A origem do efeito manada

Coluna Econômica – 04/03/2007

Há plena liberdade de entrada e saída de capitais em quase todos os países. Esses capitais se organizam, em geral, em forma de fundos e se movem em duas direções: procuram ativos (ações, papéis que rende juros, imóveis, minérios etc.) baratos para comprar; e vendem ativos considerados excessivamente valorizados.

Praticamente todos os ativos internacionais estão em bolsa. Existe um mercado de compra e venda à vista; e outro mercado maior dos chamados “derivativos” – ou operações derivadas dos ativos em questão. Por exemplo, posso comprar a ação de uma determinada companhia para receber daqui a seis meses. Nem a pessoa que compra tem o dinheiro; nem a pessoa que vende tem a ação. A cada dia, se o valor da ação sobe ou desce, comprador e vendedor recebem ou pagam a diferença na Bolsa em que a operação foi efetuada. São os chamados ajustes diários, que o investidor que está na ponta perdedora é obrigado a fazer. Além dele, existe a chamada de margem, o aporte de garantias adicionais a cada baque maior do mercado.

Na hora de investir, os grandes fundos espalham sua carteira por uma infinidade de ativos no mundo todo. Suponha que estoure uma crise com determinado ativo – mercado de opções de créditos hipotecários nos EUA. Se o tamanho do tombo for muito grande, os investidores que estiverem na ponta perdedora terão que atender ao chamado de margem. Como fazem isso? Vendem seus ativos mais líquidos (aqueles que têm mais negociações). Dependendo do volume de vendas, essa venda adicional derruba também o mercado desse ativo. Dependendo da intensidade das quedas, ocorre o efeito-dominó, com um mercado derrubando outro sucessivamente.

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Tem mais. Os operadores de mercado trabalham com o conceito de “múltiplos”. Pegam o valor patrimonial de determinada empresa e multiplicam por determinado multiplicador. Quando muda o status do ativo – pela melhora ou piora da rentabilidade – imediatamente o mercado aumenta ou reduz o multiplicador, com resultados expressivos sobre a cotação do produto.

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Veja bem que os dois primeiros tópicos – os mercados de derivativos e o sistema de múltiplos (que definem a “valuation”) do ativo podem provocar terremotos expressivos da noite para o dia.

E aí se entram em características próprias do momento atual. Há muito dinheiro sobrando no mundo, que levou empresas a se endividarem para a aquisição de outras, ou para recompra de suas próprias ações. Esses financiamentos levam em conta a capacidade de pagamento das empresas, ou o valor das suas ações – dadas em garantia.

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Hoje em dia, os múltiplos estão elevadíssimos, especialmente para países como o Brasil, cujos papéis são chamados de “pró-cíclicos”. Esse termo significa que sempre que melhora o quadro internacional, os papéis do Brasil são os primeiros a melhorar. Sempre que piora, são os primeiros a piorar também.

Hoje em dia, em caso de efeito-manada nas Bolsas internacionais, os primeiros ativos a sentirem serão os de países emergentes como o Brasil. São os mais fáceis de vender, aqueles em que a desvalorização será maior (daí a pressa do investidor em passar para frente).

Se ele começa a vender e a tirar os dólares do país, como não há limite para entrada ou saída, haverá efeitos sobre Bolsas de Valores caindo, real se desvalorizando.

Luis Nassif

16 Comentários

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  1. Uma das explicações que tem
    Uma das explicações que tem aparecido na imprensa americana para a queda queda nas cotações de 27 de fevereiro é que teria havido um erro de computadores. Entretanto está mais para um acidente nos controles que dariam sustentação ao falso valor destes mercados como muitas vezes se tem alertado. O DOW estaria totalmente manipulado, sendo as ordens de venda somente executadas após relacionados todos os compradores de sorte a fixar o preço final. O Departamento de Proteção contra Quedas tem um comprador emergencial de portfolios da compahias do Complexo Militar Industrial que podem compensar suas perdas aumentando o preço dos seus produtos, para que este controle possa ser operacionalizado. Mas em outros países, China, Índia, os controles não estão tão completos e o mercado atua muitas vezes como se fosse independente. E para azar dos mercados controlados, o pânico tomou conta da Europa e dos Estados Unidos. Mas mesmo que as ações caiam mundo afora, o DOW poderá ser elevado a seus índices anteriores inflando-se da mesma forma outras ações em poucos dias. Mas quando se tentar aplicar este mecanismo de fraude mundo afora, ter-se-á um outro 1929. Talvez a China esteja se precavendo, estimulando investimentos calcados na poupança interna para se tornar um país exportador de produtos industrializados e não de commodities.

