para lutarem por seus direitos em troca de apoio para a sua agenda neoliberal… Colocam no poder políticos que abrem as fronteiras do país para todo o tipo de coisa… Drogas… Armas… Tráfico humano… Acabam com o estado… exército… Tudo bem… As pessoas querem um governo único mundial? Mas antes elas têm de cuidar da própria casa… Do próprio quintal.. Não tenegá-los as mosas e a sujeira! Sou favorável que as minorias tenham os seus direitos como minorias? SiM! Todos temos o direito para ter o mínimo de oportunidade e beneficios… Mas é preciso olhar o país como um todo… Olhar o planeta como um todo… Um planeta cheio de problemas que são causados não só pela maioria, mas as minorias também causam… Não tem que haver uma atenção pelas minorias e renegar a maioria enquanto se privatiza o resto… Há um esquema de manter a população nestes problemas menores e discórdias para que não nos percebamos do problema maior que está acontecendo… A privatização do planeta nas mãos de poucos. POucos mas espertos… QUe estão aos poucos se apoderando de tudo e todos em uma agenda egoista e globalista… 

  2. A agiotagem legalizada é pior do que a máfia.

    Isso já é sabido não é de hoje. A agiotagem bancária dá mais lucro do que a agiotagem da máfia.

    Uma das poucas bandeiras que pode unir boa parte da classe média de esquerda e de direita é justamente a luta contra os juros escorchantes cobrados pelos bancos. Ele afeta a todos. O que se cobra de juros por mês aqui é MAIS do que se cobra de juros ao ano em qualquer país normal.

    Ainda não vi essa bandeira ser levantada em nenhuma manifestação.

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