A recessão é consequência do ajuste fiscal?, por Marco Flávio Resende

Só o anúncio do ajuste fiscal por meio de corte de gastos e a redução do investimento público já foram suficientes para o investimento privado refluir, mesmo que o ajuste ainda não tenha sido de fato implementado

Marco Flávio C. Resende | Brasil Debate

Visto que o ajuste fiscal não saiu do papel, alguns analistas têm defendido que é equivocada a visão dos economistas Keynesianos brasileiros. Argumentam que se efetivamente o governo ainda não reduziu gastos em 2015, então a recessão atual não seria consequência, entre outras causas, do ajuste fiscal. Os Keynesianos se equivocaram? Vejamos:

1. Neste ano, o gasto total do governo ainda não caiu, mas, seu investimento reduziu-se. A natureza do gasto importa e, com relação ao gasto que interessa, porque é ele que estimula a economia, houve, sim, redução em 2015: há em curso um bloqueio nos investimentos (do Pacote de Aceleração do Crescimento, PAC) que até maio era de mais de R$ 25 bilhões, segundo o Ministério do Planejamento;

2. para Keynesianos, a incerteza que permeia a economia capitalista torna a confiança em expectativas de lucros futuros fator chave para o empresário investir. Cabe ao governo papel crucial de coordenar expectativas de empresários dos setores produtivo e financeiro, que precisam estar confiantes (otimistas) para arriscarem sua riqueza em investimento – trata-se do estímulo ao animal spirits.

Se é anunciado ajuste fiscal com corte de despesas do tamanho proposto pelo governo em um contexto de desaceleração da economia, as expectativas deterioram-se, mesmo antes de o pacote fiscal sair do papel. Mas, para piorar, soma-se ao anúncio do corte de gastos um governo que demonstrou fartamente não saber coordenar expectativas, seja por meio das políticas econômicas e do investimento público, do planejamento estratégico pré-estabelecido e transparente, seja por meio de constância e coerência das políticas econômicas (política fiscal, cambial, monetária, comercial, de financiamento, salarial, microeconômicas etc).

Ao não coordenar expectativas nos campos econômico e político, o governo não soube fazer o apontamento do rumo da economia, vital num mundo onde prevalece a incerteza. Assim, só o anúncio do ajuste fiscal por meio de corte de gastos já foi suficiente para o investimento privado refluir, mesmo que o ajuste ainda não tenha sido implementado – não obstante a queda efetiva dos gastos com investimento público.

Quem leu o economista inglês J.M. Keynes sabe que a economia é dirigida pela demanda. Sabe, também, que o investimento, em particular o investimento privado, é a variável crucial da dinâmica e dos ciclos da economia, e depende fundamentalmente de expectativas, que são voláteis em um mundo permeado pela incerteza sobre o futuro. Por isso, questões sensíveis ao investimento privado requerem tratamento cuidadoso.

3. Sem investimento público, por meio de um pacote de investimentos pré-estabelecido e cujas metas propostas sejam críveis e cumpridas (o PAC não foi isso, pois suas metas não são cumpridas, tentou-se enganar a sociedade reclassificando como PAC investimentos que já estavam previstos, em particular os investimentos da Petrobrás etc), não há o que Keynes chamou de socialização do investimento, e não há coordenação das expectativas do setor privado. Sem isso, os donos da riqueza, temendo perdas de capital em um futuro incerto, optam por alocá-la na forma líquida (inclusive dólar), produzindo retração da demanda agregada, desemprego e recessão.

4. Keynes era a favor de um orçamento público intertemporalmente equilibrado, porém, contracíclico. Mas, o governo não poupou na fase de crescimento do ciclo para poder gastar no atual momento sem elevar a dívida pública. Além disso, a miscelânea de incentivos tributários e de subsídios do governo Dilma 1 sacrificou as contas públicas.

Porém, as expectativas de lucros futuros dos empresários não foram estimuladas, deterioradas que estavam pela longa trajetória de apreciação cambial e desindustrialização, pela falta de clareza, constância e coerência das políticas econômicas domésticas, pela reversão do cenário externo até então benigno. Sem melhora do animal spirits, o investimento privado não cresce.