  2. Pode ser. Mas lembre-se que
    Pode ser. Mas lembre-se que em 1995 e 1998 elas viraram pó rapidamente. Nao é o caso agora, enquanto se mantiverem os superávits comerciais. Mas é capital fluido.

  3. Em algum momento terá que
    Em algum momento terá que cortar as correias de transmissão com esse capital especulativo, caso contrário o aumento da volatilidade trará novo aumento dos juros.

  4. Em tempos recentes o estrago
    Em tempos recentes o estrago nos países que tiveram fuga de capital foi consequência de enorme déficit da balança de transações correntes.
    Acontece que hoje todos estes países tiveram o problema resolvido.
    O único país com potencial para quebrar em função deste déficit hoje é os EUA.
    Nas crises anteriores os EUA “exportaram” a crise que também já existia por lá, sendo financiados pela fuga de capital dos emergentes, como mostra o artigo do Yoshiaki Nakano, reproduzido neste blog, abaixo.
    Conclusão, tendo os países emergentes (Brasil, Russia, China, México, Tailândia etc), resolvido seus problemas de balanço de pagamentos, não há mais como os EUA “exportarem” a crise. Ela virá com maior ou menor força dependendo de como o mundo aceitará a desvalorização inevitável do dólar.

  5. Perdoem a extensão. O estágio
    Perdoem a extensão. O estágio atual do capitalismo no mundo incorpora certos dados que remetem a uma discussão muito interessante sobre a natureza das coisas, na cultura humana. Poderia parecer um efeito perverso, que redes de capitais andassem pelo mundo, arrematando a estrutura econômica viável, a despontar no cenário da produção mundial. Sem dúvida, esse foi um desenvolvimento da fome, ou de uma necessidade intrínseca, que se intensifica na dinâmica da própria acumulação de capitais. Faz parte da essência do dinheiro, digamos.

    Mas é notável como a realidade plena das coisas está em constante espiral. Quando se poderia imaginar que o capitalismo financeiro enfim cumpriria seu destino monopolista, anunciado por Karl Marx, a “grande roda” gira os seus valores e a sua sorte, e eis que novos pontos de motricidade e apoio se revelam, redistribuindo naturalmente o que seria o pendor derradeiro das coisas, no destino do homem.

    Se ocorrem esses movimentos altamente organizados e articulados de expansão do capital, adquirindo os bens de produção e assumindo as estruturas de produção, ocorre também que outras áreas e aspectos do sistema produtivo, que estavam em baixa cotação, elevam-se pela própria rotatividade do sistema, e isto também é intrínseco à riqueza produzida pelo homem, ou seja, se há um avanço linear comprando tudo, acompanha-o um avanço espacial, dispersando a concentração de valores e reequilibrando a percepção das formas de riqueza. Parece que enfim a economia natural é de fato auto-reguladora, não importando como se movimentam as forças dos conglomerados econômicos.

    Quando se estabelece um controle muito grande dos ativos, o valor deles também segue a lógica mais básica da oferta e procura, traçando paralelas, e migra então da composição de ativos para o valor de gestão. E, se esta não basta para fazer a correção dos impactos financeiros, a substância da riqueza é transmitida então para os planos técnicos, e isto implica na valorização de outros ativos não adquiridos. E do plano técnico vai para o simbólico.

    Para complementar esse ciclo regenerador do próprio sistema produtivo, estabelecem-se na sociedade inúmeras discussões de valor, que passam a transformar a percepção de riqueza em si, ou seja, a discussão ética, ideológica e, mais recentemente, ecológica, passam a produzir novas escalas de riqueza, reorganizando totalmente a posição e a atuação daqueles ativos que se distanciavam de seu pólo vivo e original, as forças produtivas que primeiro conceberam e organizaram aquela produção. E novos pólos estruturais nascerão desse debate. Pura força das palavras em movimento.

    Mas como perceber esses pontos e contrapontos, esses cantos e contracantos, na complexa sinfonia econômica? Agradeço antes à exposição do Nassif, traduzindo em termos mais simples a complicadíssima evolução do cenário econômico, senão este nem seria visível. Os fenômenos de valorização ou desvalorização de papéis negociáveis em bolsa, sua potencialização através dos múltiplos – se não me engano foram bem visíveis nas cotações da Nasdaq, e mais os movimentos de manada, ao mesmo tempo em que coordenam o sistema capitalista em essência, que seria a aquisição e incorporação dos bens de produção, indica que nesse eixo, nesse caminho homogêneo, a economia não se reproduz, nem se fortalece, mas em determinados prazos irá se esgotar e saturar, a menos que se renove.

    Não é difícil perceber que esse movimento das bolsas é insuficiente para cuidar dos aprofundamentos de pesquisa, do aperfeiçoamento das organizações, do surgimento de novas formas produtivas. Justamente por não cuidar dessas ramificações, torna-se um valor de observação, percepção, análise e apreciação “olhar para os lados”, ou “olhar adiante”, e, mais do que isso, inserir-se nas discussões do mercado, do conhecimento e da cultura. É esta composição tríplice que faz a rede produtiva primária, em qualquer estágio de um ciclo produtivo. É ela que criará o comportamento específico e singular, diferenciando-se dos comportamentos de manada. É essa a produção que se auto-regula e sustenta ou desenvolve as novas riquezas. E por que dizer tudo isto? Para que os investidores tenham diante de si um quadro de análises mais abrangentes e mais efetivos, antes de tomarem suas decisões, pois, em longo prazo, o comportamento de manada enfraquece a economia, ao se mover com tanta rapidez, não dando tempo para que os ciclos produtivos se desenvolvam plenamente.

    Exemplo: os “Zaibatsu” japoneses, reorganizados com ajuda americana após a Segunda Guerra. Muitos trabalhadores foram pagos com papéis, com ações de suas companhias, e naquela época não valiam praticamente nada, além da confiança que tinham no próprio trabalho, apostando fortemente também no seu país. Após algumas décadas, essa geração que reconstruiu o Japão tornou-se acionista da Mitsubischi, Honda, Toyota, Suzuki…, e ficaram ricos por causa desses “papéis” – do que eles historicamente representam. Isto também é historicidade econômica. Algo semelhante também garantiria a estabilidade da moeda e o controle da inflação, através do desenvolvimento.

  6. Caro Nassif,
    Será que não
    Caro Nassif,
    Será que não existe algo além dessa situação conjuntural? Veja bem chamo de distingüir as vendas dos vendidos. Faz venda quem está na compra e considera o momento adequado para vender com lucro ou com prejuízo seus ativos ou múltiplos. Os posicianados vendidos pertenceriam(nesse momento) a fundos poderosos que invertem fortemente sua posição comprada e apostam na posição vendida, ganhando dinheiro na queda. Só para se ter uma idéia nesses dias de queda as bolsas internacionais caíram e se depreciaram em um trilhão de dólares; esse dinheiro vai pro bolso daqueles fundos que operaram vendidos,pois apostaram na queda. São os fundos de hedge! Um pouco antes do cenário mudar por algum pretexto ou motivo e o quadro se alterar esses fundos operarão comprados ao invés de vendidos. Portanto, a dificuldade momentânea numa economia poderia ser ampliada numa crise. Boas notícias poderiam também serem amplificadas para uma euforia altista na bolsa. A queda das bolsas de 2000 a 2002 trouxe prejuízos (e ganhos) de cerca de mais de15 trilhões de dólales.
    Nassif, tem alguma coerência isso que escrevi? Será que não são valores significantes trocando de mão e entrando e saindo de países esses fundos que hora se posicionam na compra e hora numa posição vendida massiva?

  7. Se alguém vende é porque tem
    Se alguém vende é porque tem alguém comprando. Nesta hora lembro do ensinamento de Amador Aguiar: no final desta semana será hora de comprar ações…

  8. O comportamento de manada é
    O comportamento de manada é um fato comum e típico na especulação.
    Na especulação o q conta é só a possibilidade de lucrar com os incrementos dos preços dos ativos (o decremento), tudo na expectativa, sem outras considerações. Os media e jornais costumam delinear a imagem q se ganha dinheiro quando os valores sobem, mas som valores virtuais,um tem q vender pra conseguir o dinheiro, e geralmente as mãos fortes e os mais habilidosos fazem dinheiro na caída dos preços. Os derivativos multiplicam as apostas, mas o risco sistemático continua e pode crescer, enquanto o preço do risco de diversificação pago pode ser abaixo da realidade.
    Há quase três décadas o capitalismo tornou-se financeiro especulativo. A produção acaba sendo refém da especulação.
    E contrariamente a o q pensa um leitor na Ásia não existia um problema de fundamentos e de balança comercial (a Turquia tem agora) a origem da crise foi mesmo especulativa. (Mas a causa poderia tb ser um conflito especulativo geopolítico com objetivo o Japão).
    Os ataques especulativos contra a Argentina, apesar do problema da balança de pagamentos, tiveram tb o objetivo de desvalorizar os ativos pra comprá-los a preço de banana. O poder de fogo da especulação é tam elevado q nem os bancos centrais dos grandes paises podem fazer nada.
    Mas a especulação é um jogo a soma zero, com vantagens per muitos poucos e portadora de desastre per a grande maioria. A especulação impede de praticar políticas de desenvolvimento. Impõe medidas deflacionaria, etc. e quando estoura o sofrimento é per as massas.
    Mudança de aspctativas levam a rápidas alterações de humores e crises improvisas. Hoje a proporção entre capitais especulativos e produção real é incomensurável. Estamos numa era virtual, imaginaria.
    Contrariamente a o q os media e grandes jornais têm escrito a situação não era nada tranqüila antes da crise na bolsa de Xangai. Como o leitor Gambogi tem comentado nos EUA a bolha especulativa imobiliária passa per problemas, (pelo menos um fundo e um banco passam per problemas, segundo algumas noticias) .
    A crise na bolsa de Xangai não pode ter o mínimo efeito no resto do mundo, tb pq não é completamente aberta. (Não é Hong Kong). Mas psicologicamente os efeitos se fazem sentir, e o consumidor americano passa per uma fase delicada. Nada de melhor q pegar carona com a crise chinesa e ter um bode expiatório deve ter pensado Alan Greenspan e fazer um pouco de dolorosa limpeza, salvando algum amigo, e tb evitando uma crise mais na frente q tiraria as possibilidades per um republicano de ganhar a eleição.
    E

  9. No Brasil não existe muita
    No Brasil não existe muita vantagem em se aplicar em bolsa, pelos seguintes motivos:
    1-Forte trbutação sobre os lucros das empresas;
    2-Pouca transparencia na administração das empresas, geralmente beneficiando diretores que ganham fortunas, e tem pouco interesse nos investidores;
    3-Falta de compromisso com os acionistas;

    Portanto só sobra o mercado de titulos, pois se a previdencia privada investir em ações um dia tudo vai virar mico, não vai valer nada.
    Para quem quer se aposentar com a poupança só resta comprar imoveis e torçer para a mulher do cara não se separar e ele ficar na M.erda.
    Outra coisa, a qualquer momento um juizinho qualquer pode expropriar os bens de um cidadão qualquer e ele ficar a ver navios se ainda não for preso por desacato a OTORIDADE.

    Enfim aplicar no Brasil é uma loucura.

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