A PEC do compromisso: flexibilidade com responsabilidade, por Nelson Barbosa

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do Blog do IBRE

A PEC do compromisso: flexibilidade com responsabilidade

por Nelson Barbosa

Tudo indica que a intervenção federal no Rio de Janeiro enterrou de vez as chances de votar a reforma da previdência neste ano. Muito foi concedido para tentar aprovar uma versão desidratada da reforma. Muito mais foi gasto para ganhar votos. Se fizermos o balanço das coisas, a suspensão da proposta do governo provavelmente acabou saindo mais caro do que não fazer nada para os cofres públicos no curto prazo.

Uma das causas do fracasso do governo foi a inversão de prioridades fiscais após o golpe de 2016. Em vez de focar seus esforços e capital político na reforma do principal gasto da União, a previdência social e dos servidores, o comando do Ministério da Fazenda preferiu queimar cartuchos aprovando um teto de gasto para os futuros governantes.

Quando finalmente chegou a hora de investir na reforma da previdência, a fragilidade política do governo – com acusações graves contra o Presidente da República e seu entorno – e a própria polarização política do País inviabilizaram qualquer avanço na previdência no ano passado.

No final das contas, a equipe econômica estabeleceu um limite para o gasto, sem grande efeito imediato devido à elevação do ponto de partida em 2016, e não criou mecanismos para cumprir tal limite. Agora o problema passou para a próxima administração, que além do teto do gasto, também terá que lidar com a restrição da regra de ouro, que só está sendo cumprida atualmente devido aos saques recorrentes do Tesouro junto ao BNDES.

Qual será a saída para cumprir a regra de ouro em 2019? Vender reservas internacionais? Isso não é solução duradoura e tem grande potencial de desestabilização macroeconômica no curto prazo.

O fato é que o próximo governo, seja ele de esquerda, direita ou o nome que os leitores preferirem, corre o risco de enfrentar uma acusação de crime fiscal em seu primeiro dia sem ter tomado qualquer medida de política econômica!

A partir de 2019, o teto do gasto será cada vez mais restritivo e, como se isso não fosse suficiente, a regra de ouro limitará ainda mais a despesa federal. Como o atual governo não aprovou qualquer medida estrutural de controle do gasto, a próxima administração enfrentará um cenário de excesso de metas e insuficiência de instrumentos fiscais para cumpri-las.

Como sair dessa sinuca? Independentemente da orientação política do próximo Presidente, a solução da crise fiscal e institucional que se aproxima parece óbvia: a próxima administração – Executivo e Legislativo – terá que flexibilizar e apertar a política fiscal ao mesmo tempo. A solução parece contraditória, mas a resposta está no prazo ou velocidade de cada iniciativa.

Será necessário fazer uma proposta de emenda constitucional (PEC) para corrigir o teto de gasto oportunista e equivocado aprovado pela atual equipe econômica. A mesma PEC terá que aperfeiçoar ou modificar a regra de ouro de modo a não produzir nova crise institucional pela criminalização da política fiscal no primeiro mês de funcionamento do próximo governo, que sequer foi eleito.

No sentido contrário, como é necessário substituir uma regra por outra, também será preciso adotar uma PEC que viabilize a reforma da previdência e reduza a rigidez do orçamento, dando efetivamente margem de manobra fiscal para o próximo governo reequilibrar as contas públicas.

Cada um tem suas preferências sobre que gasto controlar ou aperfeiçoar e não sou diferente. Continuo com a opinião de que reformar a previdência é necessário, justo e inevitável. Acrescento que isso também é insuficiente, pois a rigidez do orçamento vai além da previdência.

A reforma das aposentadorias deve ser complementada pelo fim da obrigatoriedade do abono salarial, pela revisão das vinculações orçamentárias que engessam o gasto público e por uma reforma da remuneração dos servidores públicos.

Do lado das vinculações, os candidatos à reforma devem ser principalmente os pisos de gasto com educação e saúde, estabelecendo um valor mínimo de despesa per capita, ao invés de simplesmente retornar à ideia equivocada de vinculação dessas despesas ao PIB ou à receita tributária do governo, como ocorria no passado.

No caso dos servidores públicos, é preciso revisar a estrutura de remuneração, criando uma tabela clara e justa entre remuneração e responsabilidades de cada cargo. É preciso, ainda, evitar a corrida por salário relativo que tem gerado grandes distorções e privilégios localizados em alguns setores.

Nesse ponto, a solução não requer nenhuma mágica. Basta tomar como referência o que já fazem alguns países, estabelecendo um conselho de remuneração do setor público que auxilie o Congresso Nacional a fixar o teto remuneratório e a alinhar salários a funções, respeitando a restrição fiscal do governo.

O próximo governo terá que flexibilizar as atuais regras fiscais para poder governar, mas essa flexibilização só será compatível com a estabilidade macroeconômica – da inflação, da taxa de juros e da taxa de câmbio – se for acompanhada por uma reforma clara do orçamento. A solução é, portanto, uma “PEC do Compromisso”. Uma iniciativa que combine flexibilização no curto prazo com regras claras sobre a evolução dos gastos no médio prazo, de modo a garantir que os problemas de hoje não se repetirão no futuro.

A “PEC do compromisso” deveria incluir, pelo menos, os seguintes itens:

1)      A eliminação do atual teto de gasto e da meta de resultado primário, adotando-se uma nova regra fiscal, com meta de gasto, fixada no primeiro ano de cada mandato, com definição de uma taxa de crescimento real do gasto primário por quatro anos, e cláusulas especiais para lidar com situações de lento crescimento, a serem fixadas em lei específica.

2)      Mudança da regra de ouro do orçamento, substituindo a limitação de emissão de dívida para gasto corrente por critérios de ajuste automáticos no caso de “déficits primários excessivos”, a serem definidos e fixados também em lei específica, com base no que já vigora, por exemplo, na União Europeia.

3)      Fim da obrigatoriedade de pagamento do abono salarial, que passaria a ser um gasto discricionário, a ser aprovado ou não pelo Congresso Nacional na Lei Orçamentária de cada ano, e limitado somente a trabalhadores que ganham até um salário mínimo.

4)      Aposentadoria somente pela idade mínima no regime geral de previdência social (RGPS), a ser definida em lei específica, juntamente como todos as demais condições de concessão e cálculo do benefício (tempo mínimo de contribuição, valor de reposição, acumulação de benefícios, alinhamento ou aproximação das regras vigentes para homens e mulheres, revisão das aposentadorias especiais e outros assuntos)

5)      Alinhamento total entre as regras de aposentadoria do setor público e do setor privado, retirando essa matéria da Constituição Federal e remetendo-a, adivinhe, à lei específica.

6)      Definição de gasto mínimo com saúde e educação com base em um valor real per capita, constante ou crescente, calculado pelo número de habitantes no caso da saúde, e pelo número de estudantes, no caso da educação. Esses valores deverão ser definidos no primeiro ano de cada mandato presidencial, pelo prazo de quatro anos, em conjunto com a meta de gasto plurianual.

7)      Definição clara do teto remuneratório do setor público, com fixação do valor pelo Congresso Nacional com base na recomendação de uma “Comissão de Remuneração Independente”, composta somente por não servidores, que sugeriria o teto e as vinculações ao teto a partir das atribuições de cada carreira e comparação com salários no setor privado.

As iniciativas acima podem promover flexibilidade com responsabilidade na gestão dos recursos públicos, evitando a criminalização excessiva e desestabilizadora da política fiscal que assistimos nos últimos anos, além de remeter para leis específicas assuntos que não deveriam estar na Constituição Federal, pois isso acaba engessando o orçamento público.

A reforma do orçamento, juntamente com medidas de aumento da progressividade da arrecadação de impostos também facilitam o reequilíbrio fiscal e, ao mesmo tempo, liberam recursos primários para as ações mais emergenciais do governo.

Novamente cada um tem suas prioridades. Nesse ponto minha preferência é por investimentos em desenvolvimento urbano (saneamento, transporte e segurança) e na saúde pública. No caso da educação, o desafio é consolidar as conquistas dos últimos anos, que estão ameaçadas pela atual regra de gasto.

Uma PEC única, que estabeleça um compromisso entre flexibilidade e responsabilidade na administração do gasto público pode ser a saída de consenso entre direita e esquerda para tirar o Brasil do atual impasse orçamentário e, ao mesmo tempo, permitir uma discussão transparente de temas complexos em leis específicas. A grande dúvida é se teremos capacidade de construir esse consenso após anos de conflagração e intolerância. Espero que sim, pois apesar de muito ruidosos, intolerantes e intransigentes ainda são minoria.

 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

4 Comentários

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  1. Impressionante e

    Impressionante e decepcionante! Nelson Barbosa conseguiu escrever um artigo inteiro sobre problemas orçamentários e os juros foram citados apenas como um vínculo –  “essa flexibilização só será compatível com a estabilidade macroeconômica – da inflação, da taxa de juros e da taxa de câmbio – se for acompanhada por uma reforma clara do orçamento” – e não como uma das principais causas do desequilíbrio orçamentário. Candidata-se, assim, a ministro da Fazenda de qualquer um destes aventureiros que se se equilibram no tal “tripé macroeconômico”. 

  2. Como assim?

    Como o articulista ousa afirmar que  o principal gasto da União é a previdência social pública e a previdência social dos servidores? Até as pedras da ilha das Cobras sabe que o principal gasto da União é com o pagamento de juros da dívida pública! Quer enganar a quem, cara pálida?

  3. Acho até possível discutir

    Acho até possível discutir muitos destes pontos que Nelson Batista levanta, alguns bastante razoáveis, outros nem tanto, mas sinceramente, é impossível falar de solução do problema fiscal brasileiro sem antes de mais nada resolver o problema do custo de rolagem da dívida brasileira, também popularmente conhecidos como juros que são de longe o item que mais pesa no orçamento. Não existe nenhum ajuste fiscal possível sem atacar este problema e o cara simplemente ignora isso no seu artigo. Temos uma dívida pública chegando na casa dos 80% do PIB sendo custeada a algo em torno de 9% de juros na média, se considerar os títulos vinculados à selic, aos índices de inflação e o próprio pré-fixado. Isso dá um custo na casa de 7% do PIB, só para rolagem, ignorando a inflação no período. Simplesmente não é possível fazer um superávit primário de 7% do PIB, ninguém faz isso no mundo. O ponto de partida de qualquer plano de governo tem que ser como fazer o custo de rolagem da dívida cair para algo em torno entre 1 a 2 % do PIB, que é factível de ser feito.

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