Por fim, o ajuste fiscal em contexto de recessão não vinga por meio do corte de gastos. A Grécia é um exemplo recente. Quando implementado na recessão, o ajuste deteriora as expectativas e alimenta a retração do consumo e do investimento privados, reduzindo o PIB e mitigando, assim, a própria receita do governo – ainda mais no Brasil, onde grande parte da arrecadação vem de impostos que incidem sobre a produção e o consumo.

Isto é, macroeconomia é diferente de economia doméstica, pois na minha casa, se eu cortar gastos, minha receita não cai e, então, tenho êxito em ajustar minhas contas. Na economia, a redução de gastos do governo quando a economia está parando resulta em queda do PIB e, por isso, queda da arrecadação. Enxuga-se gelo, e a saída é o aumento da dívida pública, deteriorando ainda mais as expectativas.

No contexto de recessão, o ajuste fiscal deve ser feito por meio de aumento da arrecadação, mas não se trata de elevar a cunha fiscal sobre a produção e o consumo, tirando competitividade do produtor nacional e aumentando a regressividade da arrecadação.

O aumento da arrecadação deve vir sobre renda, herança e propriedade dos mais ricos. No Brasil, se tributássemos em 15% a retirada de lucros e dividendos direcionados a pessoas físicas, teríamos cerca de 43 bilhões de reais segundo estudo do IPEA, bem mais do que se pretende arrecadar com a CPMF!

É… desconfio que estes críticos não leram Keynes.

Redação

6 Comentários

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  1. Não é apenas que o governo não coordena

    expectativas. O governo é campeão em acabar com todas as expectativas otimistas no país. A Dilma mais parece o Nero botando fogo em Roma, quando abre a boca é para falar em crise, remédio amargo, sacrifício, e a luz no fim do túnel fica cada vez mais longe. Quem consegue ficar otimista com um discurso desses?

  2. Orçamento não PODE SER apenas “economia”!

    Olá debatedores,

    li atentamente o texto e posso concordar com muito do que nele foi dito.

    Exemplificando:

    Concordo com: 

    1 – o problema da corte de gastos que resulta em  queda da arrecadação e por isso o “inevitável” aumento da dívida( Enxuga-se gelo, e a saída é o aumento da dívida pública, deteriorando ainda mais as expectativas.)

    2 – Também estou de acordo que “não se trata de elevar a cunha fiscal sobre a produção e o consumo, tirando competitividade do produtor nacional e aumentando a regressividade da arrecadação.”

    Ora, ora ora! Deus e o mundo já disse isso!

    Todos os que pensam e agem com boa-fé sabem que nossa tributação concentra-se no consumo. ( na produção também. todavia, mais no consumo, vez que os tributos são normalmente, NÃO CUMULATIVOS e quem paga mesmo é o consumidor final!).

    3 Etc.

     

    Todavia, discordo do autor do texto ao tratar este assunto com o viés meramente “econômico”. 

    Isto porque, não podemos separar a ciência econômica do contexto político! 

    Ciência econômica, portanto, está vinculada ao “ambiente político”. Está vinculada ao USO ou ABUSO do poder que se diz “econômico”.

    Notemos bem, caros debatedores atentos, este debate, mormente, na REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, não pode se limitar ao “pensamento” de uma “escola” econômica.

    Penso que se continuarmos seguindo o pensamento meramente econômico estaremos debatendo o “nada” ou o “quase nada”, pois, como se sabe, a utilização da “política” pelos “políticos” brasileiros volta-se mais para os “umbigos” destes!!!

    Lado outro, a “política fiscal” deve ocorrer, reforça-se DEVE ocorrer através de LEI e de acordo com a CR/88!

    O plano plurianual , que DEVE SER enviado até 31/08, tem vigência para os 4 anos seguintes ( e vai ser o mesmo PPA no primeiro ano do próximo “governo”!)

