A política monetária do Fed e a desvalorização das moedas emergentes

Sugerido por Assis Ribeiro

Da Carta Capital

O grande engano

Por trás da liberdade crescente do movimento dos capitais, substituta de Bretton Woods, havia a teoria de que os mercados financeiros, deixados a si mesmos,eram autorreguláveis

por Delfim Netto

Depois de 18 de setembro, dia em que, finalmente, o presidente Ben Bernanke conseguiu deixar claro que o banco central americano não iria mudar a política de afrouxamento monetário nem reduziria as compras de ativos na forma imediata que o “mercado” esperava, “preferindo aguardar mais provas de que o avanço econômico será sustentado” (queda da taxa de desemprego para 6,5%), tornou-se impossível aceitar o argumento de que a política monetária do Federal Reserve não era a responsável pela valorização do dólar e, simetricamente, pela desvalorização das moedas dos emergentes.

Até praticamente a véspera do anúncio de Bernanke, o ministro da Fazenda brasileiro, Guido Mantega, tinha sido destacado como alvo predileto das críticas dos analistas de finanças. E isso exatamente porque o ministro reagiu à desordem que tomou conta dos mercados de câmbio, mostrando que o aprofundamento da crise mundial devia-se à política de afrouxamento monetário do governo americano, com apoio de outros parceiros das economias desenvolvidas.

Hoje todos, inclusive o próprio Bernanke, são obrigados a concordar ter ele demonstrado corretamente que, a não ser que se aceite a lógica em que cessada a causa não cessa o efeito, fica complicado explicar por que, “se a política de afrouxamento monetário do banco central americano não era uma das causas principais da desvalorização do dólar, a simples expectativa de sua suspensão valorizava o dólar e, simetricamente, desvalorizava a moeda dos emergentes”?

Apesar de alguns defeitos, o sistema de Bretton Woods, criado em 1944 para coordenar as políticas monetárias no pós-Guerra, funcionou razoavelmente por quase 30 anos. Quebrou a partir do momento em que os EUA foram levados a desvalorizar o dólar em relação ao ouro, durante o governo de Richard Nixon. A regulação cambial em vigor desde o fim da Segunda Guerra Mundial foi atropelada pelos fatos e acompanhada pela destruição paulatina do controle do sistema financeiro construído em resposta à crise, responsável por gerar a Grande Depressão dos anos 1930.

A relativa ordem de Bretton Woods foi substituída pela livre flutuação da taxa de câmbio e uma liberdade crescente do movimento de capitais. O “avanço” (na verdade o “grande engano” do fim do século XX e início do XXI) foi ajudado pela teoria de que os mercados financeiros, deixados a si mesmos, eram “autorreguláveis” e tinham uma “moralidade ínsita”.

Tratava-se de “pseudociência”, contra toda a evidência histórica secularmente acumulada: o sistema financeiro sem regulação retorna, sempre, ao local do crime. O fato é que é impossível ter ao mesmo tempo uma política monetária para cuidar do equilíbrio interno, da taxa de câmbio fixa e da liberdade de movimento de capitais. Necessariamente, portanto, é preciso desistir de uma delas. Ora, nenhum país soberano pode abdicar da primeira. Logo, a escolha será entre o sistema de câmbio fixo e a liberdade do movimento de capitais.

É óbvio que, em um país emergente, a estabilidade cambial é fundamental, o que explica por que eles resistiram enquanto foi possível. Nada disso é novidade, mas países emergentes, que a pretexto de manter a independência de sua política monetária abdicaram da taxa de câmbio fixa e aceitaram a livre movimentação dos capitais, descobriram ser ela uma ilusão. Os movimentos monetários do BC dos EUA determinam as flutuações das taxas de câmbio e condicionam as políticas monetárias. O que os emergentes têm pela frente é um pobre dilema: impor controle à plena liberdade no movimento dos capitais ou entregar sua política monetária ao Federal Reserve!

Nossa taxa de câmbio está sujeita às mesmas pressões que pesam sobre a maioria dos emergentes. Mas dispomos de um mercado de câmbio extremamente sofisticado e bem regulado, no qual existem instrumentos de intervenção governamental (swaps) em que a operação é nominada em dólares, mas liquidada em reais, até a taxa de câmbio atingir um patamar estável. E acumulamos 370 bilhões de dólares de reservas, que nos dão segurança e tempo para enfrentar o ajuste que for necessário.

Redação

4 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. “Por trás da liberdade

    “Por trás da liberdade crescente do movimento dos capitais, substituta de Bretton Woods, havia a teoria de que os mercados financeiros, deixados a si mesmos,eram autorreguláveis”:

    Et tu, Delfim?  Nao ha, e nunca houve, qualquer remota credibilidade pra essa “teoria” de auto regulacao, que eh cortina de fumaca para eclosao de crise financeira apos crise financeira, cortesia dos bancos e do “mercado”.  TODOS os que a apregoaram de cima dos edificios tinham e tem o que esconder, e muitissimo a ganhar da selvageria resultante.  Toda a pregacao da teoria de auto regulacao dos mercados era LOBBY -espionagem de sabotagem da populacao.

    Eh a mesma coisa com a teoria da “alternancia de poder”, onde tudo eh tao orquestrado que independente de quem esta no poder, eh sempre a mesma organizacao sombra -vide EUA.

  2. Omissões de Portos: A farra em um país sem fiscalização

    Enquanto o governo reclama do que os EUA fazem para o bem do país deles, olhem abaixo o que o nosso governo faz para bem do Brasil motivo de piada.

