A onipotência de Serra e Abilio

Por Vera Passos

Do Balaio do Kotscho

José Serra e Abilio Diniz: a onipotência derrotada

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 a onipotência derrotada

No final da noite de terça-feira (12), ao ler o noticiário sobre o fracasso de Abilio Diniz, 71 anos, na tentativa de fusão do Pão de Açucar com o Carrefour no Brasil e o artigo “A ética do vale-tudo” publicado por José Serra, 69 anos, na página de opinião de O Globo, apareceu-me na cabeça uma palavra pouco usual para definir os dois personagens: onipotência. Neste caso, a onipotência derrotada.

Duas definições que encontrei com a ajuda do dr. Google:

* No Dicionário Informal _ onipotência: s.f. todo poder, poder absoluto, todo-poderoso.

* No Dicionário Web _ onipotência: s.f poder supremo ou absoluto; o poder de fazer tudo.

Os dois achavam que nasceram para ser os maiorais, cada um em sua área. Filhos de pequenos comerciantes  – Serra, de um feirante; Diniz, de um padeiro – eles acreditaram no destino e jogaram suas vidas para alcançar os mais altos objetivos.

Desde pequeno, José Serra já dizia às suas tias que queria ser presidente da República. Abilio Diniz em algum momento da vida achou que poderia transformar a padaria e confeitaria do pai no ponto de partida para dominar o comércio varejista mundial de alimentos.

Serra optou pelo mundo acadêmico e, antes de se tornar um político profissional, engajou-se na luta contra a ditadura que o levou a um longo exílio. Abilio sempre foi empresário e dedicou todo seu tempo a alastrar seu império de lojas para se tornar o maior supermercadista do país, depois de uma longa disputa familiar, e da conquista, sempre por meios beligerantes, dos seus principais concorrentes.

O político elegeu-se deputado federal, senador, prefeito e governador do Estado de São Paulo, sempre abandonando os mandatos pelo meio para chegar mais rapidamente ao seu objetivo maior, a Presidência da República. Foi também ministro do Planejamento e da Saúde no governo de Fernando Henrique Cardoso.

Perdeu sua primeira eleição presidencial para Lula, em 2002; a segunda, para Dilma Rousseff, apoiada por Lula, em 2010.

O empresário, que quase faliu no final dos anos 1990 do século passado, salvou-se ao se associar ao grupo francês Casino. Em 2005, vendeu ao grupo francês o controle acionário do Pão de Açucar, que entregaria em 2012, mas nunca se conformou em perder o comando. Diniz veio daquele mundo em que só há dois tipos de gente: quem manda e quem é mandado.

Por isso, resolveu dar o grande golpe de mestre da sua vida: reaver o controle do Pão de Açucar-Casino com a compra do Carrefour, utilizando para isso U$ 4 bilhões do BNDES, quer dizer, de um banco público.

Apresentados desta forma rápida e singela os dois personagens deste texto sobre a onipotência, vamos ver o que aconteceu na fatídica terça-feira, 12 de setembro de 2011, em que ambos, após tantas conquistas, bateram no fundo do poço.

Vamos começar pelo ex-governador de São Paulo. Os amigos de José Serra, se é que ele ainda os tem, deveriam ficar preocupados com o artigo que ele escreveu no jornal O Globo. No tijolaço que ocupa de alto a baixo o lado esquerdo da página 7, no mesmo estilo tucano-barroco de um acadêmico que escreve todo dia no jornal, Serra joga a toalha.

Mais parece o epitáfio de um político perdedor. Da primeira à última linha, o velho político é incapaz de lançar uma proposta original para o país, qualquer ideia nova, uma utopia, um sonho que seja, como fez Marina Silva na semana passada, ao deixar o PV.

É só porrada em Lula, em Dilma, nos governos e práticas do PT num texto pobre em conteúdo e capenga na forma (repete duas vezes a palavra “malfeitos” nos três primeiros parágrafos), em que repete os mesmos argumentos da sua derrotada campanha de 2010.

Vou dar um exemplo. Só José Serra entre os tucanos ainda é capaz de escrever coisas como no parágrafo reproduzido abaixo:

“Depois de um ano da primeira eleição de Lula (leia-se: e da minha primeira derrota para Lula), analisando o que já se delineava como estilo de governo, qualifiquei o esquema partidário petista como uma espécie de bolchevismo sem utopia, em que a ética do indivíduo é substituída pela ética do partido”.

Acho que nem na Albânia se escreve mais essas coisas. É triste. Ao contrário do sociólogo Fernando Henrique Cardoso, que chega aos 80 anos de bem com a vida e ares de vencedor, cercado de amigos e homenagens, o político José Serra ficou falando sozinho. Parece ter envelhecido mal, perdido o bonde no fim do caminho.

Nem o PSDB o leva mais a sério. Depois de perder para Aécio Neves e Tasso Jereissatti todos os cargos que almejou na recente disputa interna dos tucanos, teve que se contentar com a presidência de um até então inexistente Conselho Político que inventaram para ele.

Na semana passada, convocou a primeira reunião em Brasília, e levou pronto um texto desancando Dilma, Lula, o PT e o governo para os outros assinarem. Ninguém concordou, alegando que precisavam consultar primeiro o senador Aécio Neves, ausente da reunião. Serra acabou publicando o texto, muito parecido com o do artigo de O Globo, em seu próprio blog, como se fosse o pensamento oficial do partido.

Em Paris, para onde viajou sozinho e de peito aberto para enfrentar os inimigos franceses do Casino em seu próprio território, Abilio Diniz tomou a maior surra da sua vida: por unanimidade, os conselheiros do grupo francês rejeitaram sua proposta de compra do Carrefour no Brasil.

Antes da reunião, o BNDES, por ordem da presidente Dilma Rousseff, já havia avisado que tiraria qualquer apoio à operação se Diniz não se entendesse com os sócios franceses. Abilio, como Serra, ficou falando sozinho, dependurado na brocha.

Sem perder a pose, segundo o relato da sempre brilhante correspondente Deborah Berlinck, de O Globo, encarou de bom humor os repórteres ao encontrá-los na saída da reunião:

“Não, não estou chorando na calçada. Fizemos uma reunião do conselho e vamos ver o que vai acontecer”.

Aconteceu que Abilio Diniz aprendeu tarde demais que ninguém pode achar que pode tudo, nem ele. Talvez pensasse nisso quando o encontrei umas duas semanas atrás na arquibancada de uma festa junina promovida na quadra do Colégio Santa Cruz, onde seus filhos pequenos e minhas netas iriam se apresentar numa dança de quadrilha.

Sentou-se a meu lado com a jovem e bonita mulher. Não conversou com ela, não cumprimentou nem falou com ninguém, não sorriu nenhuma vez. Ficou o tempo todo com o olhar fixo no horizonte. Achei que alguma coisa estranha estava acontecendo com o grande empresário. Vai ver que ele já estava prevendo o desfecho trágico desta história.

Assim como Abilio não virou o dono do mundo, Serra também não será presidente da República do Brasil na marra, xingando os adversários, só porque ele acha que está mais preparado para isso do que os outros  _  se é que o PSDB vá cometer o desatino de concorrer novamente com ele.

Em tempo: Se o caro leitor conhecer alguma história semelhante, por favor, escreva para nós. A área de comentários do Balaio está de portas abertas.

Luis Nassif

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