    A LDO é o “instrumento”, a lei! que visa , digamos, “fazer um meio de campo” entre o PPA e a LOA. Ela é enviada para o poder legislativo até 15/04( portanto, antes!) 

    E a LOA, que é o ORÇAMENTO PROPRIAMENTE DITO!, DEVE SER encaminhada ao “legislativo” igualmente até 31/08! ( daí a CELEUMA sobre “ajuste fiscal” ultimamente)

     

    Em suma, numa REPÚBLICA FEDERATIVA que se diz dentro de um ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, o “ajuste” , necessarimente, NÃO É MERAMENTE ECONÔMICO! 

    Repita-se: o AJUSTE não é e nem pode ser meramente econômico!

    Só que nós, brasileiros, administratos, vulneráveis com a assimetria de informações e,  em sua maioria, ignorantes políticos, desavisados, desorientados ( ou “orientados pela abominável GRANDE MÍDIA UMBILICAL, que só pensa no próprio umbigo!) não temos capacidade, diante do JOGO de poder ( do pacto, da coalizão , ou da falta de coalizão!)  de OPINAR corretamente, sobre o que deve e o que não deve ser feito!

    Julgamos, normalmente, estupidamente, que o “aumento de impostos” ( quando na verdade nem de “impostos” se fala, mas sim, de CONTRIBUIÇÃO!!!) pode “piorar” ou melhorar determinadas situações DE CONFLITO DE DISTRIBUIÇÃO, fundamentalmente político, isto é, de conflito de umbigos!

     

    Cá pra nós, fala que não somos imbecis?!

     

    Saudações 

     

  3. Talvez tenham lido Keynes,

    Talvez tenham lido Keynes, mas descobriram que ele prescreve fórmulas para resolver o problema do Estado. Mas, eles só querem resolver seus problemas particulares.

  4. O unico objetivo do Plano

    O unico objetivo do Plano Levy é acalmar o mercado financeiro internacional, é SÓ ISSO, não tem nada mais.

    Não há qualquer preocupação com emprego e crescimento. Não é por deformação do Ministro, esse é um PERFIL que começa na faculdade e se consolida no curso de MESTRADO nos EUA, no caso dele na Universidade de Chicago,

    centro ideologico da globalização financeira, lá não existe a ideia de um PROJETO NACIONAL de Pais, só se ensina como melhorar o funcionamento global dos mercados, os Premios Nobel de Chicago, que foram muitos, tem exclusivamente trabalhos sobre como tornar os mercados mais eficientes, nesse mundo intelectual não há o CONCEITO DE PAIS.

    1. Estou de acordo com  boa

      Estou de acordo com  boa parte do seu comentário. E creio que lhe compreendi num certo sentido.

      Todavia, maxima venia, há um sério  tropeço na sua observação, qual seja:

       

      Evidentemente, naquele “mundo intelectual”, ao contrário do que v. disse,  há sim o conceito de país. 

      Na pior das hipóteses o conceito seria um “não-conceito”. Observe que a omissão é o ATO de, deliberadamente, não fazer.

      Melhor ainda!

      Se há uma parte do globo terrestre onde há um fomento , até mesmo um certo “orgulho” ao “país” – muito bem conceituado ou definido – este lugar encontra-se justamente ali, no território delimitado pelos Estados Unidos.

      Basta invadí-lo para perceber, nitidamente, qual seria  o “conceito de país” daquele lugar.

      Por fim, vale lembrar aquele aforismo “barato” , porém, não gratuito:

      “Como não há almoço grátis” , dentro do  binário e limitado  pensamento  econômico flagrantemente enviesado, o almoço só pode ser pago! ( no “mercado” via sistema de preços “naturais”)

      Temos aí algumas “pistas” do que pode vir a  ser o tal  “conceito de país, daquele país!  Sobretudo, após a explosão de “bombas atômicas” hein!? Que tal?

       

      Saudações 

       

       

       

  5. Prezado
     
    A quem é

    Prezado

     

    A quem é  endereçado  o  qualificativo   KEYNESIANA  ….???

    Se forem os economistas da fundação  Perseu Abramo  ( ? )   você  está se excedendo. 

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