    Por André de Seixas

    Diversas empresas exportadoras estão procurando o UPRJ para denunciar o elevadíssimo numero de omissões de portos de navios. Relembrando, a omissão de porto ocorre quando ao armador toma a decisão de não escalar o porto com o navio programado, deixando as cargas dos exportadores no pátio do terminal, para trás, e deixando também de entregar as cargas de importação, levando-as para o primeiro porto de sua conveniência, largando o problema nas mãos dos importadores que gastarão com fretes, alterações de documentos, etc.

    Trata-se de um problema que está afetando o país, pois os exportadores brasileiros estão sendo vistos com maus olhos pelas empresas estrangeiras, justamente, por não cumprirem o prazo de entrega pactuado com os compradores no exterior. Isso sem falar no aspecto financeiro, vez que o exportador que não consegue entregar o seu produto não recebe pela venda.

    A verdade é que os exportadores estão desesperados. Existem relatos de empresas que estão com suas mercadorias paradas em terminais há mais de 15 dias, pois o armador contratado omitiu o porto por duas semanas consecutivas. Um deles relatou que está deixando de receber cerca de 4.8 milhões de dólares por não conseguir embarcar os containers. Dois exportadores relataram que, para não ver seus contratos rompidos, precisaram embarcar cerca de 260 toneladas de produtos pelo modal aéreo, gastando mais de 400 mil reais de frete, porque as mercadorias fabricadas por eles fazem parte de linhas de montagens e, se não chegarem a tempo, paralisam as fabricas dos compradores no exterior.

    Os armadores afirmam que os atrasos são decorrentes de problemas da estrutura portuária brasileira. Contudo, sabemos que eles aumentaram os tamanhos de suas embarcações para obterem maiores ganhos em escala, fato que, claramente, vem agravando o problema.

    Portanto, é chegada a hora do governo federal, das autoridades, principalmente a ANTAQ, começarem a investigar o que está acontecendo. Não estamos mais falando de uma questão pontual. As omissões de portos passaram a fazer parte da rotina, o que é extremamente prejudicial à imagem do Brasil.

    Infelizmente, pela falta de autoridade presente no cotidiano dos usuários dos portos, dificilmente, veremos denuncias chegarem até as autoridades. Verificamos muito receio das empresas no sentido de denunciar, pois existe medo de retaliação, já que o estado não constrói uma relação de confiança com ninguém. É muito triste, principalmente, para o desenvolvimento do comércio exterior brasileiro, ver o que estamos passando. Como afirmamos em artigos anteriores, o estado é omisso e falta uma fiscalização competente, ativa e pró-usuário. O estado só fiscaliza aquilo que é de seu interesse, ou seja, impostos e áreas onde poderá arrecadar multas, como é o caso do meio ambiante.

    Os exportadores que nos procuraram (em caráter sigiloso por medo de represálias) fizeram um levantamento das omissões de portos no Brasil de janeiro até setembro deste ano. Foi constatado que os armadores omitiram portos por 264 vezes. Na Região Sul do país foram registradas 126 omissões. Já na Região Sudeste foram registradas 96 omissões e na Região Nordeste outras 42. São números alarmantes jamais vistos e, para piorar, são números que tendem a crescer no ultimo trimestre do ano.       

    Como o foco do UPRJ está nos usuários dos portos do Rio de Janeiro, trataremos, a partir de agora, dos problemas que estão afetando as empresas que usam os terminais de containers do estado. Como se sabe, as omissões dos portos do Rio ocorrem de forma programada. Isso porque, os armadores querem cumprir a programação de escala em outros portos, principalmente os do exterior e, para tal, deixam de atracar seus navios nos terminais daqui. Em outras palavras, ao deixarem de escalar os terminais do Rio, não poderão alegar caso fortuito ou força maior, porque atraso de programação de escalas não significa impedimento de atracação e, portanto, está fora do hall de eventos que poderia ser assim caracterizado. Poderiam atracar, mas, para descontar o atraso, deixaram de atracar.

    Portanto, como característica das omissões dos portos do Rio, temos que o armador está assumindo todos os riscos de despesas das cargas que deixam para trás, bem como de eventuais perdas e danos que os exportadores e importadores venham a sofrer por conta do atraso no embarque ou na entrega.

    Dessa forma, export detentions, demurrages, despesas com remoções, transferência de pilhas, armazenagens e transportes decorrentes das omissões programadas dos armadores devem ser assumidas integralmente por eles.

    Tratando do terminal SEPETIBA TECON, que alega estar em colapso por conta das omissões de navios, registramos que tais eventos vêm ocorrendo desde o inicio do ano e, mesmo assim, mesmo prevendo problemas, por sua conta e risco, o terminal decidiu, sem se estruturar com pessoal, maquinas e caminhões, pegar serviços do porto do Rio de janeiro, o que elevou o seu movimento em milhares de containers. Portanto temos que os problemas do terminal poderiam ser previstos, com facilidade, mas a ganância por dinheiro fez como assumisse todos os riscos pelos problemas que ali estão acontecendo. Afinal de contas, como prova do que estamos afirmando, mesmo com as omissões de portos, antes do terminal pegar os serviços do porto do Rio, o colapso de hoje ali não existia.

    Enfim, o Brasil é o país da vergonha. O Brasil é o país da farra, onde tudo se pode, diante da falta de fiscalização. Tudo isso que estamos relatando poderia ser evitado. Mas, como vivemos no país do politicamente viável, infelizmente, veremos mais e mais absurdos como estes.

     

     

     

     

     

  3. Desabou

    Desabou:

    1)  o mainstream neoliberal;

    2)  a “incompetência”, dita por muitos, de Mantega;

    3)  a ladainha da virtude da globalização, como instrumento de equilíbrio e destribuição de riqueza;

    4)  a “autorregulação”;

    5)  que os EUA deixaram de ferrar o resto do mundo.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador